O trajeto e o ponto final, artigo de Daniel Clemente
[EcoDebate] O pedagogo, filósofo e poeta Rubem Alves tinha a magia de transformar palavras em prazeres, e em sua obra “Um Céu Numa Flor Silvestre” pronunciou: “A felicidade está no próprio fazer e não no que se possa ganhar de dinheiro fazendo. O artista faz, mesmo que não ganhe nada. A experiência amorosa é gratuita”. O artista se faz artista durante a execução de sua obra, é no trajeto que a felicidade nasce.
O motociclista, que entende a moto como seu brinquedo, o destino por ele escolhido como ponto de chegada é apenas uma referência, o que lhe interessa é o trajeto, onde a realização de seu ser se faz. Ao se afastar dos centros urbanos, as torres de concreto ficam para trás e o desenho oscilante das montanhas o acompanha pelas estradas infindáveis. O trajeto lhe faz motociclista, tudo o que deseja é exatamente esse instante de vida, onde tudo faz sentido. A brisa no rosto refresca, o sol ilumina, e o eventual pneu furado instiga a solidariedade entre amigos. Já o motoboy, que visualiza a moto como ferramenta de trabalho, tudo o que lhe interessa é o ponto final, o trajeto é entendido como um obstáculo intransponível a ser superado nas mais árduas das missões diárias.
Sendo assim, sua conduta é determinada pelo resultado obtido ao chegar no destino. Para superar o trajeto, isto é, o inimigo, vale tudo, passar no semáforo vermelho, subir na calçada saqueando o espaço do pedestre, quebrar retrovisor de automóvel caso seja necessário para estrangular o tempo. A buzina dita o ritmo de sua vida, desafinada, sem compasso, sem parceiro para dança…….. Tudo o que o motoboy deseja é o fim do dia, a supressão da opressão. Já o motociclista quer a prolongação dos minutos, a multiplicação das horas. Um espera a vida acabar a cada dia, outro vive diariamente.
Assim as analogias são inúmeras e reveladoras: o chef de cozinha que aprecia sua obra e o fast-food que despeja alimento em um saco, o piloto de fórmula 1 que percorre rápido e vive lentamente e o motorista do ônibus que trafega lentamente e morre rápido, o professor que sabe que não sabe tudo e o “auleiro” que sabe que os alunos não sabem nada, o aluno que faz da escola suas asas e o escolarizado que faz da escola sua gaiola, o evangelizador que reza para viver e o fanático que professa para morrer, a criança que brinca com o brinquedo manual e o adulto que assiste o brinquedo eletrônico brincar, o aventureiro que investe em emoções e o economista que investe em ações.
A vida pelo resultado pode lhe render tapas nas costas e um sonoro parabéns emitido com a boca fechada. É no trajeto da vida que se encontram os sabores e saberes, como se fosse um abraço, somente ocasionado pelo acaso, aliás, o acaso reside no trajeto e de lá não quer mudar.
Daniel Clemente
Professor de História e Sociologia
Colégio Adventista de Santos
in EcoDebate, 21/08/2015
[cite]
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