Ambiente, consumo e vida em comunidade, artigo de Leonardo Vicente Rivetti
[EcoDebate] Às vezes da impressão de que fomos colocados no mundo só para saber como iremos nos comportar. Em muitos momentos fazemos uma porção de perguntas e quase sempre não encontramos as respostas. Ou melhor, verdadeiras respostas, não respostas que vagam pelo universo do que chamamos de senso comum, que às vezes nem é tão comum assim, mas que acabamos aceitando. Como se fossemos condicionados a viver com pouca razão, mas muito impulso.
Não se trata de pessimismo, pois o mundo é cheio de coisas boas e interessantes. Acontece que essas coisas nem sempre estão acessíveis para grande parte das pessoas. Sem contar aquelas que parecem viver e morrer pelas coisas mais banais. Se pararmos para pensar vamos chegar a conclusão de que grande parte daquilo que as pessoas estão atrás, ou seja, daquilo que desejam, trata-se de coisas materiais, coisas que elas possam dizer que as pertence. Claro, cada um vive da forma e para aquilo que lhe convém. Nada contra, mas a questão é:
O que houve com o valor do que é imaterial? Porque dar mais valor ao que tem uma vida útil ou uma validade, a um produto ou mercadoria, algo descartável em muitos casos?
Algumas pessoas dirão que se trata de necessidades materiais que complementam as necessidades imateriais, que são coisas que as pessoas precisam e tem o direito de possuir, já que são ofertadas. Mas essa resposta é lógica! E mais uma vez entramos no circulo vicioso e previsível do senso comum, já que parece que ele foi criado para resolver tudo, ter todas as respostas. Mas o que incomoda não é essa obsessão, essa compulsão das pessoas pelo que é material, mas sim a falta de equilíbrio no consumo. As pessoas parecem pensar cada vez menos no que estão fazendo ao adquirir alguma coisa, ao ato de comprar e em pouco tempo descartar um produto, uma embalagem, seja lá o que for.
A impressão é de que a banalização do consumo e a criação/invenção de necessidades tem feito com que o mundo em si acelere mais e mais. Nossa voracidade em consumir parece ter saído do controle. E pior, não vemos uma estabilização ou regressão desse movimento, pois as pessoas estão cada vez mais preocupadas em ter, possuir coisas, não importa se de fato aquilo é importante ou necessário. Muitos consomem apenas porque outras pessoas também consomem, como que seguindo um padrão, simplesmente copiando. É um verdadeiro “control c – control v” (copiar-colar) da vida real.
Mas o que tem feito com que as pessoas se comportem dessa forma? Onde esse padrão de consumo desenfreado poderá levar a humanidade e tudo aqui que existe e vive na Terra?
Essa pergunta é uma das que mais circulam no âmbito de estudos sobre temáticas do comportamento humano e das questões ambientais, essa última resumida pelo termo “sustentabilidade”, que de tanto utilizarmos para tudo acaba não nos dizendo quase nada. Evidentemente que sociólogos e antropólogos tenham respostas mais bem elaboradas sobre esses processos e comportamentos. Porém, admitindo que a resposta seja lógica, muitos ainda preferem ignorar e seguir nessa “onda” que parece não temer nenhum “quebra-mar”. E uma onda de consumo que parece invulnerável, como se ninguém pudesse detê-la.
Fazendo uma analogia não muito apropriada, tendo em vista a grandiosidade, generosidade e beleza dos oceanos, ainda sim me arriscarei: grosso modo, quem sustenta as ondas do mar são os ventos, que com sua energia sopram forte fazendo com que as águas se movimentem com grande rapidez e força. No caso do consumismo, quem o impulsiona é o capitalismo, um sistema controlador, concentrador de riquezas e explorador de todo tipo de recursos que imaginarmos, desde nossas fontes naturais até nossa própria energia, ou seja, nossa força de trabalho. As ondas do mar dependem dos ventos soprarem, pois trata-se de um fenômeno natural, estando envolvido em ciclos naturais vitais para a vida no planeta, inclusive para nós seres humano. Mas no caso do capitalismo quem o faz movimentar são as empresas e corporações, as mesmas que proporcionam um mercado cada vez maior e variado de produtos para que as pessoas, a qualquer custo, os consumam. Segundo especialista no assunto também se trata de um fenômeno, mas que neste caso não tem nada de natural, e muito menos ajuda a reger ciclos vitais de sustentação da vida. Ao contrário, usa e faz com que cada vez mais pessoas e recursos os ajudem a concentrar capital/renda para alguns (para poucos) e desigualdades, miséria, injustiças, entre outras mazelas (para muito) em sociedades pelo mundo.
Mas como isso acontece? Resumidamente: gerando cada vez mais produtos e impelindo as pessoas a consumirem. Com isso, gera-se cada vez mais resíduos, que os governos tentam esconder bem longe dos nossos olhos e a um custo altíssimo. Mas esse custo não é só financeiro, é também social e ambiental, já que se trata de um sistema excludente e extremamente degradador/poluidor. Por muitas vezes pagamos caro pelos produtos e ainda mais caro por seus rejeitos, que ainda são justificáveis frente ao pretexto do aumento dos investimentos em políticas de gerenciamento de resíduos. Gerenciar os resíduos é só uma parte do que deve ser feito para minimizar os impactos de nossas atividades, é preciso muito mais que isso, inclusive uma nova visão sobre nossos hábitos tanto de produção quanto de consumo.
Mas afinal, alguém pode deter essa onda? É possível mudarmos nossos padrões de produção e consumo? E por que mudarmos?
Pessoalmente acho que a resposta é uma só: sim. Mas ela depende de um fator essencial e só adquire sentido do momento que nós, seres humanos, conseguimos perceber a necessidade de construir um novo padrão de consumo e com isso transformar nossas bases produtivas. Ou seja, temos de providenciar nossos “dicks” ou barreiras para que possamos deter toda voracidade dessa onda que mais parece uma tsunami. Com isso mudar a realidade em que vivemos e direcionar nossa trajetória para um curso mais próspero e com bases no bem-estar de todos. Nossos padrões de produção e consumo obedecem diretamente ao que determinamos. Nós escolhemos como os queremos que sejam. É bem fácil, pois, se consumimos muito, temos de produzir muito; se consumimos mais, temos de produzir mais e com isso lançar mão de mais recursos naturais ou artificiais, finitos ou renováveis. Ou seja, nós determinamos a velocidade das coisas, nós escolhemos o tipo de vida que queremos levar e o futuro que queremos construir.
Mas o que isso tem a ver com as perguntas e respostas, senso comum, sobre a vida, etc?
Já que estamos falando de comportamento, consumo, meio ambiente e da vida em si, voltando ao início do texto podemos resgatar a questão de darmos mais importância ao que não é material. Acontece que nossa maior riqueza e patrimônio estão exatamente entre o que é material e o imaterial. Parece difícil imaginar isso, mas é simples. É relativamente fácil para o homem medir, calcular e dar valor ao que é material, em especial àquilo que podemos produzir ou fabricar. Com isso consumimos mais e mais, pois sempre estamos (re)produzindo. Por outro lado, é bem difícil (digo bem difícil, pois para muitos não é impossível, a exemplo das artes que, de certa forma, conseguem expressar em certo grau o que pensamos, sentimos ou percebemos) materializarmos um sentimento, uma sensação, um momento de contemplação ou de bem-estar.
Um exemplo: podemos fazer uso de recursos madeireiros, minerais e de toda biodiversidade ao nosso alcance, mas nem sempre poderemos desfrutar de momentos puramente ligados aos sentidos e sentimentos, tendo em vista nossa incapacidade de determinar quando e quais sentimentos e ou sensações queremos vivenciar. Assim, podemos dizer que a Vida se faz exatamente entre o material e o imaterial, pois ao mesmo tempo que usufruímos daquilo que podemos tocar ou mesmo tomar posse, não podemos nos apropriar dos sentimentos, das sensações, dos momentos de contemplação e de toda beleza que nosso planeta e nossas relações interpessoais nos oferecem. Podemos considerar ainda no campo do imaterial nossas aspirações culturais e espirituais que fazem parte de nossas vidas e ajudam a constituir nosso patrimônio imaterial ou intangível.
Como então podemos vivenciar como um todo nossa existência entre o material e o imaterial?
Bom, eu diria que este é um assunto para escritores e ilustres mestres do pensamento, tendo em vista a profundidade que o assunto nos exige em toda sua complexidade. Mas se aceitarmos que a vida está entre esses dois momentos, espaços e ou tempos (material e imaterial), acho que a resposta seria através da busca por certo equilíbrio ou do bom senso com relação às nossas atitudes. O certo é que temos duas possibilidades: consumir tudo que pudermos e vivermos todas as sensações enquanto for possível, sem pensar em longo prazo e no futuro de nossas gerações. Ou então, vivermos com mais sensibilidade, desfrutando de tudo que a vida tem a nos oferecer e deixar um legado de prosperidade para nossas gerações, nos aperfeiçoando e vivendo com maior gratidão e respeito por tudo que precisa viver nesse único e incrível planeta que compartilhamos.
Talvez, até então, só tenhamos um único planeta onde podemos viver justamente para que nós um dia venhamos a entender que só precisamos dele e ele de nós, pois, em essência, somos um só, em uma só comunidade, vivendo e apreendendo a viver a cada dia.
Leonardo Rivetti
Graduado em Licenciatura em Ciências Agrícolas – UFRRJ e Mestre em agroecologia e Desenvolvimento Rural – UFSCar. Atua na área das ciências agrárias, com ênfase em extensão rural, agroecologia e processos de transição na agricultura.
Publicado no Portal EcoDebate, 13/11/2014
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