A quem compete a responsabilidade pelo desastre do Distrito de Bento Rodrigues-MG? artigo de Maria Galleno de Souza Oliveira
[EcoDebate] Na tarde de 5 de novembro de 2015, quinta-feira, – Distrito de Bento Rodrigues, no município de Mariana/MG, 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos resultante da mineração de ferro vazaram após o rompimento de duas barragens no Complexo de Alegria, da mineradora Samarco, de propriedade da Vale e da anglo-australiana BHP. Em aproximadamente 12 minutos, todo o distrito, no qual residiam cerca de 600 pessoas, foi devastado pelo “mar de lama”. Até agora, há, oficialmente, 12 desaparecidos e 11 mortos. A “onda de lama” atingiu o Parque Estadual do Rio Doce, tendo afetado, principalmente, os municípios de Governador Valadares (MG), Colatina e Linhares (ES), devastando o ecossistema natural da bacia do rio Doce. Entre os ambientalistas e especialistas da área ambiental e de desastres, este pode ser considerado o maior desastre ambiental do Brasil nos últimos trinta anos.
Conforme noticiaram os principais meios de comunicação do país, parece não haver nenhum plano de contingência, com vistas a responder à gestão de risco e segurança da barragem (o que foi reconhecido implicitamente pela mineradora), muito embora a empresa tenha procurado minimizar seus atos, através do comunicado “Samarco Informa”, ao se pronunciar sobre a existência de novos equipamentos de monitoramento da barragem de Germano, no qual afirma que “… fazem parte do plano emergencial feito pela empresa que, mesmo antes do acidente, já seguia todas as medidas exigidas pela legislação”.
Entretanto, comprovadamente, não havia meios eficazes e rápidos de alerta/alarme, tais como sirenes, para avisar a população do Distrito de Bento Rodrigues. Muito menos, havia sido realizado treinamentos e capacitação, em conjunto com a Defesa Civil, visando preparar a população no caso de desastre. O aviso do rompimento das duas barragens foi dado por telefone para alguns moradores, para a Prefeitura Municipal de Mariana e a Defesa Civil do Estado de Minas Gerais.
Quando ocorre um desastre socioambiental dessa proporção, surgem algumas dúvidas, entre elas, a questão da responsabilidade da empresa e se os órgãos públicos estavam fiscalizando o empreendimento. Pois, afinal, a atividade desenvolvida – extração de minério é de grande impacto ambiental.
Para responder a essas questões, tem-se que inicialmente informar que há uma legislação específica que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens, que é a Lei nº 12.334/2010, as Portarias do Departamento Nacional de Produção Mineral nº 416 (3 de setembro de 2012) e nº 526 (09 de dezembro de 2013) e a Resolução nº 143 (10 de julho de 2012), do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.
Também são aplicadas a Lei nº 12.608/2012 –Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC), a Lei nº 9.433/1997 – Política Nacional de Recursos Hídricos, a Lei nº 9.984/2000 – criação da Agência Nacional de Águas (ANA), a Lei nº 6.938/1981 –Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), e a Constituição Federal de 1988.
O conjunto desses marcos regulatórios, decretos e as portarias emitidas por aqueles órgãos, estabelece os parâmetros pelos quais se estrutura a responsabilidade pelos danos causados ao meio ambiente (e a sociedade) pelo rompimento das barragens, quais os órgãos e entes fiscalizadores, suas competências e limites do seu exercício.
Estruturando a questão ambiental, a Constituição Federal de 1988, no art. 225, e a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), no art. 14, § 1º, estabelecem que a responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva, e fundamenta-se na teoria do risco integral. Isto é, significa que não se discute a questão da culpa, pois o simples fato de desenvolver uma atividade de risco ao meio ambiente e a terceiros, mesmo que dentro da mais perfeita e completa legalidade, já consagra a responsabilidade do agente poluidor. Portanto, aquele que polui e causa dano ambiental, deverá responder na escala administrativa, indenizando e reparando por todos os danos causados, e também, poderá responder, concomitantemente, nos âmbitos civil e penal.
No que se refere especificamente às barragens, há o marco regulatório da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB) – Lei nº 12.334, de 20 de setembro de 2010, que institui o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens, estabelece quais são os objetivos (art. 3º), os fundamentos e a fiscalização (art. 4º). Além disso, indica quais os instrumentos e os critérios para a classificação das barragens, que são categorizados por risco, por dano potencial associado e pelo seu volume, tendo por base as normas gerais estabelecidas pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (art. 6º).
A Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), estabelece que o empreendedor é o responsável legal pela segurança da barragem, o que significa que a responsabilidade é objetiva, observando o preceito constitucional e a Política Nacional do Meio Ambiente.
Portanto, a questão da responsabilidade da empresa mineradora Samarco, pelo desastre socioambiental ocorrido no Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana-MG, está justificada na legislação em vigor no país, não gerando qualquer dúvida quanto a isso.
Por outro lado, a Política Nacional de Segurança de Barragens (Lei nº 12.334/2010), estabelece no artigo 5º, que a fiscalização da segurança das barragens compete aos órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA (criado a partir da Lei nº 6.938/1981), integrado por órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, é competente pela governança ambiental. Nesse mesmo artigo, é distribuída a fiscalização de segurança entre diversos órgãos, considerando a entidade que outorgou, concedeu ou autorizou, ou forneceu a licença ambiental.
No caso específico das barragens de rejeitos, a competência para fiscalizar a segurança é do órgão integrante do SISNAMA, compartilhada entre o IBAMA, o órgão ambiental estadual e o Departamento Nacional de Produção Mineral (órgão do Ministério de Minas e Energia). Além disso, atuam, subsidiariamente, a Agencia Nacional de Águas (ANA), o Conselho Nacional de Recursos Hídricos e o Comitê de Bacia Hidrográfica. Em Minas Gerais, a Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM), é o órgão responsável pelo licenciamento ambiental das barragens de rejeito da Mineradora Samarco.
Importa esclarecer que neste caso, o dever de fiscalização dos órgãos/entes públicos, não lhes atribui a responsabilidade direta pelo desastre, posto que ao fiscalizar, eles têm o dever de garantir a segurança e a qualidade do investimento, nos aspectos técnicos ambiental, geotécnico e estrutural. Suas responsabilidades somente serão auferidas caso seja comprovado que houve culpa ou dolo por parte dos órgãos/entes estatais responsáveis pela fiscalização. Isto é, há de ser comprovado que a ação ou a omissão foi voluntária, e que a conduta da administração pública concorreu para o resultado danoso.
Outro ponto a esclarecer, aludi à questão que, esses órgãos, são integrantes das entidades estatais que compõem o sistema federativo do Brasil – União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Portanto, quando se discute a questão da responsabilidade, cabe aos membros da federação responder juridicamente pelos atos dos seus órgãos e agentes.
No que se refere a Agência Nacional de Águas – ANA (criada pela Lei nº 9.984/2000), vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, lhe compete fiscalizar o uso de recursos hídricos nos corpos de água de domínio da União – no caso o Rio Doce, pois esse atravessa mais de um Estado da Federação, sendo um bem da União, conforme prescreve o art. 20, III da CF/88. Por isso, esta agência poderá responder, caso fique comprovado que não cumpriu devidamente seu papel fiscalizador.
No caso do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), órgão integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, previsto na Política Nacional de Recursos Hídricos – PNRH(Lei nº 9.433/1997 – art. 35), tem por competência: zelar pela implementação da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), estabelecer as diretrizes para implementação da PNSB, bem como da aplicação de seus instrumentos e atuação do Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens, e, apreciar o Relatório de Segurança de Barragens, fazendo, se necessário, as recomendações para melhoria da segurança das obras, bem como encaminhá-lo ao Congresso Nacional. Conforme noticiado na imprensa, a Mineradora Samarco havia realizado obras para aumentar o nível de capacidade das represas que se romperam, e, portanto, se houver a comprovação, que tais obras não se realizaram dentro de todas as especificidades técnicas e que possa ter havido negligência por parte do CNRH, poderá ser imputado o dever de responder por seus atos.
Quanto ao Comitê de Bacia Hidrográfica, que é também um órgão integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídrico – SMGRH (Lei nº 9.433/1997 – art. 37), e nesse caso é representado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce (CBHRD), tem entre outras competências, o dever de acompanhar, monitorar e fiscalizar a implementação das políticas públicas do uso de recursos hídricos, bem como o aproveitamento dos recursos hídricos e a ocorrência de contaminações das águas. No que tange ao desastre de Mariana, caso seja comprovado a falta dessas diligências por parte do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, poderá lhe ser atribuído responsabilidade.
Por outro lado, o Instituto Nacional do Meio Ambiente – IBAMA, o Departamento Nacional de Produção Mineral –DNPM, e o órgão ambiental do Estado de Minas Gerais – Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEam), são diretamente responsáveis pelo licenciamento e fiscalização das atividades da Mineradora Samarco na área ambiental. Ou seja, significa que, caso seja comprovado que houve qualquer ilicitude no processo de licenciamento e de fiscalização, eles poderão ser responsabilizados.
Especificamente no que se refere ao IBAMA, conforme prescreve a Lei nº 6.938/1981, a Lei Complementar nº 140/2011, o Decreto nº 6.099, de 26 de abril de 2007, e a Resolução CONAMA nº 9/1990, além de ser órgão responsável pelo licenciamento ambiental (no caso de Minas Gerais, em conjunto com a Fundação Estadual do Meio Ambiente – FEAM), também administra o Sistema Nacional de Emergências Ambientais – SIEMA, conforme prevê a Instrução Normativa IBAMA nº 15, de 06 de outubro de 2014, o que lhe confere o dever de acuidade para liberação de licenças ambientais e também na gestão das emergências ambientais.
Destaca-se que documentos referentes ao processo de revalidação de uma das licenças ambientais da barragem de Fundão, indicavam que o Ministério Público Estadual havia solicitado, em 2013, como condicionantes para emissão da nova licença de operação (LO), a inclusão da análise de ruptura da barragem e a elaboração de “plano de contingência em caso de riscos ou acidentes, especialmente em relação à comunidade de Bento Rodrigues, distrito do município de Mariana-MG”.
Além disso, ressalta-se que o processo de concessão de uma licença ambiental, é o momento mais oportuno para que os órgãos competentes exijam das atividades poluidoras as adequações pertinentes para o cumprimento da legislação ambiental. Por isso, estas adequações deveriam constituir condição para a emissão da licença e não condicionantes após a entrega da mesma ao empreendedor.
Neste sentido, independentemente da probabilidade de ocorrência, o cenário do desastre tecnológico ocorrido em Mariana-MG era previsível e, portanto, medidas mais rigorosas deveriam ter sido tomadas no que concerne a manutenção e a avaliação da segurança da barragem.
O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), legalmente responsável pela fiscalização das barragens de rejeitos (art. 5º, III), através da Portaria nº 416, de 3 de setembro de 2012, institui o Cadastro Nacional de Barragens de Mineração, no qual estabelece a estrutura e conteúdo mínimo do plano de segurança a ser elaborado pelo empreendedor. Além disso, delega ao empreendedor as inspeções regulares, que deverá enviar o relatório ao DNPN.
A Portaria nº 526, de 09 de dezembro de 2013, também emitida pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), estabelece o conteúdo mínimo e o nível de detalhamento do Plano de Ação de Emergência das Barragens de Mineração (PAEBM), ressaltando que este deverá ser elaborado para as barragens consideradas de Dano Potencial Associado Alto.
Os critérios gerais para a classificação de barragens, encontra-se estabelecido na Resolução nº 143, de 10 de julho de 2012, do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), que as classifica por categoria de risco, por dano potencial associado e pelo volume do reservatório. Caso a barragem seja classificada na Categoria de Dano Potencial Associado Médio ou Baixo, somente haverá obrigação de elaborar o Plano de Ação de Emergência, quando for formalmente exigido pelo DNPM.
Em relação às duas barragens da Mineradora Samarco, a Fundação Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais, as classifica na classe 3, pois apresentam alto potencial de dano ambiental. Entretanto, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), as enquadra como estrutura de baixo risco, e a última inspeção realizada pelo órgão às barragens, ocorreu em 2012.
Quanto à Proteção e Defesa Civil, cujo marco regulatório é a Lei nº 12.608/2012 – Política Nacional de Prevenção e Defesa Civil (PNPDC), apesar de ter como paradigma a prevenção – mitigação – preparação e resposta, com foco na gestão dos riscos, ainda prevalece o papel de gerenciamento das emergências dos desastres.
No caso específico da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), não há previsão da participação de representante da Defesa Civil, naquilo que se refere ao Plano de Ação de Segurança da Barragem, inclusive quando estabelece o Plano de Ação de Emergência (PAE). Neste caso, a Defesa Civil é citada na Portaria nº 526 de 09/10/2013 em duas situações de emergência, quais sejam: naquilo que alude à responsabilidade do empreendedor de notificar a Defesa Civil estadual, municipal e nacional em caso de situação de emergência (art. 11, IX); e, quando iniciada a situação de emergência, ao prevê que o coordenador do PAEBM, após declarada a situação de emergência, deverá comunicar e estar à disposição da Defesa Civil estadual, municipal e nacional (ar. 16,§2º), além de constar no PAEBM o planejamento das atividades a serem implementadas de ação de emergência, para orientar a Defesa Civil estadual, municipal e nacional (art. 18).
Portanto, está claro que o marco regulatório da PNSB, ignora a importância da participação da Defesa Civil atuando na prevenção, bem como as recomendações do Marco de Ação de Hyogo (2005-2015), que direcionou a instituição da Política Nacional de Defesa Civil. Menciona-se que recentemente, após a Terceira Conferência Mundial para Redução de Desastres (Sendai/JP), foi adotado o Marco de Ação de Sendai (2015-2030), que reafirma as recomendações para a prevenção aos riscos de desastres e o aumento da resiliência, e com isso, reforçando a importância da Defesa Civil no processo de prevenção aos desastres.
Diante destas análises, é possível concluir que pode ter havido falhas (para não dizer negligência) dos principais órgãos responsáveis pela fiscalização das barragens, além de ocorrer controvérsias entre eles, quanto a avaliação do potencial de dano e risco, bem como o descaso do Estado brasileiro com os órgãos internacionais, quanto à questão da prevenção de desastres no Brasil.
Também se observa que, em relação ao desastre do Distrito de Bento Rodrigues, na cidade de Mariana/MG, os Poderes Públicos Federal e Estadual, estão se esquivando das suas responsabilidades, não expondo de maneira clara e transparente o que foi efetivamente realizado quanto as suas fiscalizações. No máximo, há um relatório de 2014, publicado pela ANA, sobre a questão da segurança das barragens no Brasil, que deveria ter sido apreciado pelo Congresso Nacional. Conforme consta nesse relatório (ainda não publicado oficialmente), em relação aos riscos somente 15% das barragens foram classificadas e cadastradas, o que significa um número muito baixo, tendo em conta que há no Brasil 14.966 barragens cadastradas (até setembro/2014).
Por outro lado, o Governo Federal, editou o Decreto nº 8.572, de 13 de novembro de 2015, no qual altera o art. 2º do Decreto nº 5.113, de 22 de junho de 2004, incluindo entre os desastres naturais, os casos decorrentes do rompimento ou colapso de barragens que ocasione movimento de massa, com danos a unidades residenciais. A justificativa da edição do decreto, é para que a população atingida possa sacar o FGTS. Entretanto, em se tratando de governos e empreendedores de altos investimentos no Brasil, pode ser visto como uma medida para minimizar (ou quem sabe até excluir) as responsabilidades da União, do Estado de Minas Gerais e da Empresa de Mineração Samarco.
Nesse caso específico, bastaria que fosse realizada uma interpretação extensiva do art. 7º, § 3º, da Instrução Normativa nº 1 de 24 de agosto de 2012, emitida pelo Ministério da Integração, que conceitua os desastres tecnológicos ou industriais, como aqueles originados, entre outras condições, de falhas na infraestrutura ou atividades humanas específicas, que podem implicar em perdas humanas ou outros impactos à saúde, danos ao meio ambiente, à propriedade, interrupção dos serviços e distúrbios sociais e econômicos. O Anexo I – CLASSIFICAÇÃO E CODIFICAÇÃO BRASILEIRA DE DESASTRES (COBRADE), que acompanha a Instrução Normativa nº1, classifica o rompimento/colapso de barragens entre os desastres tecnológicos, do sub-grupo desastres relacionados a obras civis.
Portanto, a partir dessa interpretação, seria possível incluir as pessoas afetadas por esse tipo de desastre, entre aqueles previsto no art. 20, da Lei nº 8.036/1990 (FGTS), e alterar por sua vez, a redação do art. 1º, caput e §1º, e art. 2º, do Decreto nº 5.113, de 22 de junho de 2004.
Ao ler as notícias do desastre do Distrito de Bento Rodrigues, imediatamente deve ser lembrado, que há trinta e um anos atrás, ocorreu na noite de 24 de fevereiro de 1984 (sábado), no bairro de Vila São José, cidade de Cubatão/SP, um grande e incontrolável incêndio que durou até o dia seguinte. As causas – vazamento de aproximadamente 700 mil litros de gasolina em um duto de uma refinaria da Petrobrás. 93 mortos (segundo os sobreviventes foram mais de 400 mortos), e todo o bairro da Vila Socó, como era conhecido a Vila de São José, se transformou em cinzas.
Conforme foram apurados nas investigações, uma das válvulas de um dos dutos que ligavam a Refinaria Artur Bernardes (Cubatão) a um dos terminais no Porto de Santos, e que passavam por debaixo da Vila Socó, estava fechada no momento que havia sido liberado milhares de litros de gasolina que passariam pelo duto. Isso causou uma forte pressão, levando ao rompimento do duto. E, por conseguinte o vazamento de cerca de 700 mil litros de gasolina que se espalhou pelo manguezal, sobre o qual se situava a favela. Além disso, as investigações também sugeriram que havia má conservação dos dutos, construídos nos anos 40. Até hoje, o estado brasileiro não reconheceu suas responsabilidades pelo desastre e ninguém foi responsabilizado pelo ocorrido, pois o Tribunal de Justiça de São Paulo, inocentou a todos, inclusive o Presidente da Petrobrás à época dos fatos, Shigeaki Ueki, e o ex-prefeito de Cubatão José Passarelli. Por conseguinte, as indenizações pagas pela Petrobrás foram irrisórias, tal como ocorre, em geral, nesses casos de “desastres naturais”.
Apesar de haver uma distância espaço-temporal de trinta e um ano separando esses dois casos, os desastres socioambientais de grandes proporções (e mesmo aqueles ditos pequenos ou médios), seja causado pelo Estado, seja por empresas privadas, continuam se repetindo, onde um serve de avant premiere para o próximo, onde as responsabilidades continuam em uma zona nebulosa, e os afetados são rapidamente esquecidos. É apenas mais um “acaso”… , ou “infortúnio” …, ou incidente da “natureza”. Mais um caso, que convida todos a refletir sobre os projetos de desenvolvimento enquanto mecanismos de uma complexa rede de “políticas públicas”, onde a dimensão econômica acaba por prevalecer sobre as dimensões ética, social e ambiental. Muitas vezes, tais escolhas colocam em situação de risco os elementos humanos e não humanos, e que podem ser irreversíveis.
Esses desastres são tragédias previamente anunciadas, pois carregam, inerentemente, no seu arcabouço, a incerteza e o risco, o que inevitavelmente leva à necessidade de reafirmar o princípio da precaução e da prevenção, previstos na Convenção da Diversidade Biológica, na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (as quais o Brasil assinou, ratificou e promulgou) e no art.225, CF/88.
Finalmente, tem-se que refletir a importância do princípio jonasiano – ética baseada no Princípio da responsabilidade – no qual se deve repensar a relação ser e dever, considerando o estado crítico da natureza humana na modernidade, em que o sujeito se encontra perdido diante do subjetivismo de valores – para orientar estes tipos de políticas, na medida que estimula a reflexão sobre os possíveis impactos a serem evitados.
Maria Galleno de Souza Oliveira, professora universitária, doutora em Sociologia com ênfase em Desastres (FCLAR – Unesp – Campus de Araraquara/SP), mestre em Direito Público das Obrigações (Unesp – Campus de Franca/SP), doutorado incompleto em Direito do Estado (Faculdade de Direito da USP-SP). Especialista em Ciência Política (Universidad de Salamanca/Es). Consultora em gestão ambiental e de risco de desastre. Rede de Pesquisadores em Redução de Risco de Desastres.
in EcoDebate, 03/12/2015
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Excelente o artigo, levando à reflexão da responsabilidade solidária. Onde estavam os órgãos fiscalizadores que, agora, se esquivam das responsabilidades e ajudam a incriminar unicamente a empresa? Todos são culpados, sim, pela omissão.
Ao invés de ficar aplicando multas, a torto e a direito, os governos deveriam, com o dinheiro das empresas, a tomar providências urgentes para reassentar as pessoas e devolver-lhes os pertences. É o mínimo.
Já se passou um m~es e nada foi feito… Vai precisar de quanto tempo para achar as causas e se tomar as providências???