Desmatamento na Amazônia já afeta o clima. Entrevista com Antonio Donato Nobre, INPE
Por Maura Campanili
Embora não se possa provar que a seca na região Sudeste do país já seja uma consequência das mudanças climáticas causadas pelo desmatamento na Amazônia, sabemos que ele afeta o fornecimento de vapor para a atmosfera e prejudica o transporte deste para regiões a jusante dos rios aéreos. E sabemos que o Sudeste é receptor e dependente da umidade exportada como serviço ambiental pela floresta amazônica. A afirmação é do pesquisador Antonio Donato Nobre, cientista do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), autor do relatório O Futuro Climático da Amazônia, lançado no final do ano passado. Segundo Nobre, é certo que o desmatamento da Amazônia levará a um clima inóspito naquela região e que deverá afetar outras. O estudo, realizado a pedido da organização Articulación Regional Amazónica (ARA), mostrou como o efeito de bombeamento atmosférico realizado pela floresta propele rios aéreos de umidade que transportam água, alimentando chuvas em regiões distantes do oceano. “A procrastinação para acabar com o desmatamento é injustificável”, alerta.
Antonio Donato Nobre – Em seu relatório, o senhor alerta que o desmatamento da Amazônia já está influenciando o clima. Onde o clima já mudou?
Clima e Floresta – Segundo observações publicadas, amplas regiões na porção oriental da Amazônia, justamente a região mais afetada por desmatamento e degradação florestal, já sofrem com a expansão na duração do período seco, redução das chuvas totais no ano e mesmo extinção de chuvas no período seco, o que torna áreas ainda preservadas de floresta suscetíveis à degradação pela invasão de fogo a partir de áreas ocupadas. A extensão na duração e intensidade da estação seca tem consequências diretas sobre a agricultura, já que diminui a água disponível no solo, prejudicando a produção. O pior é que essa parece ser uma tendência de progressão do clima, um cenário com potencial de danificar até a safra principal em regiões produtoras de grãos como no norte do Mato Grosso.
Nobre – Como a floresta influencia o clima?
Clima e Floresta – As florestas nativas influenciam o clima de diversas e poderosas formas. Descrevo detalhadamente no relatório O Futuro Climático da Amazônia cinco efeitos conhecidos, a saber: a intensa transpiração das árvores condiciona e mantém a alta umidade atmosférica; os compostos orgânicos voláteis emitidos pelas folhas – os cheiros da floresta -, participam de forma determinante como sementes no processo de nucleação das nuvens e geração de chuvas abundantes; a condensação atmosférica do vapor transpirado pelas plantas rebaixa a pressão sobre a floresta, que, menor que aquela sobre o oceano, succiona o ar úmido para dentro do continente; o efeito de bombeamento atmosférico realizado pela floresta propele rios aéreos de umidade que transportam água, alimentando chuvas em regiões distantes do oceano; e o dossel rugoso da floresta freia a energia dos ventos, atenuando a violência de eventos atmosféricos.
Nobre – A seca no Sudeste já é uma consequência dessa mudança climática? O que podemos esperar para os próximos anos?
Clima e Floresta – Existem nas observações do clima registros de secas fortes para o Sudeste. O que surpreendeu e assustou em 2014, além da intensidade e duração sem precedentes, foi o virtual desaparecimento da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS). Essa condição deixou incapazes os modelos numéricos, até para previsões de curto prazo. Por essas características inusitadas do fenômeno climático, vários colegas cogitam tratar-se já das primeiras manifestações de mudanças climáticas associadas ao aquecimento global. Porém, não sabemos ainda como os vários fatores interagiram para produzir a seca, quanto dela é resultado de uma forçante de mudanças climáticas globais, quanto tem a ver com o desmatamento e a degradação florestal na porção oriental da Amazônia. Mas sabemos que parte importante da seca foi por conta da ausência do aporte de matéria-prima para chuvas, e também que a umidade amazônica não propagou para o Sudeste. Embora não possamos consultar uma bola de cristal para saber o que esperar do futuro, sabemos já que o desmatamento afeta o fornecimento de vapor para a atmosfera e prejudica o transporte deste para regiões a jusante dos rios aéreos. E sabemos que o Sudeste é receptor e dependente da umidade exportada como serviço ambiental pela floresta amazônica. Então, pode-se afirmar que se não recuperarmos a floresta, ou pior, se ainda por cima continuarmos com o desmatamento, estaremos serrando o próprio galho onde sentamos.
Nobre – As metas brasileiras de redução do desmatamento são suficientes para mitigar os efeitos no clima? O que falta ser feito?
Clima e Floresta – Absolutamente não. Todas as evidências científicas apontam para o fato de que o gigantesco desmatamento acumulado já afeta o clima. Isso significa que o desmatamento acumulado já passou da área máxima tolerável antes do clima ser alterado de forma permanente. Em outras palavras, é imperioso o desmatamento zero, e para ontem. As metas brasileiras de desmatamento não somente ignoram a ciência, como postergam para décadas no futuro uma necessidade urgente de ação que deveria haver sido feita décadas atrás. Assim como a inação irresponsável de governadores e outras autoridades levou muitas cidades no Sudeste à beira do colapso no fornecimento de água, as minguadas e débeis metas brasileiras de redução do desmatamento têm chance zero de mitigar os efeitos no clima, e mais, garantem o agravamento da situação. O que é o pior é que tal injustificável procrastinação pode levar todo o sistema Amazônico a uma situação de colapso climático, na qual se ultrapassa um ponto de não retorno levando toda a região para a savanização ou mesmo para a desertificação. Falta aos formuladores de politicas públicas, governantes, elites influentes e formadores de opinião caírem na real, absorverem diligentemente a informação qualificada disponível e agirem de acordo, o que significa colocar o Brasil na liderança de um enorme e sem precedentes esforço de guerra contra a ignorância, contra o desmatamento, contra o fogo, a fumaça e a fuligem, e a favor da restauração das florestas nativas.
Entrevista originalmente publicada no Clima e Floresta, a newsletter mensal do IPAM – n° 65 e reproduzida pelo Portal EcoDebate, 02/03/2015
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