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Artigo

O pós-2014, artigo de Montserrat Martins

 

opinião

 

[EcoDebate] Há curiosidades, detalhes históricos, que mostram que as coisas são mais complexas do que parecem, no discurso político habitual. Algumas delas estão no livro “O Lado B dos Candidatos”. Por exemplo, Dilma é a candidata de Lula e este se considera um novo Getúlio, mas a coincidência é que em 1954, quando Getúlio agonizava quem estava ao lado dele e foi socorrê-lo, ao lado de sua filha Alzira, foi Tancredo Neves, avô de Aécio.

No pós-64, se forjaram líderes da oposição, com seu auge político em 1984 no movimento Diretas Já. Lançado enfim Tancredo como representante das oposições em 1984, Lula se negou a apoiar, eleição da qual Tancredo não chegou a ser empossado, pois quem assumiu foi Sarney, ex-desafeto e atual aliado de Lula. Agora, em outubro 2014, Lula lembra Getúlio em discursos enquanto sua tutelada disputa contra o neto de Tancredo.

Curiosidades dos últimos 60 anos, estranhamente mais radicalizados nos anos de final 4, que fica aqui na conta das coincidências porque não vamos enveredar para a numerologia (para uma corrente do Tarot, registre-se apenas, o 4 simboliza o poder). O fato é que nada voltará a ser como antes depois de 2014, seja quem vencer nas urnas, pois termos um país dividido como nunca se via desde 1954 (pró ou contra Getúlio) ou 1964 (pró ou contra os militares). Sendo as eleições mais disputadas dos últimos 20 anos, tanto no primeiro quanto no segundo turnos, o discurso político foi radicalizado como nunca. Os oposicionistas falaram em corrupção numa intensidade maior e o governo tachou os adversários de inimigos do povo, num discurso à La Chavez dos “pobres contra os ricos” (em qual grupo ficaria o Lulinha?), daí o novo adjetivo político de “chavista”.

Considerando que os dois lados tem munição e armas de nova geração, os estragos são grandes. A grande mídia noticia a corrupção e o governo se defende dizendo que esta só aparece porque não está sendo ‘engavetada’. Por outro lado, há uma extensa rede com cerca de pelo menos 20 mil blogs “alternativos”, entre simpatizantes e/ou recebedores de apoio governamental. Os milhares de blogs governistas prestaram serviços relevantes à “desconstrução” de adversários políticos, nos dois turnos. O resultado dessa guerra de “memes” anti-governo x anti-oposição é que o desgaste atinge a todos e um fosso foi cavado entre os dois lados. De cada lado do fosso está pelo menos metade do país, considerando que as propagandas “anti” estimularam a ódios recíprocos.

Em 1984 houve convergências suficientes na sociedade para conduzirem ao fim da era militar, em 2002 o então presidente FHC confirmava que passaria a faixa a Lula, como de fato fez, em ambiente cordial. Após combater o plano real em eleições passadas, em 2002 Lula se comprometera com a estabilidade. Foram épocas de consensos sobre a necessidade de renovação política, de mudanças necessárias. Após 2014 qualquer que seja o governo eleito, governará um país dividido, de norte a sul, entre governo e oposição. Uma prova disso é que –ao contrário de todos os debates petistas versus tucanos dos últimos 20 anos – os desse ano não se centraram no dilema modelo econômico estatizante ou privatizações. A pauta do segundo turno gerou em torno de programas sociais que ambos juram defender e ampliar, democracia e luta contra a corrupção que ambos também juram implementar.

Luiz Eduardo Soares, em seu artigo “conversa de segundo turno”, mostrou a semelhança de promessas e os limites das propostas. Dessa vez não se falou em combater o desmatamento, pois grandes desmatadores patrocinam as campanhas. Soares responde, para seus amigos governistas, com uma questão: onde a diferença, se os programas sociais serão mantidos e a estabilidade econômica também? Para a História, no pós-2014 as diferenças estão mais na retórica maniqueísta que em diferenças no modelo econômico do novo governo.

Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.

 

Publicado no Portal EcoDebate, 24/10/2014


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7 thoughts on “O pós-2014, artigo de Montserrat Martins

  • Bruno Versiani

    Excelente artigo. Parabéns.

    Os candidatos (incluindo também a Marina) perderam dezenas de horas de propaganda gratuita e embates nas grandes redes de TV focando em um ínfimo punhado de questões (digo ínfimo diante da complexidade da sociedade brasileira): gastaram 90% do seu tempo em ataques, bolsa família, programa mais médicos e segurança. Não discutiram praticamenta NADA além disso.

    Vou citar uma pequena lista de dez aspectos cruciais que não foram sequer (ou muito pouco) tocados: política externa, incentivos à ciência e tecnologia, política cambial, política ambiental, pacto federativo, sistema tributário (o imposto sobre produtos no Brasil lesa o mais pobre), malha viária, políticas de matriz energética, política indigenista, marco regulatório da imprensa, etc, etc

    Poderia extender a lista para mais de vinte, mas os candidatos ficam exaustivamente repisando dois ou três temas.

    Quem perde é o povo, com o discurso pré-campanha empobrecido.

  • adir de jesus cardoso

    Prezado Montserrat. Brilhante exposição. Até por isso, e outras particularidades, não voto branco nem anulo. É minha única arma democrática que possuo. E só tenho uma bala. Não posso desperdiçá-la. Não temos cultura para utilizar a reeleição. Quem sabe um dia? Voto no menos pior para o Brasil. Voto Aécio pela alternância de poder. Abraços.

  • Pois é, temos a disputa entre o roto e o rasgado este domingo.

  • Agora depois de ler o comentário do Bruno:

    O grande problema é que os candidatos, em sua maioria, nem pensaram nesses temas. O Ecodebate fez um trabalho maravilhoso nestas eleições, com os textos discutindo os detalhes dos programas de governo em diversos temas. Mas qual era a frase mais repetida? “Este tema não foi tratado no plano de governo do candidato”.

    Fora a grande vontade de ser pastel, de nunca falar nada polêmico, e assim, todos acabam ficando iguais, e quem quer alguma mudança no que já existe.

    Que tal um governo que defende realmente acabar com o desmatamento, reflorestar as áreas de APP com uso de estímulos financeiros para produtores rurais inclusive, demarcar corretamente as áreas indígenas E dar autonomia aos indígenas para aproveitá-las, investir em ciência e pesquisa, diminuir e centralizar as barreiras burocráticas tanto para a pesquisa quanto ao empreendedorismo, e ter um governo em que a vida pessoal fosse justamente isso, pessoal, e as leis deixassem as pessoas a levarem como bem entenderem, restritas por normas religiosas só quando escolheram seguir essa religião… bem, se alguém tivesse essas propostas, votaria na pessoa, mas embora talvez essas coisas não sejam polêmicas aqui, elas são polêmicas na sociedade em geral, e portanto, ninguém se compromete com coisas assim.

    Esse artigo está com um grande número de comentaristas que vão votar no Aécio, pois também vou com este roto, porque a rasgada do outro lado acabou de demonstrar que prefere dar uma banana para os direitos humanos com a MP 657, que dá poderes a delegados de chefiarem toda a polícia federal, inclusive unidades de criminalística, e assim poderem descartar Laudos que não lhes interessem. É uma razão pessoal, mas da pouca diferença entre os dois, qualquer tom a mais de marrom importa.

  • Sabe, adair de jesus cardoso, para se falar de um país capitalista com propriedade, deve-se falar de diversos países, tendo em vista as diferentes condições de vida e de oportunidades de que dispõem as diferentes classes sociais. Se o candidato Aécio é “o menos pior” para o seu Brasil, tenha certeza, Adair, não o será para a maioria do eleitorado brasileiro, que compõe as camadas mais sofridas do povo brasileiro.

  • Também meu voto vai para Aécio, pela alternância no poder. Viva a democracia!

  • Jeannine Mallmann

    Arquiteta e Urbanista.

Fechado para comentários.