Concessão Satânica, artigo de Efraim Rodrigues
[EcoDebate] Há filmes aos quais retornamos sempre. Lá pelos anos 80 assisti Coração Satânico de Alan Parker. Prenhe de idéias, o filme mostra também como o caminho para o inferno é feito de pequenas concessões.
Nesta semana tive o lisonjeiro prazer de ser convidado para carregar a Tocha Olímpica. O trabalho de mais de uma década ajudando escolas a compostar seu lixo orgânico foi reconhecido pela Prefeitura, e este gesto tem grande significado, já que gestões anteriores restringiram o trabalho por miopia política.
No entanto, recusei o convite para não fazer uma concessão.
Já faz alguns meses que uma grande marca vendedora de água com açúcar, gás carbônico e ácido fosfórico vem se posicionando ao lado das Olimpíadas, que assim deixa de ser algo em favor da saúde e de transcender limites humanos, para ser vitrine de um produto prejudicial à saúde. Ao carregar esta tocha, eu estaria na verdade anunciando refrigerante.
Há alguns anos, uma grande empresa produtora de tabaco quis também fazer uma matéria em sua revista, e também recusei. Há um limite para a importância da visibilidade para as ações ambientais, assim como o modo pelo qual estas ações geram recursos financeiros.
Há o caso de uma área no Texas onde a ONG Nature Conservancy fez um longo trabalho para evitar a extinção da Galinha-das-Pradarias-de-Atwater, ameaçada pela perfuração de poços em sua única área de ocorrência. Após muito trabalho, conseguiram que a área afinal fosse doada a eles. Eis que a ONG está ela mesma produzindo petróleo na área, e a tal galinha está agora ainda mais próxima da extinção.
O dinheiro produzido está sendo bem usado em outros locais? É provável, mas o dano de uma concessão destas é certamente muitas vezes maior.
Outro recado do mesmo filme é a atenção com a arrogância, este problema de saúde ocupacional de professores. Portanto, faço esta recusa sem criticar a Prefeitura ou nenhum participante das Olimpíadas, já que eu mesmo carrego um grande fardo de concessões, como andar de carro, viajar de avião e tantas outras que não parece haver meio de livrar-me.
Efraim Rodrigues, Ph.D. (efraim@efraim.com.br), Colunista da EcoDebate, é Doutor pela Universidade de Harvard, Professor Associado de Recursos Naturais da Universidade Estadual de Londrina, consultor do programa FODEPAL da FAO-ONU, JICA e Vale, autor dos livros Biologia da Conservação e Histórias Impublicáveis sobre trabalhos acadêmicos e seus autores e Ecologia da Restauração, finalista do 56º Prêmio Jabuti 2014. Nos fins de semana ajuda escolas do Vale do Paraíba-SP, Brasília-DF, Curitiba e Londrina-PR a transformar lixo de cozinha em adubo orgânico.
in EcoDebate, 04/11/2015
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Parabéns, Efraim.
Não são muitos os que recusariam uma honra dessas e por motivos tão nobres.
Pelé recusou um contrato milionário para dar nome a um determinado cigarro e jamais aceitou participar de propaganda de bebidas alcoólicas.
Você está em muito boa companhia.
Continue assim.
Parabéns.