Como as cidades do Oeste Paulista tratam seus rios
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Valorizados em grandes parques públicos ou esquecidos, assoreados e poluídos, os rios do interior paulista informam muito sobre as trajetórias das cidades que cresceram às suas margens.
Seguindo o tratamento dado aos rios e córregos da capital, muitas dessas cidades canalizaram os seus cursos d´água e os esconderam sob avenidas e outras áreas pavimentadas. Eles são lembrados quando a temporada de chuvas faz com que as galerias subterrâneas transbordem, com alagamentos e graves transtornos para a população.
Essas foram algumas das constatações do projeto “A construção da paisagem de fundos de vale em cidades do Oeste Paulista”, apoiado pela FAPESP.
Conduzida por Norma Regina Truppel Constantino, professora no curso de Arquitetura e Urbanismo e no mestrado acadêmico em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual Paulista (Unesp), no campus de Bauru, a pesquisa investigou a situação de 16 cidades do Oeste Paulista, que nasceram e se desenvolveram ao longo do ciclo da expansão da cafeicultura.
“Nosso objetivo foi saber como os rios que sustentaram o nascimento dessas cidades são percebidos atualmente pelas respectivas populações, se eles ainda têm importância para as pessoas e são levados em conta pela gestão municipal, pelos planos diretores, pelos projetos aprovados pela câmara etc.”, disse Constantino à Agência FAPESP.
O projeto enfocou quatro cidades em cada uma das quatro linhas férreas que cortam o Oeste Paulista. Na linha Araraquarense: Araraquara, São José do Rio Preto, Jales e Santa Fé do Sul. Na linha Noroeste: Botucatu, Lins, Penápolis e Araçatuba. Na linha Alta Paulista: Agudos, Lençóis Paulista, Tupã e Panorama. Na linha Sorocabana: Avaré, Ourinhos, Presidente Prudente e Presidente Epitácio.
Constantino já havia estudado a formação histórica dessas cidades ao participar do Projeto Temático “Saberes eruditos e técnicos na configuração e reconfiguração do espaço urbano – Estado de São Paulo, séculos XIX e XX”, coordenado pela historiadora Maria Stella Bresciani.
“No levantamento das fazendas que deram origem a essas cidades, constatamos que os rios sempre foram elementos essenciais: ou o núcleo urbano surgiu ao seu redor ou eles definiam os limites das fazendas precursoras. A ideia que motivou o novo projeto foi acrescentar ao pano de fundo histórico um quadro detalhado da condição atual desses rios. Fizemos um trabalho exaustivo, com a participação de quatro bolsistas de iniciação científica da FAPESP. Identificamos os problemas e as potencialidades da integração desses rios nos espaços urbanos”, disse Constantino.
Conclusões do trabalho
O projeto possibilitou a redação de uma espécie de diagnóstico, constituído por nove tópicos.
“Algumas das cidades mantiveram a visibilidade e identidade de seus rios, com a conservação das características naturais e sem a degradação do ambiente; em outras, as áreas foram tratadas paisagisticamente, com pouco impacto ambiental, possibilitando à população usufruir de parques lineares construído ao longo dos cursos d’água”, aponta o diagnóstico.
Existem, no entanto, cidades nas quais, apesar de haver nos planos diretores municipais diretrizes importantes para a preservação das áreas, não foram seguidas as orientações, e os rios e córregos encontram-se degradados, assoreados e muitas vezes poluídos por esgoto domiciliar clandestino.
Além disso, 12 das 16 cidades apresentam trechos dos rios e córregos canalizados no subterrâneo. Nos períodos chuvosos, isso ocasiona episódios de enchentes e inundações.
Quando são implantados parques e recuperada a mata ciliar ao longo das áreas de proteção dos rios, há uma diminuição dos episódios de enchentes e inundações durante as fortes chuvas de verão, contribuindo para a drenagem urbana. Os parques também evitam que essas áreas sejam invadidas ou degradadas.
Nas cidades em que os trilhos dos trens foram instalados em alinhamento com os cursos d´água, os rios foram relegados ao esquecimento, pois a decadência do serviço ferroviário transformou essas áreas em espaços abandonados e degradados, sem segurança para atividades de lazer.
Outra conclusão a que chegaram os pesquisadores foi que, apesar de os rios serem um componente importante da história dessas cidades do Oeste Paulista, eles, em geral, não são valorizados pela população e não fazem parte do seu cotidiano; poucas são as pontes que possibilitam a visão dos rios.
Há uma inadequação nos modelos de gestão urbana, com a falta de integração entre os dispositivos das legislações ambiental e urbanística, de acordo com os estudiosos.
“Para que os rios passem a ser valorizados pelas populações, é necessário um trabalho de conscientização e elaboração de projetos participativos que qualifiquem os lugares, mais do que a simples aprovação de leis e regulamentos”, conclui o diagnóstico.
Rios escondidos
A canalização dos rios e córregos é um dos problemas mais graves apontados pela pesquisadora. Nesses casos, as cidades do interior seguiram o modelo adotado na capital paulista, hoje tão criticado pelos especialistas.
“Das 16 cidades observadas, só não houve canalização em Panorama, Lençóis Paulista, Botucatu, Avaré e Presidente Epitácio. Em Panorama e Presidente Epitácio, nem poderia haver canalização, porque se trata do rio Paraná”, disse Constantino.
“O mais surpreendente é que, em vários casos, sobre os rios canalizados foram construídos parques públicos. Em vez de correrem pelos parques, tornando-se fatores de desfrute para a população, os rios foram escondidos no subterrâneo”, comentou.
Um fator positivo, destacado pela pesquisadora, é que, em quase todas essas cidades, com exceção de Agudos e Ourinhos, o esgoto não clandestino é tratado antes de ser despejado nos rios.
Segundo Constantino, há um potencial a ser desenvolvido. Como todos os 645 municípios do Estado de São Paulo, estes 16 participam do programa “Município VerdeAzul”, da Secretaria do Meio Ambiente, que estabelece 10 diretrizes para a gestão ambiental, contemplando os tópicos: Esgoto Tratado, Resíduos Sólidos, Biodiversidade, Arborização Urbana, Educação Ambiental, Cidade Sustentável, Gestão das Águas, Qualidade do Ar, Estrutura Ambiental e Conselho Ambiental. Entre os 10 primeiros colocados do ranking 2014 do programa, figuram 3 dos 16: Botucatu (1º), Lençóis Paulista (7º) e Araraquara (8º).
“É importante a visualização dos rios, porque, se as pessoas veem os rios, elas passam a valorizá-los e a se mobilizar por sua integridade”, enfatizou.
“Em Lençóis Paulista, Panorama, Avaré, Presidente Epitácio e São José do Rio Preto, essa visualização é muito evidente. Em São José do Rio Preto, aliás, apresentam-se os dois lados da situação. Porque a cidade começou entre os córregos Borá e Canela, que, hoje, estão totalmente canalizados, debaixo das principais avenidas. Mas eles são afluentes do Rio Preto, no qual foi feita uma barragem que deu origem a um lago, e a um parque muito visualizado e aproveitado pela população.”
Participaram da equipe as bolsistas Júlia Marcilio Torres, Maria Olívia Simões, Marília Lucena de Queiroz e Raisa Ribeiro da Rocha Reis.
Publicado no Portal EcoDebate, 25/03/2015
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