A propaganda mente, artigo de Efraim Rodrigues
[EcoDebate] Se eu disser que o mundo da publicidade é mentiroso, é uma coisa. Como sempre, meus dois leitores vão aplaudir, outros poucos vão criticar. Quem sabe até ganhe um processo, já aconteceu.
Outra coisa é o astro Jerry Seinfeld detonar com o mundo da publicidade na entrega do Clio, o Nobel da propaganda, tendo de platéia os maiores nomes mundiais da área.
“Penso que gastar sua vida tentando arrancar o dinheiro duramente ganho de gente inocente para comprar produtos e serviços inúteis, enganosos e de baixa qualidade é um excelente uso de sua energia.”
O texto brilhante toca em todas mazelas da propaganda, e recomendo você ler a íntegra dele em Português que coloquei abaixo.
Meu primeiro pensamento foi que Seinfeld estava jogando para a platéia, já que ganha muito anunciando cartões de crédito e automóveis, e não o faz exatamente para viver, pois seu antigo seriado Seinfeld ainda rende 32 milhões de dólares/ano. Uma quantia que deveria servir para pagar as contas e ser um pouco seletivo com as propostas de trabalho.
Mas logo depois me ocorreu que é muito mais importante ouvir isto de um “desertor” que da boca de um crítico de primeira hora.
Há alguns anos, por exemplo, Annie Leonard fez um pequeno e brilhante vídeo “A história das coisas”. Como quase tudo que é bom, teve pequena repercussão. É fácil “enquadrar” pessoas como ambientalistas radicais e rapidamente desconsiderar seu discurso. Ouve-se mais quando alguém crítica seu próprio meio de vida.
Talvez estejamos todos errados, Seinfeld, Leonard e eu também. Talvez as pessoas queiram, até precisem ser enganadas. Precisamos da ilusão de que bens materiais, caros ou baratos, possam trazer alguma felicidade porque é inaceitável a realidade que para manter seu sedentarismo e obesidade, um décimo da população está acabando com o planeta todo.
A insustentabilidade é gritante e pagaremos a conta seja com o aquecimento global seja com as multidões de infectados da África ou da Ásia que darão um fim, talvez nada digno, a este estilo de vida perdulário e bobo.
Mas você pode facilmente esquecer tudo isto alegando que sou um radical.
A íntegra do discurso de Seinfeld, em tradução rápida
Estou animado por ganhar isso. Este é o prêmio que dão quando eles não acham que você pode realmente ganhar um, mas acho que fiz um bom trabalho e parece ter sido por algum tempo, e é assim que eu ganhei.
Eu gostaria de agradecer a Ogilvy e Mather e American Express por colocar-me neste negócio. Essa foi a primeira vez que fiz isso. Gostaria de agradecer ao meu empresário George Shapiro, minha incrível esposa Jessica e Ammirati por me manter indo.
Adoro publicidade, porque eu amo mentir.
Na publicidade, tudo é do jeito que você gostaria que fosse. Eu não me importo que ele realmente não vai ser como quando eu realmente obtiver o produto que está sendo anunciado porque, entre ver o comercial e possuir a coisa, eu sou feliz, e isso é tudo que quero. Diga-me quão incrível a coisa vai ser. Eu amo isso.
Eu não preciso ser feliz o tempo todo. Eu só quero aproveitar o comercial. Eu só quero ter a coisa. Sabemos que o produto vai feder. Nós sabemos disso. Porque nós vivemos no mundo, e nós sabemos que tudo fede. Nós todos acreditamos, hei, talvez este não vá feder. Somos uma espécie esperançosa. Estúpida, mas esperançosa.
Mas estamos felizes naquele momento entre o comercial e a compra, e penso que gastar sua vida tentando arrancar o dinheiro duramente ganho de gente inocente para comprar produtos e serviços inúteis, enganosos e de baixa qualidade é um excelente uso de sua energia..
Porque um breve momento de felicidade é muito bom. Eu também acho que apenas se concentrar em ganhar dinheiro e comprar coisas estúpidas é um bom modo de vida. Acredito que o materialismo é injustiçado. Não é sobre a quantidade de dinheiro. Nada melhor do que uma caneta Bic, um Fusca, ou um par de calças Levi. Se as suas coisas não te fazem feliz, você não está tendo as coisas certas. Isso tudo vai estar no meu novo livro, Materialismo espiritual, que está em fase de planejamento neste momento.
Eu sempre quis ganhar um Clio. Eu não sei muito sobre ele, mas eu sei que é um bom prêmio, pois em 1991, eles erraram toda esta apresentação, e havia um monte de prêmios que sobraram, e todas essas pessoas de publicidade aqui subiram no palco e pegaram o seu.
Então, para mim isso significa alguma coisa. Isso realmente aconteceu, e é minha entrega favorita de prêmio porque foi muito honesto. As pessoas simplesmente disseram, eu quero um Clio caramba, e eles vieram pegar. E é por isso que estou feliz agora. Eu tenho o meu. Eu realmente não ganhei, mas eu o tenho. E amanhã não sei onde é que isto vai estar. Vai estar em algum lugar. Talvez eu esteja morto. Alguém vai ficar com ele ou vendê-lo ou jogá-lo fora. Isso é bom. Estou feliz agora. Da mesma forma que os executivos estavam em 1991, quando eles correram para esta palco e pegara os troféus que não eram deles. Mas isso melhorou suas carreiras falsas e vidas sem sentido.
Então, obrigado a todos por esta grande honra e toda a sua grande obra. Espero que isso te faça feliz como você me fez feliz por cinco minutos da minha vida, que vai durar até eu chegar à beirada deste palco, e me ocorrer que tudo isso foi um monte de bobagens. Obrigado, e tenham uma excelente noite.
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Efraim Rodrigues, Ph.D. (efraim@efraim.com.br), Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor pela Universidade de Harvard, Professor Associado de Recursos Naturais da Universidade Estadual de Londrina, consultor do programa FODEPAL da FAO-ONU, autor dos livros Biologia da Conservação e Histórias Impublicáveis sobre trabalhos acadêmicos e seus autores. Também ajuda escolas do Vale do Paraíba-SP, Brasília-DF, Curitiba e Londrina-PR a transformar lixo de cozinha em adubo orgânico e a coletar água da chuva. É professor visitante da UFPR, PUC-PR, UNEB – Paulo Afonso e Duke – EUA
http://ambienteporinteiro-efraim.blogspot.com/
Publicado no Portal EcoDebate, 14/10/2014
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