Áreas de risco, chegou a hora e a vez do Ministério Público, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos
Foto: Edilson Lima | Ag. A TARDE
[EcoDebate] Os recentes acontecimentos de Salvador, com 15 mortos por deslizamentos em áreas de nítido e reconhecido alto risco geológico/geotécnico, obrigam-nos a um exercício de reflexão sobre as atuais circunstâncias que envolvem esses recorrentes acontecimentos.
A partir dos trágicos acontecimentos de novembro de 2008 em Santa Catarina, quando por consequência de enchentes e deslizamentos morreram mais de 150 pessoas e 80 mil ficaram desabrigadas, episódio que foi sucedido nos períodos mais chuvosos dos anos posteriores por tragédias de similar ou maior gravidade nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Bahia e outros estados, ocorreu uma intensa mobilização do meio técnico nacional – profissionais e suas entidades – mais diretamente ligado a esses tipos de fenômenos: em especial geólogos, engenheiros geotécnicos, geógrafos, hidrólogos e técnicos de Defesa Civil.
Dessa mobilização resultou, além de um intenso e extremamente produtivo debate técnico, um envolvimento sem precedentes de órgãos públicos, em especial da órbita federal. Sob comando direto da Casa Civil, foram criados em caráter de emergência grupos-tarefa nos Ministérios das Cidades, Ciência e Tecnologia, Minas e Energia e Integração Nacional, com várias iniciativas tomadas, especialmente em caráter emergencial. Vários profissionais e várias instituições universitárias e de pesquisas foram mobilizados em apoio à concepção e implementação de decisões. Três fatos importantíssimos ilustram os avanços desse período: a criação do CEMADEN – Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, ligado ao MCT, a criação da Lei federal Nº 12.608, DE 10 DE ABRIL DE 2012, que Instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil e determinou providências importantíssimas para a gestão de riscos, e a mobilização da CPRM – Serviço Geológico do Brasil para o mapeamento de áreas de risco em centenas de cidades brasileiras.
Nos estados, com destaque a Santa Catarina, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, vários órgãos técnicos e Universidades foram mobilizados para trabalhos de mapeamentos de risco e apoio ao sistema de Defesa Civil.
Obviamente, problemas de gestão, especialmente a falta de uma clara linha de comando, prejudicam ainda um melhor desempenho de todo esse aparato, mas pode-se dizer que como resultado geral o país hoje conta com conhecimentos técnicos e científicos de primeira linha no que diz respeito aos fenômenos de ordem geológica, geotécnica e hidrológica, com um substancial número de profissionais da área pública e privada perfeitamente habilitados a atuar no setor, com farto e qualificado material bibliográfico sobre questões técnicas e gerenciais pertinentes, envolvendo manuais, relatórios, livros, artigos técnicos, etc. e, mais importante, com inúmeros levantamentos e mapeamentos já executados e disponibilizados na maioria dos municípios brasileiros mais susceptíveis aos fenômenos de risco considerados.
Entretanto, todo esse suporte colocado à disposição das autoridades públicas federais, estaduais e municipais mostra-se extremamente subutilizado, considerando as medidas práticas e efetivas que dele teriam que naturalmente decorrer nos municípios envolvidos. Por decorrência, as áreas de risco, em vez de se reduzirem, continuam se multiplicando, e as tragédias, como seria de se esperar, repetem-se e se potencializam.
De sorte que, mesmo tendo em conta a necessidade de aperfeiçoamentos na normatização, na elaboração e na transferência de seus produtos, da parte do meio técnico nacional não há muito a se acrescentar ao que já vem sendo feito. Se o problema maior alguma vez residiu nessa órbita, já não reside mais. Reside hoje na órbita das administrações públicas, ou seja, na órbita da operacionalização das determinações já produzidas pela área técnica.
Importante aqui considerar que todas as questões práticas e de campo, sejam de caráter emergencial, corretivo ou preventivo, dizem respeito à área de atuação municipal. E não poderia ser de outra maneira, pois é no município que as coisas realmente acontecem. Não há dúvida, hoje o gargalo crítico que vem impedindo que os programas de gestão de riscos geológico-geotécnicos-hidrológicos colham melhores resultados está na questão municipal. Municípios de pequeno porte demandam direto apoio estadual e federal. Porém, municípios de médio e grande teriam que ter avançado muito mais na implementação das medidas necessárias, dadas as melhores condições políticas, técnicas e financeiras de que dispõem ou às quais tem mais fácil acesso.
Há nesse cenário um indisfarçável fator de irresponsabilidade pública no exercício do poder municipal, o que sugere como pertinente e indispensável uma intervenção do Ministério Público para uma boa solução do problema. Somente por esse caminho haveremos de reduzir a possibilidade de novas e estúpidas tragédias que sistematicamente tem levado a morte e a desgraça a tantas famílias brasileiras de baixa renda que, por contingências sociais e culturais, são mais comumente levadas a ocupar áreas de risco.
Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
Geólogo formado pela Universidade de São Paulo; ex-diretor de Planejamento e Gestão do IPT; autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Cubatão” e “Diálogos Geológicos” e “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para Elaboração e Uso da Carta Geotécnica”, consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente. É Colaborador e Articulista do Portal EcoDebate.
Publicado no Portal EcoDebate, 06/05/2015
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