Algodão em consórcios agroecológicos traz benefícios econômicos e ambientais
Algodão, milho, feijão, gergelim, melancia, abóbora… Tudo na mesma área, sem nenhum tipo de agrotóxico ou adubo químico. O sistema de cultivo do algodão em consórcios agroecológicos está ajudando a mudar a realidade de cerca de 450 famílias da região Semiárida. A diversificação amplia a renda do produtor e reduz os riscos de doenças e pragas do algodão, o que traz ganhos ambientais e de saúde ao reduzir a aplicação de químicos na lavoura. As vantagens foram comprovadas em experimentos da Embrapa Algodão (PB) que aperfeiçoou o sistema introduzindo gergelim e novas variedades de algodão.
Além dos ganhos econômicos e ambientais, o cultivo em consórcio estabeleceu uma nova forma de negociação da pluma. O algodão, que antes era vendido a preços mínimos para atravessadores, hoje é exportado para a Europa a preços superiores aos praticados no mercado e com garantia de compra. A negociação prévia com os compradores foi a alternativa encontrada para assegurar a produção. As culturas alimentares são para o consumo familiar e o excedente é comercializado em feiras orgânicas e mercadinhos da região. O sistema vem sendo adotado nos estados da Paraíba, Ceará, Rio Grande do Norte, Piauí e Pernambuco, onde oito associações de produtores já obtiveram o Selo do Sistema Brasileiro de Conformidade Orgânica em seus produtos de origem vegetal.
Para o pesquisador da Embrapa Algodão, entomologista Fábio Aquino de Albuquerque, o ganho em produtividade do algodão em consórcio em comparação com o sistema de monocultivo “não é tão significativo, mas é superior”. A diferença maior para produtor é no preço que é pago pela pluma agroecológica, além dos ganhos extras com as outras culturas escolhidas para o cultivo em consórcio.
“Na renda do produtor, temos um impacto maior porque como ele diversifica com outras culturas e agrega valor à produção. O gergelim é uma das culturas mais importantes no consórcio porque ocupa no máximo 10% da área, mas tem uma produção muito boa (cerca de 180 kg para cada 1 kg de semente plantada), se consideramos o pouco espaço que ela ocupa no campo, e praticamente não é atacada por pragas”, calcula o pesquisador. Hoje o quilo de gergelim é vendido a R$ 8,00.
Quanto mais diversificado, melhor
O sistema de cultivo em consórcio consiste no plantio de diversas culturas, distribuídas em faixas, num mesmo local. O pesquisador Fábio Aquino recomenda que para cada cinco faixas de algodão, sejam plantadas cinco faixas de outras culturas. “Quanto mais diversificado for o consórcio melhor para o controle de pragas, pois aumenta a biodiversidade fazendo com que as pragas do algodoeiro sejam controladas pelos seus inimigos naturais, mantendo o equilíbrio do ecossistema”, orienta.
Segundo ele, não existem regras rígidas para o cultivo em consórcio. O produtor é livre para experimentar o que é mais adequado para sua realidade. “Só recomendamos que o algodão não ocupe mais de 50% da área para possibilitar a rotação de culturas no ano seguinte, sem precisar ocupar uma nova área. No local em que o produtor planta o algodão, na safra seguinte, deve plantar a outra cultura do consórcio e vice-versa para melhorar as propriedades do solo”, enfatiza.
O cultivo em faixas funciona como uma barreira que evita a dispersão das principais pragas do algodoeiro, entre elas, o bicudo, a mosca-branca e o pulgão. “O bicudo, por exemplo, é um inseto que tem uma dispersão relativamente lenta, então se o algodão está cultivado entre faixas com outras culturas, primeiro ele vai se dispersar dentro dessa faixa, para depois se dispersar em outra faixa, diferente do que ocorre quando se tem o monocultivo. Se você tem um hectare cultivado apenas com algodão, o bicudo tem campo livre para dispersar e causar danos. No caso das faixas, primeiro ele se concentra numa faixa para depois passar para outras faixas”, compara.
Conforme o entomologista, na estratégia de convivência com as pragas nos sistemas orgânicos ou agroecológicos, o agricultor ganha tempo com as faixas. “O bicudo pode até destruir uma faixa, mas enquanto ele está destruindo essa faixa, as outras estão se preservando e garantindo a produção”, diz.
Venda antecipada garante produção
O agricultor Anselmo Coelho da Silva adotou o sistema há oito anos, na propriedade de 19 hectares, no Município da Prata, região do Cariri paraibano, e calcula que teve um aumento em torno de 50% na renda familiar. Mas, antes de lançar a semente ao solo, o agricultor já sabe para quem vai vender. “O contrato fica bom porque sem comprador garantido a gente ia vender aos atravessadores e ter muito prejuízo”, conta seu Anselmo.
Além da renda extra ao final da colheita, os restos da cultura também são uma opção para alimentar os animais. “Antes a gente vendia tudo em rama (pluma junto com o caroço). Agora, o algodão é beneficiado na miniusina da associação. A gente vende só a pluma. O caroço fica para plantar no outro ano e para dar aos animais”, lembra o agricultor. “Depois da colheita, os restos de plantas que ficam no campo também são uma ração muito boa para os bodes e ovelhas, até mesmo em tempo de seca”, acrescenta.
Seu Anselmo é um dos 450 produtores distribuídos nos estados da Paraíba, Ceará, Rio Grande do Norte, Piauí e Pernambuco que cultivam o algodão em consórcios agroecológicos sob encomenda. A produção é negociada antecipadamente com empresas do chamado comércio justo de mercado orgânico, entre elas, a Organic Cotton Colours (Catalunha), Vert (França), Natural Cotton Color e Justa Trama (Brasil).
Santi Marlloquí, diretor da Organic Cotton Colours, empresa catalã que trabalha há 25 anos com algodões orgânico e colorido, diz que a ideia dos contratos antecipados é oferecer estabilidade para que agricultores cultivem os algodões coloridos e de fibra melhorada. “Temos previsão de chegar, no mínimo, a 40 toneladas de pluma, mas por causa das chuvas, a produção pode variar muito. Nunca sabemos ao certo quanto algodão em pluma vamos ter no final da safra”, afirma.
Conforme Santi, o preço fechado em contrato com os agricultores do Semiárido é de R$ 6,50 por quilo de pluma de algodão branco, R$ 7,50 por quilo de algodão da variedade BRS Rubi (marrom avermelhada) e R$ 9,10 por quilo de pluma da variedade BRS Verde.
Atualmente, o quilo de pluma do algodão convencional está sendo comercializado a R$ 4,60.
Mercado em ascensão
O diretor da Organic Cotton Colours acredita que o mercado do algodão naturalmente colorido e orgânico está em ascensão e aposta na valorização de quem produz a sua pluma para se diferenciar. “Entendemos que no futuro vai aumentar a oferta de algodão orgânico de mercados como Índia e China. Pretendemos criar um selo que seja distintivo da forma como se cultiva e em que vivem as famílias que praticam o cultivo do algodão na região. Este é um forte valor agregado de impacto social decorrente do projeto: o respeito às condições, ou seja, de que maneira e quem tem cultivado, aliado a uma melhora da qualidade das fibras. O mercado tende a ser estável e crescente nos próximos anos”, avalia.
Trabalho pioneiro
A organização dos pequenos produtores para o cultivo, beneficiamento e negociação do algodão agroecológico foi viabilizada pelo trabalho pioneiro do Centro de Pesquisa e Assessoria Esplar que, desde 1993, assessora a Associação de Desenvolvimento Educacional e Cultural de Tauá (Adec), no Ceará, e mais recentemente a Associação Agroecológica de Certificação Participativa dos Inhamuns Crateús (Acepi) e a Associação de Certificação Participação Agroecológica do Sertão Central do Ceará (Acepa), totalizando 64 produtores na última safra.
“Em função dos últimos anos de seca, a produção foi bastante reduzida. Foram encomendadas cinco toneladas para cada associação, mas o contrato é bem flexível. Os produtores se esforçam para produzir, mas não quer dizer que vão conseguir”, diz o fundador do Esplar, pesquisador Pedro Jorge Lima.
Sob a coordenação do Projeto Dom Helder Câmara (PDHC) e Ministério do Desenvolvimento Agrário, em parceria com a Embrapa Algodão, o sistema de produção do algodão agroecológico foi adaptado e expandido para os demais estados.
“Entre as melhorias que nós fizemos no sistema estão adoção da cultivar de algodão BRS Aroeira e a introdução do gergelim para atrair pragas como a mosca-branca e as formigas para elas não atacarem o algodão”, conta o pesquisador da Embrapa Algodão.
Com a entrada da Embrapa no projeto, foram estabelecidos pontos importantes para o fechamento dos contratos, tais como o comprometimento com a qualidade da fibra, a análise em HVI (instrumento que mede as características da pluma com alta precisão), que analisa as fibras dos agricultores no Laboratório de Fibras e Fios da Embrapa. “Assim o comprador tem a segurança de que ele está comprando uma fibra de 30 mm e outras especificidades que ele quer. A qualidade não é só pela cor do algodão ou porque ele é agroecológico. Tem a comprovação científica da qualidade por meio das análises. O comprador passou a ter uma segurança maior no produto que ele estava adquirindo”, relata.
Selo orgânico
Outra conquista importante para os produtores de algodão agroecológico foi o credenciamento de oito associações pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para utilizar o Selo do Sistema Brasileiro de Conformidade Orgânica em seus produtos de origem vegetal. O selo tem por objetivo ajudar o consumidor a identificar os produtos que estão de acordo com as normas técnicas da produção orgânica. As associações foram credenciadas como Organismos Participativos de Avaliação da Conformidade Orgânica (OPAC’s).
Os OPAC’s foram credenciados pelo Mapa a partir dos esforços conjuntos do PDHC, Embrapa Algodão, Esplar e das famílias agricultoras e suas associações.
O pesquisador Fábio Aquino explica que, por meio desse sistema, o agricultor não precisa contratar uma empresa certificadora. “O custo da certificação orgânica por uma empresa privada no sistema convencional é muito alto e torna-se inviável para os pequenos produtores”, afirma.
Por Edna Santos (MTb 01700/CE), Embrapa Algodão
Publicado no Portal EcoDebate, 13/05/2015
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