Definição dos Estudos Ambientais e seus Reflexos, artigo de Alarico Jácomo
DEFINIÇÃO DOS ESTUDOS AMBIENTAIS E SEU REFLEXOS
Alarico Jácomo Msc Dr
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INTRODUÇÃO
O licenciamento ambiental de empreendimentos tem sido foco de grande polêmica entre alguns segmentos do setor econômico e os órgãos governamentais responsáveis pela análise dos projetos e emissão de licenças. As discussões têm questionado o papel deste instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA, Lei 6.938/81), que há muitos anos vem se afastando do seu objetivo fundamental, qual seja o de promover uma análise sobre a viabilidade ambiental das atividades econômicas, assegurando que os empreendimentos se instalem em locais ambientalmente adequados e adotem tecnologias que minimizem os possíveis impactos negativos sobre o ambiente – em outras palavras, tornando- os viáveis do ponto de vista ambiental.
Nesses últimos anos, empresários e setores do governo ligados principalmente ao setor de infra-estrutura (transportes, energia), fundamentados num ponto de vista estritamente desenvolvimentista, vêm questionando até mesmo a competência dos órgãos licenciadores em analisar processos, além de reclamar – com alguma razão – da excessiva carga de informações a serem apresentadas nos estudos ambientais (cuja maior expressão em termos de complexidade e detalhamento é encontrada nos Estudos de Impacto Ambiental e Relatórios de Impactos no Meio Ambiente, EIA/RIMAs), questionando a credibilidade e agilidade do processo para a emissão de licenças ambientais.
Apesar da necessidade de melhor aparelhamento do órgão federal responsável pelo licenciamento (IBAMA) e dos órgãos ambientais estaduais, somente nos últimos anos começa a ser reconhecido que, ao contrário do que pregam aqueles que defendem o fim (ou a “flexibilização”) do licenciamento ambiental, o real problema que impede este instrumento de atingir seu objetivo é a falta de implementação efetiva de outros instrumentos da PNMA, a fim de criar uma situação que permita que cada qual exerça o seu papel, sem sobreposição de funções específicas e sem grandes lacunas.
Reforçando estas afirmações, diversos autores colocam que, mesmo diante de dificuldades e deficiências de implantação (Sánchez, 1993; Lima et al., 1995; Brito, 1996), estes instrumentos passam a ter um papel estratégico e com perspectivas reais de contribuir com princípios e critérios para a sustentabilidade ambiental. Caso o processo seja conduzido adequadamente, esperam–se melhores decisões e melhores projetos contemplando as questões ambientais, também com testemunhos de outros países que o utilizam (GLASSON et al.,
Por outro lado, dentre as preocupações quanto à operacionalização do Estudo de Impacto Ambiental – EIA, constatadas por Prado Filho (2001), destaca-se que os empreendedores, de maneira geral, não conseguem enxergar o EIA como um instrumento complementar de processo decisório e, por sua vez, não conseguem entender sua abrangência num contexto mais global.
Já o poder público, por sua vez, não possui os mecanismos para detectar e dar suporte às suas exigências ambientais necessárias às políticas públicas e, conseqüentemente, aos empreendedores. Conforme ressalta o Ministério do Meio Ambiente (BRASIL, 1995), aumenta a preocupação quando se nota que as principais falhas da Avaliação de Impactos Ambientais, como instrumento de gestão, decorre do fato de não ter sido ainda compreendida e absorvida como instrumento de planejamento.
Cabe ao empreendedor entender que ao realizar um EIA/RIMA ele não está “pagando pela sua aprovação”, mas avaliando, do ponto de vista ambiental, a viabilidade ambiental de seu empreendimento, considerando as melhores alternativas tecnológicas, locacionais e de minimização de impactos ambientais para o empreendimento, conforme apontado pelo próprio EIA. Essa resposta, ou seja, sobre a viabilidade ambiental do empreendimento, é uma exigência constitucional no Brasil.
Não dissociado dos princípios gerais que norteiam as avaliações de impacto, mas subsidiando o processo decisório com respostas ambientalmente mais adequadas em relação a projetos, o EIA analisa e sistematiza, por meio de métodos e técnicas de previsão de impacto, o estudo de alternativas locacionais e tecnológicas, bem como medidas mitigadoras cabíveis. Assim, é possível afirmar que, ao identificar sua importância como documento essencial à avaliação da viabilidade ambiental de uma determinada atividade, o licenciamento ambiental tem no EIA o respaldo para o seu próprio processo.
A mesma importância deve ser atribuído ao zoneamento ambiental (ZA), outro instrumento preconizado pela PNMA. Ainda que seja um dos instrumentos da PNMA de suporte à decisão, só foi efetivamente regulamentado no Brasil pelo Decreto no. 4.297/02, que fez valer a denominação de Zoneamento Ecológico-Econômico.
Em que pese existir alguma discussão, sobretudo no meio jurídico, sobre a obrigatoriedade de sua elaboração e implementação, o seu emprego, no Brasil, como instrumento voltado para o planejamento regional está historicamente vinculado à região amazônica, tendo sido motivado principalmente como meio de resposta às agências e programas internacionais de financiamento (até o momento, os Estados de Rondônia, Acre, Roraima, Maranhão, Tocantins já elaboraram seus zoneamentos em escala estadual, além de se encontrarem em andamento os ZEEs dos estados do Piauí e Mato Grosso). Nesse sentido, vale dizer, ainda existem diversas lacunas a serem preenchidas a fim de promover uma maior eficácia a este instrumento, relacionadas, sobretudo a aspectos de ordem técnica e conceitual.
O zoneamento ambiental, como um instrumento estratégico de planejamento, apresenta como principal qualidade a viabilização da inserção da variável ambiental em diferentes momentos do processo de tomada de decisão. Desde a formulação de estratégias de desenvolvimento setoriais (mais voltadas para o plano regional), até a decisão sobre a ocupação de um sítio específico para a implantação de uma determinada atividade. Aplicações do zoneamento ambiental, nos moldes preconizados no presente trabalho e suas interfaces, foram estudadas por FONTES (1997), ALVES (1997), RANIERI (2000), SOUZA (2000), OLIVEIRA (2004), MONTAÑO (2005) e MONTAÑO et al. (2005).
A partir dos trabalhos mencionados, pode-se afirmar que o ZA é o instrumento mais adequado para a obtenção respostas amplas com relação à viabilidade da ocupação do território em bases ambientalmente sustentáveis, tanto em relação aos fatores ambientais a serem considerados como também na delimitação das áreas de influência e/ou identificação de conflitos. Sendo assim, trata-se de um instrumento essencial para a efetividade de outros instrumentos.
Tome-se, por exemplo, o caso dos Estudos de Impacto Ambiental exigidos em processos de licenciamento. A avaliação da capacidade de suporte do meio diante de uma ação definida, ao ser previamente contemplada por um zoneamento ambiental elaborado especificamente para essa finalidade, estará sendo efetuada a partir de conceitos e informações que desobrigarão o EIA de fornecer respostas e assumir compromissos que não lhe competem, influenciando o processo de tomada de decisão relacionado ao empreendimento proposto.
Conceitualmente, de acordo com Oliveira (2004), o cerne do EIA está associado ao estudo de viabilidade ambiental do empreendimento, que abriga o estudo de alternativas de localização e tecnológicas e, para sua efetivação, há necessidade de prévia elaboração do diagnóstico ambiental (artigo 6º, inciso I da Resolução CONAMA 01/86). Numa situação ideal, as informações ambientais que devem ser necessariamente consideradas pelo empreendedor durante a elaboração de um EIA deveriam estar contidas em um ZA, que é o instrumento da PNMA responsável pela elaboração do diagnóstico e que permite a identificação de todas as suscetibilidades e vocações dos fatores ambientais impactados, emrelação à capacidade de suporte do meio, considerando a sua ocupação com diferentes tipologias de atividade.
O presente trabalho discute a aplicação do zoneamento ambiental no processo de localização de atividades, sua inserção e desdobramentos na avaliação de impactos ambientais e, posteriormente, no licenciamento ambiental de atividades. Para tanto, preconiza a sua elaboração de maneira prévia ao Licenciamento Ambiental, servindo como referência a um eventual Estudo de Impacto Ambiental. Desta maneira, seria possível discutir todas as possíveis localizações economicamente viáveis (sob o ponto de vista do empreendedor) do empreendimento, confrontando-as com a suscetibilidade ambiental indicada pelo zoneamento.
Finalmente, a discussão sobre as alternativas de localização – em conjunto com a sociedade – completaria o quadro requerido para a análise da viabilidade ambiental de um empreendimento, a ser efetuada pela agência ambiental responsável pela emissão de licenças ambientais.
2. ZONEAMENTO AMBIENTAL – FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS
O conceito de zoneamento, no Brasil, está ligado a pelo menos duas tradições (NITSCH, 1998; SAE/PR, 2000; MILLIKAN & PRETTE, 2000). Uma primeira diz respeito ao planejamento agrícola sob a forma dos zoneamentos agros ecológicos ou agrícolas, nos quais se faz um estudo da aptidão dos solos e do clima de uma dada área para diversos tipos de cultura, ou, ao contrário, procura-se identificar as áreas mais adequadas para uma determinada cultura. Trata-se nesse caso de um instrumento técnico, de caráter indicativo, que subsidia o agricultor em suas decisões de investimento, ou o setor público no que concerne à concessão de créditos para a agricultura (NITSCH, 1998; SAE/PR, 2000).
Uma outra tradição, mais fortalecida pela prática, está ligada à regulação do uso do solo urbano, que se consubstancia, geralmente, em instrumentos legais e normativos – o que fica evidente nas palavras de Paulo Afonso Leme Machado, quando diz que “(…) o zoneamento consiste em dividir o território em parcelas nas quais se autorizam determinadas atividades ou se interdita, de modo absoluto ou relativo, o exercício de outras atividades”. (MACHADO, 1992, p. 96). Para Grinover (1989), essa prática de zoneamento, criada pela tecnologia do planejamento territorial desde as primeiras décadas do século XX, expõe suas deficiências ao se tentar introduzir a dimensão ambiental no processo de planejamento, uma vez que não consegue traduzir de forma eficiente a dinâmica das relações de diferentes tipos e de diferentes níveis que se estabelecem em um território em desenvolvimento.
Apesar do zoneamento ambiental ter sido criado há mais de duas décadas, inserido na Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº. 6.938/81, artigo 9º, inciso II) como um instrumento de gestão ambiental, percebe-se que a sua implementação prática ainda não tem conseguido fazer valer toda a potencialidade deste que pode ser considerado o instrumento de gestão ambiental mais dinâmico dentre todos os instrumentos preconizados na referida Política.
Procurando desfazer alguns desentendimentos relacionados à aplicação deste instrumento, o Decreto 4.297, de 10 de julho de 2002, que regulamenta o zoneamento ambiental (fazendo valer a denominação consagrada de zoneamento ecológico-econômico), estabelece que “o ZEE, instrumento de organização do território a ser obrigatoriamente seguido na implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas, estabelece medidas e padrões de proteção ambiental destinados a assegurar a qualidade ambiental, dos recursos hídricos e do solo e a conservação da biodiversidade, garantindo o desenvolvimento
sustentável e a melhoria das condições de vida da população” (artigo 2o).
Ainda, em seu artigo 3o, estabelece que “o ZEE, na distribuição espacial das atividades econômicas, levará em conta a importância ecológica, as limitações e as fragilidades dos ecossistemas, estabelecendo vedações, restrições e alternativas de exploração do território e determinando, quando for o caso, inclusive a relocalização de atividades incompatíveis com suas diretrizes gerais”.
Apesar da regulamentação do zoneamento ambiental, acompanhada por algumas tentativas de difusão dos conceitos e interpretações vinculados à visão governamental relacionada aos objetivos fundamentais deste instrumento, pouco se avançou no sentido de esclarecer qual deve ser o papel deste instrumento na gestão ambiental, seja no que diz respeito à sua integração com outros instrumentos de gestão (Montaño et al., 2004; Oliveira,
Segundo Macedo (1998), a elaboração de um zoneamento ambiental parte de uma questão básica: sua elaboração deve ser feita a partir de uma política de desenvolvimento que se deseja implementar ou manter em um dado território. Se bem utilizado, segue o autor, o zoneamento ambiental constitui-se no melhor instrumento de auxílio aos gestores desta política e a todas as demais partes envolvidas: investidores, empresários, trabalhadores, mercados, Poder Público, etc.
Com relação à abordagem metodológica preconizada no presente trabalho, enfatiza-se a definição de Souza (2000) que trata o ZA como fundamentado num processo de classificação de um dado espaço geográfico em subunidades territoriais, agrupadas segundo níveis de aptidão para determinados tipos de ocupação. A determinação das diferentes aptidões de cada trecho do espaço territorial analisado, considerando o maior número possível de fatores ambientais relevantes para cada tipo de ocupação (industrial, urbana, agrícola, etc.), deve ser baseada em critérios científicos e complementada por critérios expressos pela sociedade, por meio de sua participação. Trata-se de um instrumento com respostas essencialmente ambientais, portanto dinâmicas, e que não se propõe “ser fechado” e estanque quando se relaciona com o uso do solo. Jacomo (1992)
Observando-se os objetivos do EIA e do ZA, e entendendo que ambos reforçam os objetivos da PNMA, da qual originam, verifica-se uma estreita relação entre ambos. O ZA, ao indicar áreas com maior ou menor suscetibilidade para implantação de atividades específicas, pode dispensar ou reforçar a necessidade de elaboração do EIA. Caso a exigência de tal estudo seja considerada necessária, as informações constantes no zoneamento podem servir de base não só para respaldar o Termo de Referência que irá nortear o processo de licenciamento, mas também para a própria elaboração do EIA, auxiliando tanto na delimitação da área de influência do empreendimento proposto quanto na escolha das alternativas locacionais – facilitando, inclusive, a escolha de uma área minimização da necessidade de adoção de medidas mitigadoras (ALVARENGA, 1997; SOUZA, 2000).
O estudo para identificação de áreas destinadas à instalação de atividades pressupõe o atendimento do binômio tipologia-localização. Para tanto, deve partir do princípio de que é necessário, por um lado, identificar as características inerentes ao empreendimento e, por outro, observar a capacidade de suporte do ambiente para recebê-lo.
O atendimento do binômio tipologia-localização é, portanto, fundamental para determinar a viabilidade ambiental do empreendimento, função primordial do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e da Política Nacional do Meio Ambiente. Portanto, na determinação da capacidade de suporte do ambiente para implantação de empreendimentos e desenvolvimento de atividades humanas deve–se tomar como premissa básica o fato das características dos meios físico, biológico e antrópico conferirem, para cada parcela de território, maior ou menor potencial (ou, em oposição, menor ou maior restrição) para cada tipo de ocupação.
Em outras palavras, a combinação de fatores tais como relevo, solos, formações geológicas, recursos hídricos, entre outros determinam a capacidade (ou aptidão) do meio em suportar certas atividades humanas de forma que os impactos dessas atividades não ultrapassem os níveis aceitos pela sociedade e/ou impostos pela legislação. Por outro lado, fatores como infra-estrutura de transporte ou presença de aglomerados urbanos potencializam ou restringem a aptidão natural do meio para tais atividades.
Outro ponto a ser destacado trata da participação da sociedade no estabelecimento de critérios e na indicação de suas necessidades. Tal participação é fundamental para que o zoneamento ambiental possa contribuir, de maneira adequada, para orientar a decisão quanto à ocupação do território contribuindo, assim, para a minimização dos conflitos potenciais que a localização de um empreendimento possa gerar.
3 ESTUDO DE CASO
São Sebastião, a cidade mais antiga do Litoral Norte, deve seu nome à expedição de Américo Vespúcio, que passou ao largo da Ilha de São Sebastião, hoje município de Ilhabela, em 20 de janeiro de 1502. A ocupação portuguesa ocorreu com o início da história do Brasil, após a divisão do território em Capitanias Hereditárias; com o desenvolvimento econômico resultante da produção de dezenas de engenhos de cana-de-açúcar, caracterizou-se como núcleo habitacional e político, emancipando-se em 16 de março de 1636.
O município de São Sebastião, desde o século XVIII, assistiu importante desenvolvimento econômico baseado em culturas como a cana-de-açúcar, o café, o fumo e a pesca da baleia. O Porto local era utilizado para o transporte de mercadorias e também era rota de ouro de Minas Gerais, que seguia por mar para o Rio de Janeiro. Com a construção das ferrovias D. Pedro II e São Paulo Railway, que fortaleceram o Porto do Rio de Janeiro e de Santos, a importância comercial de São Sebastião foi diminuindo, passando a predominar atividades como a pesca artesanal e a agricultura de subsistência.
Nos anos 40 iniciou-se a implantação da infraestrutura do Porto Público e nos anos 60 foi construído o Terminal Marítimo Almirante Barroso – TEBAR, fa tores decisivos para a retomada do desenvolvimento econômico da região.
A história do Porto Público de São Sebastião se inicia em 1927, através de decreto de concessão da União ao Estado de São Paulo autorizando a construção dos Portos de São Sebastião e São Vicente.
O projeto para a construção do Porto foi iniciado em 1934, com as obras estendendo-se até 1954. É importante destacar que a incorporação da “Enseada do Araçá” estava prevista desde os projetos iniciais. Em 20 de janeiro de 1955, o Porto de São Sebastião foi aberto ao tráfego. Em 18 de setembro de 1952, foi criada a Administração do Porto de São Sebastião, subordinada à Secretaria de Viação e Obras Públicas. Esta, posteriormente, passou para o Departamento Hidroviário da Secretaria dos Transportes do Estado de São Paulo.
Em 1989, a administração do Porto passou a ser efetuada pela empresa DERSA – Desenvolvimento Rodoviário S/A, até 2007, ano de criação da Companhia Docas de São Sebastião, empresa de economia mista que é a atual Autoridade/Administradora Portuária. Entre as diferentes dimensões da crise urbana provocada pelo processo global de reestruturação econômica que tem se intensificado ao longo dos últimos 25 anos, destaca-se o surgimento de grandes áreas ociosas ou subutilizadas, particularmente nas cidades e setores urbanos, cujo crescimento havia se amparado na indústria de transformação. Atividades manufatureiras que pautaram, por décadas, a vida dessas aglomerações, subitamente se viram compelidas a encerrar suas atividades – ou, na melhor das hipóteses, tiveram que proceder a importantes transformações em seus métodos e cadeias produtivas, muitas vezes deslocando unidades de produção para outras regiões, em um processo já conhecido em suas consequências econômicas, sociais e urbanísticas.
Do ponto de vista da região deixada para trás, as perspectivas tornam-se sombrias: desemprego, perda do dinamismo econômico, desgaste dos tecidos sociais organizados tradicionalmente em torno do porto. De certa maneira, o porto começa a ser identificada com a própria cidade, com a região ou com uma rede transnacional, que passa a sediar um intrincado complexo de atividades produtivas e terciárias, organizadas de maneira flexível e fragmentada. Nesse movimento a tradicional área do porto, com suas grandes instalações fixas, torna-se obsoleta, levando ao esvaziamento do cerne econômico da cidade.
Como herança, o porto deixa apenas seu legado de degradação ambiental e baixa qualidade da ocupação espacial urbana. Ao mesmo tempo, a queda da arrecadação fiscal nas cidades tinha pouca expressão deixou o poder local enfraquecido no momento em que deveria enfrentar a gama de velhos e novos problemas – quadro de impotência agravado pelo desmonte do aparelho estatal nas diversas esferas de governo, no âmbito de políticas liberais justificadas pela suposta falência do Estado do bem-estar e do planejamento integrado. Abdicando dos grandes esquemas de previsão e controle, o horizonte da intervenção urbanística passaria então a se concentrar nos planos de oportunidade e nos projetos urbanos Às áreas abandonadas somaram-se áreas portuárias tornadas obsoletas pelas novas tecnologias de transporte marítimo (conteneirização), com o agravante destas últimas normalmente ocuparem frentes de água em pontos urbanos estratégicos.
A reação das municipalidades que se viram no lado perdedor da reestruturação econômica assumiu diversos matizes. Em certos casos, a administração local, marcada por uma tradição esquerdista e por uma história de lutas sindicais, tentou enfrentar a situação pelo incremento das políticas sociais compensatórias, ou ainda por meio de programas incorporando a ação sindical: de um lado, como nova forma de luta para a reinserção de trabalhadores; de outro, constituindo-se em novo agente do desenvolvimento urbano.
Em outras cidades o governo assumiu o ponto de vista do empreendedor, procurando dinamizar a economia urbana por meio da busca da atratividade e da competitividade Para isso concorreu a emergência, naquele momento, de técnicas de planejamento desenvolvidas para auxiliar a reinserção de empresas (abaladas, de maneira análoga, pela reestruturação produtiva global) nos mercados altamente competitivos e em constante transformação da nova ordem econômica. A partir dos anos 1980, o chamado “planejamento estratégico” passou a figurar de maneira proeminente entre as políticas urbanas adotadas por municipalidades européias, tornando-se muitas vezes nada mais que o sinônimo de uma postura competitiva e empresarial preocupada com a atração de investimentos, eventos e turismo, com a imagem urbana e a reinserção otimizada de cada cidade no panorama europeu e mundial
Em face da crise econômica, da reestruturação produtiva e da redefinição do papel do Estado, destaca-se cada vez mais a necessidade de formas de ação formuladas e implementadas em nível local, com o objetivo de promover o desenvolvimento econômico. Os elementos básicos do que denomina “empreendedorismo local” envolvem não apenas o desenvolvimento de parcerias entre o poder público e o setor privado, mas a capacidade mais geral de articulação, por parte dos atores e forças sociais. Partindo do princípio de que o poder de ordenar o espaço deriva de um complexo conjunto de forças, mobilizadas por diversos agentes, o governo local deve coordenar uma ampla gama.
A questão, enfocando formas intermediárias de regulação entre a dimensão material da aglomeração urbana, o governo local, a legislação e a ação do Estado. Define o conceito de governança como abrangendo todas as formas de regulação que não são mercantis nem específicas do Estado. Governança seria a sociedade civil menos o mercado, mais a sociedade política local, os notáveis e as prefeituras
Muitas experiências recentes de articulação entre os setores público e privado apontam para uma possível reorientação do poder local, com vistas à inserção de questões relacionadas ao desenvolvimento econômico e social na agenda política Todavia, o recurso à ação pontual dos governos locais coloca o risco do acirramento dos desequilíbrios regionais e internacionais, da mesma forma que a disputa pelos investimentos no quadro do planejamento estratégico – na medida em que algumas localidades estão melhor equipadas do que outras na luta autônoma pelo desenvolvimento.
Para evitar os efeitos deletérios dessa disputa, das guerras fiscais suicidas à exacerbação das diferenças, aumentando o abismo entre regiões privilegiadas e esquecidas, é preciso contar com instâncias regulatórias nas diversas esferas – local, regional, nacional e mesmo internacional. O exemplo europeu, em que a perspectiva estratégica convive com um alto grau de intervencionismo e com a multiplicação de iniciativas estatais estruturadoras, compensatórias e reguladoras, merece atenção especial nesse sentido.
Embora somente o futuro poderá dizer se as iniciativas de desenvolvimento local terão fôlego suficiente para superar problemas existentes e consolidar a reconversão industrial num processo de desenvolvimento sustentável, alguns limites já podem ser assinalados Em primeiro lugar, trata-se de um esforço que apresenta autonomia relativa e que, conseqüentemente, não pode prescindir de políticas nacionais, estaduais e regionais de desenvolvimento. Outros limites podem resultar do individualismo das tradicionais culturas municipalista e empresarial, da prevalência de interesses pontuais e casuísticos na esfera local, e da descontinuidade político-administrativa, que acarretam o risco de desestruturar esforços coletivos de longo prazo.
Quando se discutem formas de estimular a geração de trabalho e renda, também devemos levar em conta que a maneira pela qual se dá o desenvolvimento econômico, muitas vezes determinada em âmbito nacional, condiciona o caráter da participação dos agentes na esfera local, assim como a distribuição da renda gerada. A reestruturação produtiva, os efeitos da crise econômica e as novas desigualdades sociais colocam em pauta a necessidade de elaboração de estratégias que articulem os agentes sociais no sentido de enfrentar problemas urbanos e regionais, sem negar os conflitos existentes e a necessidade de políticas efetivas de inclusão social na escala do país.
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Alarico Jácomo é Mestre e Doutor em Geologia.
Publicado no Portal EcoDebate, 13/02/2015
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