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O desafio do acesso de indígenas ao ensino superior

 

A cada 500 estudantes universitários, apenas um é indígena. Apesar do longo caminho, algumas iniciativas, como os cursos interculturais e cotas, ajudam a mudar este quadro.

 

O desafio do acesso de indígenas ao ensino superior

 

Por Maíra Ribeiro/AXA

No primeiro domingo de dezembro de 2014, as cidades de Nova Xavantina e São Félix do Araguaia em Mato Grosso foram tomadas por indígenas de toda a região Xingu Araguaia. Naquele dia, ocorria o processo seletivo para o Curso de Educação Intercultural da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Os Cursos de Educação Intercultural oferecem formação superior a professores indígenas que lecionam em escolas de aldeias. Não só o conteúdo do curso é adequado à realidade indígena como o processo seletivo é diferenciado, atendo-se mais às experiências do candidato e à sua habilidade na língua portuguesa do que aos conteúdos do ensino médio.

No fim de dezembro do mesmo ano, foi divulgada a lista dos aprovados do Curso Intercultural da UFG. A região Xingu Araguaia estava bem representada na lista, com um grande número de estudantes Xavante, além de alunos dos povos Karajá, Tapirapé, Javaé, Kamayurá, Kuikuro e Yudjá.

Engana-se, porém, quem imagina que pelo fato de ser exclusivo para indígenas, o acesso é mais fácil. No caso do processo seletivo para este curso, havia pouco mais de 600 inscritos para 60 vagas.

Muitos candidatos foram às cidades prestar a prova sem ter lugar para dormir ou mesmo dinheiro para a passagem de volta para a aldeia. A pouca familiaridade com as burocracias típicas da nossa sociedade também dificulta a entrada e permanência de indígenas no ensino superior.

Marculino Tseredzadi, 33 anos, foi um dos tantos candidatos que não conseguiram uma vaga no curso. Tseredzadi é Xavante da Aldeia Belém, na Terra Indígena Pimentel Barbosa, em Canarana, Mato Grosso. Ele já foi professor por mais de cinco anos na escola de sua aldeia, tendo cursado magistério intercultural, além de várias formações continuadas. Apesar do currículo invejável, Tseredzadi não marcou pontos na prova de títulos. Ele não sabia que as cópias dos certificados deveriam ser autenticadas e que os anos de docência contariam pontos. Com muita experiência profissional na comunidade, terá que estudar mais um ano para tentar entrar na faculdade.

No Xingu Araguaia, poucos indígenas nas universidades

Apesar do grande número de indígenas de diferentes povos do Xingu Araguaia, ainda não há na região vagas destinadas para o ingresso de indígenas. A Univar – Faculdades Unidas do Vale do Araguaia, em Barra do Garças, foi uma das poucas instituições de ensino superior da região que contou com uma política afirmativa para indígenas  ingressarem em 2015. Foram disponibilizadas bolsas integrais para estudantes indígenas em sete cursos superiores oferecidos pela Univar. Porém, não foram reservadas vagas nem houve processo seletivo diferenciado. As universidades públicas com campi na região somente possuem cotas raciais.

A turismóloga Tuinaki Koixaru Karajá, 25 anos, foi a primeira indígena formada no campus de Nova Xavantina da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), em 2012. Atualmente sua prima cursa Engenharia Civil no mesmo campus. Pertencente ao povo Karajá, Tuinaki estudou em escolas de São Félix do Araguaia, cidade próxima às aldeias Karajá da Ilha do Bananal.

A Karajá Tuinaki foi a primeira e única indígena formada no campus de Nova Xavantina da Unemat.

Tuinaki ficou sabendo por seu tio que abriria vestibular na Unemat em Nova Xavantina. Em 2008, passou no vestibular de ampla concorrência. Soube que havia cotas raciais na Unemat quando já estava cursando Turismo.

“Foi uma experiência e tanto na minha vida. Nunca tinha ficado tanto tempo longe dos meus pais, não conhecia ninguém lá. No começo, ligava chorando para casa para que me mandassem uma passagem de volta, não aguentava ficar longe. Quando chegava em São Félix, minha mãe me convencia a voltar. Com o tempo, fui conhecendo pessoas e aprendendo mais. No curso de Turismo, a gente viaja muito a campo, comecei a gostar ” relata Tuinaki.

Apesar da boa convivência durante os anos de graduação, o preconceito era claro. “Quando cheguei em Xavantina, todo mundo me olhava torto, eu me perguntava: ‘só porque sou índia não posso fazer uma faculdade?’ Tinha vezes que eu chegava pintada de jenipapo da cabeça aos pés e todos ficavam me olhando, e eu pensava: ‘pra mim, é normal estar pintada, porque eles me olham tanto?’ Até que um dia eu ouvi um rapaz questionando: ‘como pode? O que uma índia está fazendo na faculdade?’ E aí que eu entendi e coloquei na cabeça que tinha que mostrar que os índios podem fazer faculdade” conta Tuinaki. Sua persistência a fez pertencer a uma pequena parcela de estudantes universitários indígenas que se formam, a estimativa é de que a evasão de indígenas chega até a 90 % em alguns cursos.

Formada, ela trabalhou na Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) e depois assumiu o cargo de chefe de Departamento de Assuntos Indígenas da prefeitura de São Félix do Araguaia. Ali, teve a árdua tarefa de tentar a articulação entre as comunidades indígenas e a prefeitura, além de apaziguar a tensão entre indígenas e não-indígenas do município.

Iniciativas para o acesso de indígenas na universidade

Segundo dados do Ministério da Educação, em 2011 havia um indígena para cada 500 estudantes das universidades públicas brasileiras, enquanto na sociedade brasileira, existe um indígena a cada 211 habitantes brasileiros.

Desde a década de 2000, movimentos indígenas junto às instituições educacionais vêm amadurecendo a discussão em torno do acesso indígena ao ensino superior. As reivindicações indígenas têm sido no sentido de que não basta inserir cotas nas universidades, apesar de sua importância enquanto ação afirmativa. É necessário que haja condições de permanência dos estudantes indígenas e que o que se aprende nas universidades dialogue com a realidade indígena.

Foi a partir dessa demanda que surgiram os Cursos de Educação Intercultural , voltados especificamente para a licenciatura, que atualmente acontecem em doze universidades públicas brasileiras. A Unemat em Barra do Bugres/MT é pioneira nos cursos interculturais e  já conta com uma Faculdade Indígena Intercultural.

Complementarmente, algumas universidades oferecem cotas específicas para indígenas em diferentes cursos, com processo seletivo diferenciado. Segundo o Instituto de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa, em 2012, das 125 instituições públicas no país, 63 contam com ações afirmativas específicas a indígenas.  As cotas raciais criadas pela Lei de Cotas (12.711/2012) englobam indígenas, negros e outros grupos culturalmente diferenciados. Desta forma, esta lei não tem sido eficiente em garantir o acesso de indígenas à universidade.

Atualmente, a Universidade de Brasília (UnB) está com inscrição aberta para o curso de mestrado profissional em Sustentabilidade junto a Povos e Terras Tradicionais, na qual metade das 30 vagas é destinada a indígenas e quilombolas. A inscrição vai até dia 16 de fevereiro de 2015 e o edital pode ser conferido na página www.mespt.unb.br.

A demanda por profissionais indígenas de nível superior nas próprias aldeias é enorme, tanto no quadro de professores quanto na área de saúde. O domínio do conhecimento teórico da sociedade envolvente pelos indígenas também é uma peça chave na luta pelos direitos das suas comunidades. Além disso, a presença do indígena por si só numa faculdade traz mudanças e questionamentos na forma de pensar e agir dos colegas e professores que talvez nunca tivessem parado para pensar na questão indígena anteriormente. Fazer uma universidade não é tudo, mas é um instrumento importante para a construção de caminhos novos e autônomos para os povos indígenas.

Imagem de destaque: Arquivo Funai

Imagem no texto: Arquivo Tuinaki Koixaru Karajá

* Nota enviada pela Articulação Xingu Araguaia – AXA

Publicado no Portal EcoDebate, 04/02/2015


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