Número de queimadas no primeiro bimestre é o maior desde 1999
Total de focos de incêndio no Brasil foi 66% maior do que no mesmo período de 2014; parcerias entre ONGs e poder público são opções para o combate ao fogo
O Brasil registrou quase sete mil focos de incêndio nos dois primeiros meses de 2015. O número divulgado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) é o maior para o período desde 1999, quando começou o monitoramento. Dessa forma, o número de queimadas é 66% maior do que no mesmo período de 2014, quando foram registrados 4.182 incêndios.
Os estados que mais contribuíram para esse aumento foram Mato Grosso (1.502), Pará (833), Roraima (748) e Maranhão (589). De acordo com o pesquisador do programa de queimadas do Inpe, Fabiano Morelli, a atual situação é resultado da redução na quantidade de chuvas e do aumento nas temperaturas. Esse conjunto de fatores “foi o principal causador que favoreceu o aumento dos focos de incêndio, porque a vegetação já estava mais suscetível a sua propagação”. Ele destaca que qualquer atividade humana relacionada ao fogo, como a limpeza de terreno, por exemplo, pode se alastrar para uma área de terreno baldio, de um sítio vizinho, tornando-se novo foco de incêndio. Morelli afirma ainda que muitas vezes o fogo começa de forma intencional, por agricultores que querem limpar o terreno, ou renovar as pastagens, colocando em risco a vida das pessoas e animais.
Problema ambiental, social e de saúde pública
Além disso, as queimadas são grandes geradoras de gases do efeito estufa. Segundo Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, as queimadas não naturais representam um problema ecológico e social. “Elas são hoje um risco para o equilíbrio ambiental do país, mas também à saúde humana, pois a diminuição da qualidade do ar provoca doenças respiratórias. Além disso, geram problemas com infraestrutura, como a queda no fornecimento de energia elétrica, perdas em propriedades rurais e má visibilidade em rodovias” afirma.
O Cerrado – bioma que se estende por onze estados brasileiros e no qual vivem 20 milhões de pessoas – é um dos que mais sofrem com essa problemática. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Cerrado é considerado um dos hotspots mundiais de biodiversidade, pois apresenta extrema abundância de espécies endêmicas e tem sofrido grande perda de habitat. O fogo é uma das principais pressões antrópicas que o bioma sofre, ao lado do desmatamento para agropecuária e do aumento das áreas urbanas.
Mais fogo na época de chuvas
Outro fator preocupante no aumento das queimadas logo no início do ano é o fato que no verão as chuvas são mais intensas, reduzindo o impacto do fogo. Porém, ao entrar no inverno as precipitações diminuem – o que deve fazer com que a situação se agrave ainda mais. “Dessa forma, ações efetivas de conservação da biodiversidade e de educação ambiental para os proprietários de terra principalmente em área de Cerrado são fundamentais”, explica Malu Nunes.
Reserva reduziu em 95% focos de incêndio
Nesse contexto, algumas unidades de conservação têm investido com êxito em parcerias público-privadas, na geração de conhecimento para a população e em treinamentos de capacitação para funcionários e a comunidade de seus entornos. A Reserva Natural Serra do Tombador, em Cavalcante (GO), a 420 km de Brasília, tem cerca de nove mil hectares e faz limite com diversas propriedades rurais, dentro do bioma do Cerrado.
Mantida pela Fundação Grupo Boticário, a reserva é um exemplo de como o combate ao fogo torna-se mais efetivo quando é feito a partir da união de diversos setores da sociedade. Localizada próxima ao Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, teve cerca de 60% de sua área completamente queimada em 2011, por conta de um grande incêndio. “Diante desse cenário, passamos a investir fortemente em duas dimensões: especialização das estratégias de combate ao fogo e intensificação das ações de prevenção”, explica Malu Nunes, que completa: “em ambos os casos, a parceria com a comunidade do entorno e o poder público ampliaram nossos resultados”.
Em termos práticos, para o combate a possíveis focos de queimada foram construídos aceiros (retirada de vegetação rasteira em linhas para evitar a passagem do fogo durante um incêndio) e também houve a instalação de 11 caixas d’água em diversos pontos estratégicos da reserva, além de outras iniciativas. O investimento em prevenção aconteceu por meio da criação de uma brigada comunitária voluntária de combate a incêndio, em 2012.
Apesar de ter como objetivo final o combate a incêndios já estabelecidos, o treinamento dos participantes incluía noções de uso correto do fogo, seus impactos para a biodiversidade entre outros temas relacionados à educação ambiental focada na problemática do fogo. Além da capacitação, que serve como serviço de educação ambiental, os voluntários da comunidade, que integram as brigadas, recebem equipamentos básicos como bota, máscara, capacetes e até as bombas costais (utensílio utilizado para esguichar água, com capacidade de até 22 litros). Após esse investimento, verificou que houve queda de aproximadamente 95% nos focos de incêndios entre 2011 e 2014.
Sobre a Fundação Grupo Boticário: A Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza é uma organização sem fins lucrativos cuja missão é promover e realizar ações de conservação da natureza. Criada em 1990 por iniciativa do fundador de O Boticário, Miguel Krigsner, a atuação da Fundação Grupo Boticário é nacional e suas ações incluem proteção de áreas naturais, apoio a projetos de outras instituições e disseminação de conhecimento. Desde a sua criação, a Fundação Grupo Boticário já apoiou 1.397 projetos de 480 instituições em todo o Brasil. A instituição mantém duas reservas naturais, a Reserva Natural Salto Morato, na Mata Atlântica; e a Reserva Natural Serra do Tombador, no Cerrado, os dois biomas mais ameaçados do país. Outra iniciativa é um projeto pioneiro de pagamento por serviços ambientais em regiões de manancial, o Oásis. Na internet: www.fundacaogrupoboticario.org.br.
Colaboração de Maria Luiza Campos, NQM, publicada no Portal EcoDebate, 27/04/2015
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