O cenário por trás do colégio Marista de Natal, artigo de Carlos Augusto de Medeiros Filho
[EcoDebate] Recebi, em um correio, imagens do colégio Marista de Natal em dois tempos. Um primeiro supostamente datado de 1980 (talvez seja um pouco mais antigo) e outro de 2010.
É exemplar observar o cenário por trás do Colégio e constatar às profundas diferenças ocorridas na cidade nesse intervalo de tempo relativamente curto. Creio ser um registro ilustrativo de parte da expansão urbana de Natal e como ela afetou a paisagem e o meio físico. Esse par de fotografias poderia servir de ilustração de textos de artigos científicos que reli, aproveitando o exemplo.
O geólogo Álvaro Santos (2015) comenta que as cidades constituem a mais radical intervenção modificadora do homem no meio físico natural, compondo um novo e particular ambiente, total e inexoravelmente diverso do ambiente natural então imperante no território virgem. Nessa condição abrigam hoje como moradores e usuários perto de 80% da população mundial. Essa grande intervenção antrópica impõe um conjunto de severas solicitações ao meio físico geológico: eliminação da vegetação natural, desequilíbrios geotécnicos impostos por escavações, cortes, aterros e obras subterrâneas, sobrecargas por aterramentos e fundações concentradas e difusas, impermeabilização com aumento do escoamento superficial e redução da infiltração de águas pluviais, completa subversão do sistema drenagem superficial, exposição de solos à erosão, disposição de resíduos inertes, não inertes e perigosos, lançamento de efluentes industriais tóxicos, alterações climáticas locais, etc. Por outro lado, requer desse mesmo meio físico geológico uma série de insumos: disponibilidade de áreas para crescimento urbano, agregados para construção civil – areia, argila, brita, materiais para aterramentos, água superficial e subterrânea, terras para produção agrícola horti-fruti, áreas para lazer e funções ambientais, áreas próprias para disposição de resíduos e locação de cemitérios, áreas especiais para instalação de aeroportos, portos, distritos industriais, etc.
Sousa (2012) alerta que o maior inimigo da drenagem urbana é a impermeabilização dos solos. Explica que quanto mais o solo é coberto por pavimentos (asfalto, concreto, etc), menos água consegue se infiltrar no solo, e que quanto menos água se infiltra no solo, mais água existe escorrendo pela superfície (ruas, sarjetas, rios, etc) e, consequentemente, maior a chance de alagamentos.
Braga (2003) registra que o processo de urbanização e as alterações decorrentes do uso do solo, como a retirada da vegetação (que desprotege os corpos d’água e diminui a evapotranspiração e a infiltração da água) e a impermeabilização do solo (que impede a infiltração das águas pluviais), causam um dos impactos humanos mais significativos no ciclo hidrológico, principalmente sobre os processos de infiltração, armazenagem nos corpos d’água e fluxo fluvial.
Para se aquilatar a dimensão da questão da impermeabilização, Santos (2014) exemplifica que o Coeficiente de Escoamento Superficial – índice que mostra a relação entre o volume das águas que escoam superficialmente sem infiltrar no terreno e o volume total de uma chuva – na cidade de São Paulo está em torno de 80%; ou seja, 80% do volume de uma chuva que cai na capital paulista escoa superficialmente comprometendo rapidamente seu sistema de drenagem. Em uma floresta, ou um bosque florestado urbano, acontece exatamente o contrário durante um temporal, o Coeficiente de Escoamento Superficial fica em torno de 20%, ou seja, cerca de 80% do volume das chuvas é retido pela floresta, alimentando em boa parte, por infiltração, o lençol freático. Santos (2014) conclui que as enchentes urbanas não acontecem por um eventual excesso de chuvas, mas pela absurda compulsão com que as cidades procuram livrar-se de suas águas pluviais o mais rápido que possam.
Particularmente fiquei impressionado com o contraste (terrível contraste) entre a foto de uma cidade com muito verde para outra cimentada, impermeabilizada e quase sem horizontes. Retransmito, finalmente, o comentário de meu grande amigo Getúlio Vargas ao receber as fotos e minhas observações: “É verdade, Cacá. Nossa Natal era uma mediana cidade do interior. Hoje é uma metrópole no seu pior sentido”.
Referências Bibliográficas
Barbosa, C.M.S.; Mattos, A. 2008. Conceitos e Diretrizes para Recarga Artificial de Aquíferos. XV Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas.
Santos, A.R. 2014. Enchentes: taxa de permeabilidade ou cota de acumulação/infiltração por lote?. EcoDebate, 02/05/2014.
Santos, A.R. 2015. Cidades e Geologia. cacamedeirosfilho.blogspot.
Sousa, M.M. 2012. Trincheiras de Infiltração. http://aquafluxus.com.br/?p=2381.
Carlos Augusto de Medeiros Filho, geoquímico, graduado na faculdade de geologia da UFRN e com mestrado na UFPA. Trabalha há mais de 30 anos em Pesquisa Mineral.
in EcoDebate, 04/09/2015
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