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Artigo

O significado da fiscalização em obras de engenharia, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos

 

opiniao

 

Uma considerável seqüência de acidentes em obras de engenharia, seqüência pontuada pelo recente rompimento da barragem da Samarco em Mariana – MG, tem trazido à tona e revelado um alto grau de confusões conceituais sobre o papel da fiscalização técnica promovida por órgãos de governo em empreendimentos de engenharia privados e públicos.

Essas confusões conceituais estão inclusive propiciando o surgimento de rituais jurídicos em que, basicamente, proprietários de obras acidentadas astuciosamente pleiteiam a divisão de responsabilidades pelos acidentes com o poder público em vista de falhas eventualmente verificadas nos procedimentos de fiscalização técnica.

Para que absurdos como esse não prosperem, e a sociedade não venha a ser duplamente penalizada, faz-se indispensável um mais apurado esclarecimento dos vários aspectos envolvidos na questão.

Essencial entender-se que a fiscalização técnica realizada pela administração pública guarda uma relação direta e exclusiva com a sociedade. Em essência, esse procedimento tem como objetivo prover garantias à sociedade quanto ao bom desempenho e quanto à segurança do empreendimento fiscalizado.

Ou seja, se essa fiscalização comete uma falha, ou por ausência, ou por insuficiência, ou por despreparo, ela falhou com a sociedade a que se obrigava defender. E deve ser, sim, investigada por esse deslize. O que de forma alguma não sugere que a ela deva caber qualquer mínima responsabilidade por problemas que possam haver acontecido na obra fiscalizada.

Implica essa afirmação o entendimento de que de forma alguma a fiscalização técnica pode ser confundida com algo que se assemelhe a uma consultoria técnica colocada à disposição do empresário pela administração pública, e cujo papel seria periodicamente examinar a obra, identificar problemas, e orientar o proprietário em sua correção. Não, não existe e nem está preconizado esse tipo de relacionamento entre fiscalização e proprietário de obra. Claro, o acordo de fiscalização inclui a obrigatoriedade do proprietário fornecer todas informações solicitadas pelos agentes fiscais, como o dever desses comunica-lo de todas as observações e exigências produzidas em seu procedimento fiscalizatório, que pode, ao limite, até recomendar a interdição da obra. Mas nunca um dono de obra poderá alegar que deixou de tomar esse ou aquele cuidado técnico pelo fato da fiscalização nunca lhe haver solicitado tal providência. Isso precisa estar muito claro para todas as partes envolvidas.

As relações de responsabilidade do empresário com sua obra independem radicalmente do processo fiscalizatório. Isto é, é dele a responsabilidade técnica total sobre a qualidade de sua obra e sobre eventuais acidentes ou disfunções técnicas que com ela possam acontecer. Para isso tem à sua direta disposição, nas fases de projeto, implantação e operação/monitoramento/manutenção de seu empreendimento, todos os conhecimentos técnicos produzidos e acumulados nacional e internacionalmente, e que lhe possam ser úteis e necessários, conhecimentos esses personificados em seu próprio pessoal técnico e em terceiros para tanto contratados. Ou seja, o lado da excelência técnica obrigatória é o lado do proprietário da obra, não o lado da fiscalização; à qual cabe, sim, ter competência para o que faz, mas muito mais uma competência em esmeradamente bem cumprir seus protocolos fiscalizatórios.

De outra parte, vale na oportunidade registrar uma ponderação crítica ao atual arranjo institucional da ação fiscalizatória, tomando o caso das barragens como exemplo. Hoje essa função está distribuída em diversos órgãos segundo sua natureza. No entanto, uma barragem sempre deverá apresentar e cumprir requisitos hidráulicos e geotécnicos muito próprios, qualquer que seja sua natureza: geração de eletricidade, abastecimento, açudagem, irrigação, mineração, lazer, etc. De tal forma que seria muito mais eficiente para o desenvolvimento de uma cultura técnica comum de fiscalização que essa operação fosse exercida somente por uma instituição, para tanto vocacionada por seu expertise na matéria.

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas
Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”.
Consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia
Articulista e Colaborador do Portal EcoDebate

* Artigo enviado pelo Autor e também publicado em O Globo.

in EcoDebate, 28/01/2016

 

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