Intensificação ecológica, agricultura para um novo mundo, artigo de Inácio de Barros
Perspectivas sugerem que uma verdadeira revolução nos processos de produção agrícola terá que acontecer. Se por um lado o modelo produtivista tem mostrado seus limites, principalmente no que diz respeito ao uso insustentável de recursos naturais e nos impactos negativos que causam ao meio ambiente, por outro estima-se que a população mundial passará de sete para nove bilhões de pessoas em 2050, aumentando a demanda por alimentos, fibras, madeiras e biocombustíveis.
Esse aumento será ainda maior do que uma progressão direta do crescimento populacional, já que uma substancial melhora na qualidade de vida das populações menos favorecidas é esperada. O que passará, inevitavelmente, por um maior uso per capita de produtos agrícolas.
A solução adotada por milênios para contornar o aumento da demanda por produtos agropecuários ? desmatamento e expansão agrícola ? simplesmente não é mais possível. Quase não há reservas de áreas agricultáveis e o desmatamento está associado a importantes mudanças que ameaçam tanto a própria agricultura (aumento de pragas, redução da polinização em consequência da diminuição de abelhas, erosão do solo, etc.) quanto a perda da biodiversidade e as mudanças climáticas.
O desafio então se apresenta de forma clara: como atender as demandas por produtos agropecuários de uma população maior e com melhor qualidade de vida, de forma sustentável, sem aumentar a superfície cultivada e com menor disponibilidade de água e de energia fóssil? Para responder a esse desafio, uma nova proposta surgiu na França no final desta primeira década do século 21 – A Intensificação Ecológica (tradução francesa) ou Intensificação Sustentável (tradução britânica) da Agricultura.
Por meio desse modelo, busca-se criar condições para que os mecanismos naturais dos ecossistemas sejam intensificados em vez de se subsidiar diretamente a produção com insumos. Isso significa, conforme o caso, eliminar ou reduzir as arações e gradagens e, dessa forma, otimizar o funcionamento do solo; usar plantas de cobertura e assim favorecer o desenvolvimento de minhocas e fixar o carbono; praticar o pousio melhorado para maximizar o período de fotossíntese, a produção de biomassa e a fixação biológica do nitrogênio ou, ainda, praticar ao máximo o combate biológico de pragas e doenças e conservar a biodiversidade. Esse modelo não exclui o uso de fertilizantes nem de pesticidas, nem descarta os organismos geneticamente modificados, mas estes são praticados de forma muito mais racional, apenas em complemento às melhores práticas agroecológicas a fim de garantir ganhos na qualidade ambiental sem comprometer a lucratividade.
A integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) é um exemplo típico de sistemas de produção agrícola fundamentado nos princípios da Intensificação Ecológica (ou Intensificação Sustentável). Na ILPF, os mecanismos naturais dos ecossistemas são canalizados em favor do sistema de produção: as diversas espécies presentes (culturas anuais, pastagens e essências florestais) possuem raízes que exploram recursos do solo em diferentes profundidades, evitando assim a competição e favorecendo a complementariedade de nicho no uso de água e nutrientes minerais. A presença de diversos extratos radiculares favorece ainda a captura de lixiviados e a remontagem de nutrientes.
Em relação à parte aérea, os diferentes níveis de dossel propiciam uma melhor captura e um uso mais eficiente da radiação solar e uma cobertura do solo que reduz as perdas de água e de solo por erosão e/ou evaporação além de reduzir a competição com plantas daninhas. A biodiversidade presente tem o potencial de promover mecanismos benéficos como simbiose (Fixação Biológica do Nitrogênio; associação micorrízica) e alelopatia que ajudam no controle de plantas invasoras, além de favorecerem a presença de inimigos naturais de pragas e oferecerem barreiras físicas e genéticas à disseminação de doenças.
Uma agricultura ecologicamente intensiva supõe também manejo das técnicas agrícolas e da organização espacial mais complexo do que o utilizado hoje, aplicando-se essas técnicas e organização aos mais diferentes níveis de manejo do agroecossistema – do local à paisagem. Assim, essa forma de agricultura é intensiva não somente no que se refere às funcionalidades ecológicas, mas requer também uma forte intensificação dos conhecimentos e uma visão holística do processo produtivo, além de uma gestão integrada dos diferentes usuários dos ecossistemas. Aí está, sem dúvidas, uma grande e necessária evolução.
Inácio de Barros é Pesquisador da Embrapa
Publicado no Portal EcoDebate, 27/03/2015
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