Terras indígenas protegem 30% do carbono da Amazônia
Segundo relatório do Ipam, territórios demarcados evitam emissões de 431 milhões de toneladas de gás carbônico entre 2006 e 2020; povos indígenas têm alta vulnerabilidade a mudanças do clima
O relatório estima que as comunidades indígenas na Amazônia terão sido responsáveis por evitar a emissão de 431 milhões de toneladas de CO2 desde 2006 até 2020, graças à proteção dos estoques de carbono em suas terras. Se fosse aplicado o mesmo valor monetário por tonelada de CO2 destinado ao Fundo Amazônia por compensação por redução do desmatamento, a contrapartida pela preservação nessas terras seria equivalente a quase R$ 7,5 bilhões, ou cerca de R$ 500 milhões por ano.
Isso equivale a quase metade do orçamento do Ministério do Meio Ambiente em 2015, excluindo salários e pagamento de aposentados, segundo dados do portal Siga Brasil.
O estudo também alerta para a urgência em lidar com a vulnerabilidade dos povos indígenas às consequências do desmatamento e efeitos da mudança climática global. “Os povos indígenas são os que mais sofrem os efeitos de mudanças no regime de chuvas e aumento das temperaturas, e também são os que menos têm condições de enfrentar essas mudanças”, diz Paulo Moutinho, pesquisador do IPAM.
“Além disso, são os povos indígenas os que mais preservam a vegetação”, conclui Moutinho, afirmando que a preservação de territórios indígenas é uma política de mitigação de mudanças climáticas e de adaptação ao mesmo tempo. Segundo o relatório, a taxa de desmatamento em terras indígenas é inferior a 2%, enquanto as áreas em volta apresentam índices que vão de 25% a 30%.
Além do papel de estocar de carbono e das baixas taxas de desmatamento, as terras indígenas têm um efeito inibidor do desmatamento também em seu entorno. Segundo o relatório, a área preservada chega a ultrapassar 10 km das fronteiras dos territórios, influenciando positivamente também na conservação da biodiversidade regional e na produção de alimentos. “As florestas mantidas pelos índios funcionam como ar-condicionado natural e como regadores da região onde estão”, diz Moutinho.
As principais recomendações dos pesquisadores são a elaboração de um plano indígena de adaptação às mudanças climáticas, agregado ao Plano Nacional de Adaptação, e a implementação urgente da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), de incentivo a iniciativas sustentáveis desenvolvidas em conjunto por povos indígenas, Estado e organizações parceiras. Os pesquisadores também recomendam a articulação entre políticas direcionadas a povos indígenas e a futura Estratégia Nacional de REDD (Redução de Emissões por Desmatamento), que o governo promete elaborar há quatro anos.
Impactos
De acordo com o estudo, entre 2000 e 2012, aproximadamente 58% das 385 terras indígenas na Amazônia foram negativamente afetadas por secas anormais. Em 2012, membros de mais de 40 tribos da Amazônia relataram aumentos incomuns na temperatura média nas suas aldeias, inundações e incêndios florestais em seus territórios. A safra foi prejudicada, levando a aumento do consumo de alimentos processados, problemas de saúde e migração para áreas urbanas.
Além da produção de alimentos, a mudança no regime de chuvas também interfere nas tradições das comunidades indígenas. “Os rituais de chegada da chuva, por exemplo, estão sendo afetados”, relata Moutinho. As cerimônias dependem do fornecimento de plantas e animais que estão passando por mudanças em seus ciclos biológicos.
O estudo alerta para a possibilidade de piora nesse cenário, com a mudança climática global e devido ao fato de que as florestas estão mais inflamáveis. “A seca e os incêndios não prejudicam só os indígenas, mas todos os produtores de alimentos e criadores de animais da região”, alerta Moutinho.
Nesta semana, o Ipam também publicou um estudo projetando que a PEC-215, a proposta de emenda constitucional que visa retirar do Executivo o poder de demarcar terras indígenas, pode provocar a emissão de 100 milhões de toneladas de CO2.
in EcoDebate, 22/09/2015
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