O rompimento da barragem da Samarco. O desafio de revegetar a área
“Definir o que seja um ‘risco aceitável’ talvez seja o principal dilema que temos para tratar de uma questão como esta que ocorreu em Mariana, particularmente quando há perda de vidas”, diz o engenheiro agrônomo.
Foto: Agência Brasil
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Apesar de não ser tóxica, a lama oriunda do rompimento da barragem da empresa Samarco, mineradora responsável pela barragem de Fundão que rompeu na tarde da última quinta (05-11-2015) em Mariana, MG, poderá gerar outros problemas ambientais após a secagem, como “dificultar a penetração de água e a germinação de sementes. Estes são importantes aspectos que dificultam a revegetação da área”, explica Luiz Roberto Guimarães Guilherme na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line.
De acordo com Guimarães Guilherme, especialista em solos e nutrição, após a retirada da lama da região será necessário estabelecer uma “estratégia de revegetação”, a qual precisará de um “acompanhamento/monitoramento”. Segundo ele, apesar das dificuldades, não é impossível recuperar a área afetada, inclusive preparando-a para o desenvolvimento da agricultura, mas para isso será necessário “priorizar estratégias que visem, inicialmente, aumentar o teor de matéria orgânica nas áreas afetadas. Isso não é fácil, porém não é impossível. Como estes materiais são inertes (não possuem quase nada de nutrientes), há que se pensar também em diferentes estratégias para aportar nutrientes essenciais para o processo de revegetação, combinando, com isso, o uso de plantas leguminosas, que podem fixar nitrogênio atmosférico”, frisa.
Luiz Roberto Guimarães Guilherme é engenheiro agrônomo e mestre em Solos e Nutrição de Plantas pela Escola Superior de Agricultura de Lavras, doutor em Ciência do Solo pela Universidade Estadual de Michigan (Michigan State University) e em Toxicologia Ambiental pelo Instituto de Toxicologia Ambiental (hoje Michigan State University’s Center for Integrative Toxicology), Estados Unidos. Atualmente é professor da Escola Superior de Agricultura de Lavras e da Universidade Federal de Lavras.
Confira a entrevista.
Foto: www.uoguelph.ca
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IHU On-Line – Quais são as características da lama oriunda da barragem? Já é possível saber se há elementos químicos presentes nessa lama?
Luiz Roberto Guimarães Guilherme – Estas lamas se constituem basicamente dos minerais hematita, goethita e quartzo. Os dois primeiros são óxidos de ferro que ocorrem comumente em solos, na fração argila. O quartzo é um importante componente das areias, que são as frações mais grosseiras dos solos. Não encontramos, em trabalhos que realizamos com lamas de mineração de ferro, nenhum problema de contaminação commetais pesados. Portanto, não há possibilidade de contaminação propriamente dita, pois não há elementos tóxicos na lama.
IHU On-Line – De que modo a lama pode impermeabilizar o solo? Quais os impactos da impermeabilização?
Luiz Roberto Guimarães Guilherme – A lama, após a secagem, fica com um aspecto “endurecido”, formando uma carapaça sobre o solo, o que dificulta a penetração de água e a germinação de sementes, por exemplo. Estes são importantes aspectos que dificultam a revegetação da área.
IHU On-Line – Essa lama pode gerar outros impactos ambientais? Quais?
Luiz Roberto Guimarães Guilherme – Pelo fato de poder se espalhar por uma extensa área, creio que inúmeros rios, nascentes e áreas vegetadas poderão ser cobertas por este material, o que se configura como um impacto ambiental negativo. A extensão deste impacto será tão maior quanto maior for a área pela qual a lama poderá se espalhar.
IHU On-Line – Qual é a expectativa de recuperar ambientalmente a área que foi atingida pela lama?
Luiz Roberto Guimarães Guilherme – Esta pergunta é muito difícil de ser respondida, pois necessita uma visita “in loco” para avaliar a extensão e a intensidade do soterramento causado pelo material da barragem. Além disso, após o estabelecimento de uma estratégia de revegetação, também será necessário um acompanhamento/monitoramento da área afetada para avaliarmos o sucesso das diferentes estratégias a serem propostas.
IHU On-Line – Se a área for recuperada, será possível desenvolver agricultura na região?
Luiz Roberto Guimarães Guilherme – Sim. Para isso, há que se priorizar estratégias que visem, inicialmente, aumentar o teor de matéria orgânica nas áreas afetadas. Isso não é fácil, porém não é impossível. Como estes materiais são inertes (não possuem quase nada de nutrientes), há que se pensar também em diferentes estratégias para aportarnutrientes essenciais para o processo de revegetação, combinando, com isso, o uso de plantas leguminosas, que podem fixar nitrogênio atmosférico. Isso tudo, porém, deverá ser pensado dentro de um programa que vise identificar, também, quais seriam as principais limitações de caráter físico para o estabelecimento inicial de vegetação nestas áreas, já que isso deve ser um dos fatores críticos para o desenvolvimento das plantas.
“A extensão deste impacto será tão maior quanto maior for a área pela qual a lama poderá se espalhar” |
Esta lama, ao secar, não terá características de estrutura que sejam ideais, como se espera de um solo a ser cultivado. Resolver também este problema será um grande desafio para o pessoal especializado em física e conservação do solo. Minha área de atuação é a química e fertilidade do solo, além da toxicologia ambiental. Assim, deixo esta questão para os especialistas da área!
IHU On-Line – É possível conciliar a mineração com o meio ambiente?
Luiz Roberto Guimarães Guilherme – Sim. Temos diversos exemplos bem sucedidos no Brasil e no exterior neste sentido. Como toda atividade, ela também tem seus riscos, os quais temos que saber avaliar para decidirmos se aceitamos ou não, em função dos benefícios que iremos auferir, como pessoas, cidades, estado ou país.
As atividades de mineração foram, são e sempre serão fundamentais para o desenvolvimento da sociedade. Isso é inegável. Os benefícios econômicos e sociais deste tipo de atividade para um estado como o de Minas Gerais são inúmeros. Obviamente, há riscos ambientais que podem e devem ser controlados para que possamos usufruir dos benefícios, correndo riscos mínimos, ou “riscos aceitáveis”, do ponto de vista da nossa sobrevivência como sociedade. Definir o que seja um “risco aceitável” talvez seja o principal dilema que temos para tratar de uma questão como esta que ocorreu em Mariana, particularmente quando há perda de vidas. Na verdade, isso é uma questão fundamental não só neste caso, mas também em vários outros.
Desejo finalizar esta entrevista com um exemplo neste sentido: temos, ainda hoje, uma sociedade com condições precárias de saneamento básico no Brasil. Neste sentido, estamos na “Era Medieval”. Isso certamente é uma condição que causa inúmeras mortes (particularmente de crianças) que poderiam ser facilmente controladas. Os países com políticas adequadas neste sentido – saneamento básico – sabem muito bem disso. Porém, nosso país ainda não conseguiu cumprir este requisito básico de condição de vida adequada em sociedade. É óbvio que isso não deve ser usado como argumento para desviar o foco desse acidente que ocorreu em Mariana. Entretanto, se não começarmos a cobrar dos nossos governantes que questões tão simples como saneamento básico sejam resolvidas o quanto antes no Brasil, não atingiremos a maturidade para começarmos a tratar de questões mais complexas como esta de “conciliar mineração e meio ambiente“.
Por Patricia Fachin
(EcoDebate, 13/11/2015) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
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Definir o que é risco aceitável? É fácil dizer o que não é.
Não é risco aceitável uma empresa ser notificada em 2013 de que as suas barragens apresentam risco de ruptura, não fazer nada para consertá-las, ao contrário, aumentar o risco aumentando o aporte de rejeitos no depósito barrado. Quando dois anos depois essa barragem, sem se poder colocar culpa no tempo (não estava chovendo), nem em terremotos (a atividade sísmica não era suficiente para ter causado a ruptura de uma barragem. E por que estamos discutindo isso aqui no BRASIL mesmo?!!!) rompe, isso NÃO é um risco aceitável, muito menos um acidente. Isso é uma tragédia anunciada, pela qual os diretores da empresa envolvida que decidiram não reforçar as barragens deveriam responder criminalmente, e pela recuperação da qual (ambiental e social) as empresas (a Samarco e suas controladoras, a Vale e a BHP) deveriam pagar integralmente.
De fato, Mariana!
Definir o que é um risco aceitável diante da postura política que o atual Governo adotou nos últimos 13 anos( querendo ou não um número kabalístico e do Governo) para com o meio ambiente, continuará sendo traduzido em tragédias sem precedentes!
Eu gostaria que o entrevistado explicasse: por que esse “material inerte” matou tantos dos peixes por onde passou? Em muitas notícias que li sobre essa tragédia afirmou-se que essa lama contém metais pesados. Se não contém, o que matou os peixes? É preciso esclarecer…