Literatura em barbante, artigo de Bruno Peron
Nesta oportunidade, chamo a atenção do leitor para um gênero literário através do qual brasileiros se descobrem fielmente: a literatura de cordel.
A literatura de cordel destaca a importância de expressões culturais autênticas e tradicionais no Brasil, desperta o interesse geral em leitura, e trata literatura como uma atividade prazerosa e massageadora das aptidões do espírito. Esse gênero literário não usa, portanto, uma linguagem enfadonha sobre temas estranhos que poucos conseguem entender.
Vale ressaltar que a literatura de cordel não tem origem no Brasil. O termo “cordel” provém do fato de que os folhetos e panfletos ficavam pendurados em barbantes ou cordas. Fala-se desse gênero em Portugal e noutros países europeus como Espanha, França e Holanda desde o século XVI.
Foi mais tarde, durante o século XIX, que a literatura de cordel consolidou-se no Brasil. Porém, sua presença foi maior no interior do Nordeste brasileiro, que é uma região materialmente pobre mas culturalmente opulenta.
Quase sempre a literatura de cordel se faz através de poesia em vez de prosa, é impressa em folhetos de poucas páginas em formato menor que o de livros. Ainda, esse tipo de produção literária é barato e costuma ser comercializado pelos próprios autores em vez de controlado por editoras.
A princípio, a literatura de cordel era um produto à venda em feiras e seus folhetos ficavam à mostra para consumidores, ao lado de outros produtos típicos de feiras como cereais, carnes, frutas e verduras. Esta foi uma maneira bem criativa de expor produtos literários como se fossem qualquer outro produto. Alimento é para o corpo; literatura é para a alma.
Hoje esse gênero literário encontra expressão também noutras regiões do Brasil (inclusive no estado de São Paulo) e se deixa conhecer e vender em eventos literários, espaços culturais e feiras de livro. Folhetos de cordel não ficam mais ao lado de tomates e maçãs em feiras e mercados nordestinos.
Agrego que, no Brasil, o cordel foi uma maneira de fazer literatura coloquial e regionalista através de uma expansão das potencialidades da cultura oral. Nalguns casos (sobretudo no cordel feito em território europeu), os autores dessas produções literárias as declamam enquanto tocam viola diante de uma audiência que está mais ávida de ouvir que de ler suas ideias.
Assim, literatura de cordel é informal; noutras palavras, ela não precisa de uma editora que lhe dê o aval. É também regionalista porque não estimula, por exemplo, que o Brasil simule ambientes europeus de neve em árvores de Natal com algodão em pinheiro. Portanto ela deve ser valorizada porque é a que mais olha para dentro do Brasil e ausculta suas particularidades.
Ao pensar num horizonte atual, é triste que brasileiros leiam cada vez menos livros, embora movimentem seus olhos durante mais horas em frente de telas de todos os tipos. Estou pensando em telas de celulares inteligentes, computadores, televisores. A literatura de cordel é uma forma fácil e barata de expressar aspectos, necessidades e problemas através da língua escrita.
Não é por acaso que estudiosos dos Estados Unidos, da Inglaterra e de outros países se interessem em literatura popular brasileira mais que nossos acadêmicos. Enquanto nossos estudiosos despendem suas energias para fazer congressos sobre Durkheim, Foucault e Habermas, somos mais estudados por gente de fora em seus Centros de Estudos Latino-americanos.
Parece-me produtivo, por término, que brasileiros encontrem nesse e noutros gêneros literários – embora muitos sejam exógenos – um alto-falante através do qual canalizem suas aspirações, particularidades e queixas. Há os que usam a literatura de cordel para rimar aventuras amorosas, denunciar corruptos, esquadrinhar a delinquência, e até como passatempo.
O mais importante na literatura de cordel é o eco fiel dos brasileiros, ainda que o meio pelo qual se expressam (penso na forma) seja elementar.
* Colaboração de Bruno Peron Loureiro, mestre em Estudos Latino-americanos pela Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM), para o Portal EcoDebate, 15/01/2015
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