Racionamento progressivo é alternativa para crises de água, diz Jussara Cabral Cruz, presidente da ABRH
A situação crítica dos reservatórios que abastecem a região sudeste do Brasil é uma oportunidade para a população refletir sobre seus hábitos de consumo de água e para os setores responsáveis pela gestão dos recursos hídricos aprofundarem suas estratégias conjuntas. Essa é a opinião de ao analisar a crise do abastecimento que atinge principalmente o estado de São Paulo.
A decisão da Sabesp de diminuir a pressão durante a noite na rede de distribuição de água para os moradores de São Paulo é a mais recente medida para racionalizar o consumo do produto que pode, no futuro, se tornar um artigo de luxo.
A decisão já faz muitos paulistanos se conscientizarem de que a água será um bem que não estará disponível em abundância e a qualquer hora do dia. Vários exemplos de moradores em diversas regiões da capital paulista mostram que muitas famílias já convivem com a falta do produto a partir das 17 horas.
A redução da pressão é a mais nova estratégia usada pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo para enfrentar uma crise que já afeta milhões de pessoas na capital e municípios do interior, dependentes do Sistema Cantareira, que chegou a seu nível crítico principalmente devido à seca prolongada. A Sabesp, evitando empregar o tema racionamento, anunciou que a diminuição da pressão na rede será permanente e visa diminuir o desperdício com vazamentos das tubulações.
Mas, para a presidente da Associação Brasileira de Recursos Hídricos, Jussara Cabral Cruz, a medida visando racionalizar a água tem um objetivo claro e deverá provocar novas mudanças no comportamento dos usuários do sistema.
“A redução de pressão durante à noite deixa muitas casas sem a água, ou mesmo por algumas horas, é uma espécie de racionamento”, afirma. “As pessoas vão ter que controlar a quantidade que recebem e adaptar ao uso pessoal, como reduzir o tempo de banho e gastar menos para lavar louça”, sugere.
Problemas climáticos
Para as autoridades paulistas, a origem do problema está na estiagem prolongada. A seca que atinge a região sudeste é apontada como o principal fator da queda do volume de água dos sistemas hídricos como o Cantareira, responsável pelo abastecimento de mais de 8 milhões de pessoas na capital e municípios vizinhos.
A presidente da ABRH alerta que a questão climática exerce influência e as mudanças que temos percebido nos últimos anos impõem novas prioridades para a gestão dos recursos hídricos.
“Existem evidências muito significativas de que pode estar havendo alterações do clima. Mas não podemos saber como elas se darão e em que medida. Se teremos mais secas ou mais cheias em determinado local. Temos que estar preparados para este tipo de estiagem e quem sabe, até pior. A probabilidade existe”, alerta.
“A meteorologia nos ajuda com alguns indicativos. Mas temos que ter estratégias para ampliar e ter segurança hídrica em termos de quantidade e qualidade. Para isso temos que melhorar a água dos mananciais e pensar no armazenamento, porque o período de chuvas não é contínuo durante o ano. O armazenamento é importante para a regularidade da entrega”, diz.
Jussara lembra que muitos sistemas no país foram projetados para uma demanda consumo de água que hoje está totalmente ultrapassada em relação à população e também para a atividade produtiva. Além de adaptar às demandas atuais, as autoridades responsáveis pela gestão de água deverão trabalhar cada vez mais com antecipações e alternativas para enfrentar situações adversas.
“Quando os eventos acontecem antes das previsões, a estratégia é ter parcimônia no uso, sem evitar frear a atividade produtiva e tentar aplicar economias de água progressivas, com planejamento”, defende Jussara.
Maior coordenação política
A situação da região sudeste traz à tona a questão da gestão dos recursos hídricos do país, conhecido por ter uma das maiores reservas de água doce do mundo, cerca de 12% do total do planeta.
Para a presidente da ABRH, uma das principais entidades que reúne técnicos e especialistas para atuar e influenciar na elaboração de políticas e estratégicas públicas, o Brasil tem, no papel, um bom sistema de gestão de seus recursos hídricos, especialmente com órgão reguladores como a ANA, a Agência Nacional de Águas.
Mas, segundo Jussara, é preciso avançar na coordenação política, o que exige tomada de decisões importantes para a população.“Nosso sistema, como concebido na lei é muito bom. Nosso problema é colocá-lo em prática. Ele nos conduz a uma nova cultura de gestão que não estávamos acostumados”, diz.
“A água passa por todos os setores da sociedade e é preciso que eles estejam sentados juntos. É necessário encontrar um consenso sobre critérios como a distribuição da água. Esse é um processo que exige um amadurecimento das entidades envolvidas. Para lidar com esse tipo de situação, é preciso a participação dos que têm poderes de decisão”, afirma Jussara.
“É preciso amadurecer o processo de todas as entidades criadas para a gestão dos sistemas dos recursos hídricos do país. É preciso ter uma boa discussão nos comitês para se estabelecerem critérios. Os comitês devem ter representantes da área técnica, da sociedade civil e de todos os setores envolvidos para que o estado, como tutor e gestor da água, chegue a um consenso comum. Esse conjunto precisa ser aperfeiçoado”, defende a presidente da ABRH.
Matéria da RFI, reproduzida pelo Portal EcoDebate, 14/11/2014
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Será preciso muito mais que gestão em cima dos desastres já cometidos. O problema maior é que estamos rompendo o “ciclo das águas brasileiras”, pela degradação da Amazônia (origem de grande parte das águas) e do Cerrado, fixador e distribuidor das águas. Aí entra o agronegócio, o desmatamento, a impermeabilização dos meios urbanos, a mudança climática global, assim por diante. Gerir apenas o que está posto, literalmente, é fazer rastro n’água.
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A redução da pressão tem o lado positivo e o lado negativo.
Sob o aspecto positivo, é inquestionável que reduz o consumo de água, imprescindível no momento em que São Paulo está vivendo.
Sob o aspecto negativo, deve-se considerar que é uma medida injusta do ponto de vista social, visto que afeta, principalmente aqueles que moram em locais mais elevados e/ou mais distantes dos reservatórios de distribuição. Grandes edifícios que se enquadram nessa situação, em geral, não são afetados, pois dispõem de reservatório subterrâneo, que acumula água, e de reservatório elevado, para o qual a água é bombeada, descendo para os apartamentos sem ser afetada pela redução de pressão na rede.
Há, ainda, um problema: como disse a Jussara, parte da população, ao invés de receber água com redução de pressão, fica sem água durante parte do dia. Isso faz com que a rede de distribuição nesses locais se transforme num foco de contaminação.
Por isso, quando a situação se normalizar, a redução de pressão, que está sendo praticada no momento crucial que São Paulo está vivendo, deve ser substituída, com lucro, por um programa intenso de substituição das tubulações antigas por tubulações novas, visto que as tubulações antigas, de ferro fundido ou ferro galvanizado, se encontram, em muitos casos, com grande quantidade de vazamentos.