Brasil reúne condições para sair de uma matriz elétrica cara, poluente e com impactos desastrosos
Em seminário na Câmara dos Deputados, organizações da sociedade e parlamentares apontam alternativas para o país adotar de forma acelerada fontes renováveis e sustentáveis de energia
Não falta dinheiro para investimentos, conhecimento técnico, nem condições materiais para que o Brasil comece sair de uma matriz energética baseada em grandes usinas hidrelétricas, causadoras de grandes impactos sociais e ambientais, e em fontes térmicas que queimam combustíveis fósseis caros e poluentes. Não falta sequer a premência ética de alterar o padrão de produção de energia, que, a pretexto de atender a necessidade de milhões de pessoas urbanizadas, esbulha o direito de poucos milhares de outras que vivem na área de influência de rios barrados para construção de usinas hidrelétricas, especialmente na Amazônia. O que falta é vontade política dos agentes governamentais e do setor privado para colocar alternativas de menor impacto – como energia solar e eólica descentralizadas, imediatamente, em andamento.
Essas são algumas das principais questões debatidas durante o seminário “O Setor Elétrico Brasileiro e a Sustentabilidade no Século 21: Oportunidades e Desafios”, realizado na Câmara dos Deputados na quarta (21) por iniciativa da Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil e do Grupo de Trabalho sobre Infraestrutura, coordenado pela Articulação Regional Amazônica (ARA), integrado por diversas organizações da sociedade. Também colaboraram na organização do evento, que reuniu cerca de 120 pessoas, a Frente Parlamentar Ambientalista, a SOS Mata Atlântica e a Comissão de Legislação Participativa da Câmara.
Em duas mesas de debate, revezaram-se na análise da matriz elétrica brasileira e suas alternativas sustentáveis pesquisadores, representantes de organizações da sociedade civil e de empresas do setor, senadores e deputados federais, para debater alternativas de expansão do sistema elétrico brasileiro, hoje predominantemente hidroelétrico e baseado no consumo de combustíveis fósseis, para opções ecologicamente mais sustentáveis, socialmente mais justas e economicamente mais inteligentes, como a energia solar fotovoltaica e a eólica.
“Antes de se discutir a matriz energética, precisamos debater a matriz ética”, alertou o antropólogo e sócio fundador do Instituto Socioambiental (ISA), Márcio Santilli. “Por que, para garantir o meu direito de ter o provimento de energia na minha casa na cidade, é necessário inundar a casa de quem vive perto dos rios da Amazônia? Construir usinas superestimadas em potencial e superfaturadas no orçamento? Esse é um modelo corrupto e falido que está trazendo consequências muito negativas ao país”, questionou Santilli.
“A política energética no Brasil é desconectada de uma política de desenvolvimento, de uma política industrial e de desenvolvimento socioambiental. Os PDE estão desconectados dos leilões de energia e, consequentemente, do que realmente é contratado e, posteriormente, instalado””, criticou a advogada Kamyla Borges Cunha, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), chamando a atenção para o fato de que estão planejadas para serem construídas na região amazônica dezenas de grandes hidrelétricas, com previsão de grandes impactos. “Quando na realidade a prioridade de investimento deve ser nas fontes renováveis, que induzem ao desenvolvimento tecnológico, empregos de qualidade, renda, inovação e apresentam pouquíssimas emissões no ciclo de vida”, analisa a advogada.
Com ela concorda André Nahur, coordenador de mudanças climáticas e energia na organização WWF-Brasil. “O Brasil gastou nos últimos anos, em custos diretos, R$ 34 bilhões com usinas térmicas emergenciais, mas despreza o enorme potencial solar e eólico que possui. Segundo estudos de planejamento energético, instalando painéis solares em apenas 0,03% do território brasileiro, em áreas de insolação média, atenderíamos à toda nossa atual demanda”, afirma, chamando atenção para a necessidade de fazer aquilo que ele chama de “transição acelerada para a energia solar”.
“Se incentivarmos o uso da energia solar com o que usamos com as térmicas emergenciais, em apenas cinco anos teremos a mesma geração em termos de uso da energia solar. Se considerarmos que os sistemas de energia solar têm durabilidade de 25 anos, a longo prazo a energia solar será muito mais barata que as outras fontes”, completa, lembrando que um passo importante nesse sentido é o Brasil adotar, a exemplo do que já fizeram outros países, marcos legais diferenciados para o setor de fontes renováveis.
“Precisamos fazer imediatamente essa transição no Brasil, porque nos Estados Unidos, por exemplo, ela já ocorre e de forma intensa”, alertou Kamyla, do IEMA. “Lá, cerca de 170 mil pessoas trabalham na cadeia de produção da energia solar. Esse é um número maior do que o de trabalhadores da indústria de carvão naquele país”, diz, lembrando que, no Brasil, outro grande problema para o desenvolvimento do setor solar são os instrumentos financeiros de suporte. “Os do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por exemplo, são ocasionais. Necessitamos de uma visão de longo prazo e não de um PDE que muda a cada ano”.
“As fontes sustentáveis geram mais empregos, de melhor qualidade, melhor remunerados e que ainda estimulam a inovação tecnológica”, adicionou Rodrigo Sauaia, da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), que reúne perto de 100 empresas e profissionais do setor. “Cada MW gerado produz 30 empregos desse tipo”, estima, fazendo ainda a comparação com a opção solar que a Alemanha e o Brasil fazem. “Lá, o país de maior capacidade instalada, eles geram perto de 40GW. Aqui, o mesmo sistema geraria o dobro, devido à intensa insolação do território brasileiro”, afirma. O Brasil tem apenas de 42 MW de capacidade fotovoltaica, segundo dados da ANEEL de outubro de 2015. Isso representa uma pífia participação na matriz elétrica brasileira, apenas 0,014%.
Sauaia chamou atenção para a queda expressiva dos custos da energia solar, nos leilões de compra de energia organizados anualmente pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). “Em 2013, cada MW contratado nos leilões saiu a 110 dólares. Em 2014 caiu para 88 dólares e no leilão e agosto passado ficou em 85 dólares. No leilão de novembro próximo esses valores deverão cair ainda mais”.
O uso de fontes de energia sustentáveis foi também defendido com veemência pelo deputado federal Pedro Uczai (PT-SC), que ao mesmo tempo defendeu o fortalecimento da indústria brasileira. “Há no mundo, por exemplo, poucas empresas produtoras de equipamento para geração eólica. Não podemos simplesmente permitir que elas venham para o Brasil e monopolizem o mercado”, alerta. Disse ainda que em seu estado esteve envolvido na resistência à construção de grandes barragens e atua em aliança com o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).
Outro parlamentar, o senador Hélio José (PSD-DF), também defendeu maiores investimentos em energia solar e lembrou que a existência de várias frentes na Câmara dos Deputados e no Senado Federal que de alguma forma lidam com o tema das energias renováveis precisam convergir para terem mais força política para propor ao Executivo políticas energéticas mais sustentáveis e, igualmente, enfrentarem o lobby contrário de grandes agentes econômicos das áreas de hidrelétricas, de combustíveis fósseis e até nuclear.
No sentido dessa convergência, Sérgio Guimarães, coordenador do Grupo de Trabalho sobre Infraestrutura, um dos organizadores do evento, propôs e ficou acordado um conjunto de reuniões com diversos parlamentares e a participação deles em um seminário técnico sobre energia solar que será realizado em novembro em conjunto com o MME. Também foi lembrada a importância de convidar os secretários estaduais de Fazenda, a participarem dessa articulação, devido ao peso que as questões fiscais têm quando se trata de viabilidade das fontes renováveis.
Essa reunião com técnicos do governo e pesquisadores de organizações da sociedade, incluindo alguns parlamentares, foi um dos principais encaminhamentos do seminário. De acordo com Joilson Costa, da coordenação da Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil, “o evento também apontou que é necessário unificar os esforços das várias frentes parlamentares que discutem as energias renováveis, a eficiência energética e a geração distribuída, para potencializar a celeridade de tramitação das propostas de lei nessas áreas”, observou Costa.
Entre as propostas elencadas por Costa, a partir das intervenções realizadas nas duas mesas da manhã desta quarta, incluem-se ainda revisitar os vários projetos de lei em tramitação na Câmara e no Senado, estudar a possibilidades de acrescentar incentivos ainda não contemplados e buscar criar um marco regulatório mais amplo para o setor. Também foi sugerida a proposição de uma lei que institua a instalação compulsória de painéis fotovoltaicos em novas unidades de programas habitacionais do governo federal, bem como a destinação de parte das emendas parlamentares para a realização de projetos nas áreas de energias renováveis, eficiência energética e geração distribuída no país.
Colaboração de Helson França, in EcoDebate, 27/10/2015
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