O Príncipe, os Sábios e os Loucos, artigo de Daniel Clemente
[EcoDebate] Paris, “maio” de 1968, estudantes universitários e secundaristas erguem barricadas pelas largas e belas avenidas, isolam a cidade do governo central, expulsam os velhos burocratas, em plena disputa ideológica mundial entre capitalismo e socialismo anunciam o nascedouro de uma terceira via, aquecendo a Guerra Fria sob o lema “sejamos realistas, peçamos o impossível”. Para neutralizar futuras, possíveis e previsíveis traições ao movimento revolucionário, decretam: “não confiem em ninguém com mais de trinta anos”.
As possibilidades de enxergar além do horizonte sempre estiveram aos olhos dos jovens, onde a conformidade ao mundo que se impõe diante de sua face ainda não foi digerido, causa mal-estar sufocante, é necessário fazer uma mudança de rota, de acordo com vontades e desejos estimulados por seus sentimentos mais nobres. Ernesto Che Guevara, durante décadas ícone das juventudes rebeldes, que substituíram livros e canetas por armas, pronunciava: “Deixe-me dizer-lhe, correndo o risco de parecer ridículo, que o verdadeiro revolucionário é guiado por grandes sentimentos de amor”.
Antes loucos, hoje sábios, as gerações que envelhecem trocam a loucura do amor pela razão. Entende-se razão como compreensão do ser em harmonia com o que lhe é previamente oferecido socialmente, isto é, basta adaptar-se a realidade imposta para obter uma vida sadia. Séculos atrás, mais precisamente no ano de 1511, Erasmo de Roterdã em sua principal obra “Elogio da Loucura” dizia: “ser sábio é tomar a razão como guia e ser louco é deixar-se levar ao sabor das paixões”
Os loucos de ontem que se tornaram os sábios de hoje querem matar O Pequeno Príncipe, acusando-o de pertencer a uma geração doentia. A obra de Antoine de Saint-Exupéry continua a mesma desde 1943, portanto, o que mudou não foi o conteúdo e sim o olhar do leitor, o sábio de hoje entra em contradição com o louco de ontem. A razão dos sábios julga que O Pequeno Príncipe cultivava sua rosa como os religiosos cultuam seus ídolos, digna de admiração, preenchendo a triste vidinha que levava. Oh pobre sábio, a flor nunca foi o ídolo do Pequeno Príncipe, mas a representação do seu horizonte, de sua utopia, o olhar jovem sobre o seu mundo. Faço das palavras do sociólogo Eduardo Galeano a clareza desse evento: “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”.
Sempre que lembrava da flor, O Pequeno Príncipe desejava continuar caminhando, pois as decepções obtidas em suas experiências vividas remetia-o ao mundo utópico, onde tudo é perfeito, mas não se sabia ao certo o caminho para conquistá-lo. O educador Rubem Alves em seu livro “Um Céu Numa Flor Silvestre” nos alertou que “as crianças vivem no mundo dos sentidos. Para elas, o real é aquilo que entra pelos olhos, pelos ouvidos, pelo nariz, pela boca, pela pele. Elas são seu corpo, inteiramente, entidades paradisíacas.”. O Pequeno Príncipe sempre foi uma criança, um louco, tomado por suas paixões, o julgamento dos homicidas é estimulado pela razão, pelos adultos, que reduziram o sentido da palavra amor, tornando-a insuficiente para explicar causalidades da vida, o que lhes resta é o uso da razão. “Nos deram espelhos e vimos um mundo doente”, a banda Legião Urbana cantava em versos a agonia dos tristes.
Faço de uma experiência pessoal a conclusão dessa reflexão. Sou professor, e diariamente vou de encontro com dezenas de pequenos príncipes e princesas, todos vestidos pelas loucuras e utopias, colorindo o mundo que se apresenta em preto e branco. Em uma declaração de amor, digna dos loucos, confraternizaram meu aniversário com um bolo, e sobre ele duas velas que indicavam quinze anos de idade. Será que foi uma referência a minha aparência? Claro que não, isso o espelho faz questão de gritar todos os dias que passei dos trinta, o que já me colocaria sob suspeita aos revolucionários franceses de 1968. Na verdade, os príncipes e princesas ali diziam que o professor era um louco, parecido com eles, que rejeita a razão, movido por amor.
O Pequeno Príncipe Vive!
Daniel Clemente
Professor de História e Sociologia
Colégio Adventista de Santos
in EcoDebate, 01/09/2015
[cite]
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