O Dividendo Demográfico do Brasil, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
O Dividendo Demográfico do Brasil, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] O fenômeno da transição demográfica é um dos fatos sociais mais importantes de toda a história humana. Até recentemente, prevalecia no mundo em todos os tempos, altas taxas de mortalidade que ceifavam precocemente as vidas, especialmente das crianças. Para se contrapor a esta tragédia, as taxas de fecundidade também tinham de ser altas. Porém, esta realidade começou a mudar a partir do século XIX na Europa, Estados Unidos e Oceania. O restante do mundo seguiu na transição no século XX.
No Brasil, as taxas de mortalidade infantil começaram a cair de forma rápida e consistente a partir do fim da Segunda Guerra Mundial. Vinte anos depois teve início a transição da fecundidade. A taxa de mortalidade infantil caiu de 135 por mil em 1950 para 15 por mil em 2010, enquanto a esperança de vida ao nascer passou de 50 anos em 1950 para 73 anos em 2010. O número de nascimentos nas famílias permaneceu elevado e acima de 6 filhos por mulher até meados da década de 1960, iniciando a partir daí um expressivo movimento de declínio, atingindo a taxa de 1,9 filho por mulher, segundo o censo demográfico de 2010.
Todo país que passa pela transição demográfica experimenta, necessariamente, uma transformação da sua estrutura etária. Num primeiro momento, a base da pirâmide populacional se estreita, enquanto aumenta o peso relativo da população adulta. Num segundo momento, após décadas de transformação da estrutura de idade, há um crescimento, absoluto e relativo, da população idosa. As mudanças no formato da pirâmide populacional geram alterações na razão de dependência demográfica entre os grupos predominantemente consumidores e os majoritariamente produtores.
Considerando a razão de dependência demográfica para o Brasil no período de 1950 a 2100, nota-se que entre 1950 e 1970 houve aumento da percentagem de crianças (0-14 anos) em relação à população adulta (15-64 anos), elevando também a razão de dependência total. Em 1970, havia cerca de 90 pessoas dependentes para cada 100 pessoas em idade de trabalhar. Mas em função da queda da fecundidade, a razão de dependência total veio caindo consistentemente e deve atingir o seu ponto mais baixo (44 pessoas dependentes para cada 100 pessoas em idade produtiva) no quinquênio 2020-25.
Ou seja, em meados do século passado, havia quase uma pessoa dependente para uma pessoa em idade de trabalhar, mas esta relação caiu pela metade, devendo ficar abaixo de 50% entre 2010 e 2030. Isto quer dizer que a carga econômica da dependência demográfica se reduziu bastante, possibilitando o aumento da renda per capita e a elevação da capacidade de poupança, tanto das famílias como em nível agregado. Maiores taxas de poupança – em termos micro e macroeconômicos – significam a possibilidade de maiores investimentos em capital humano e de incremento da taxa bruta de capital fixo.
Este fenômeno único e fundamental para a decolagem do desenvolvimento é chamado de “dividendo demográfico” ou “bônus demográfico” ou “Janela de Oportunidade Demográfica”.
Trata-se de uma “janela de oportunidade” que requer políticas econômicas adequadas para que a demografia possa ser colocada a serviço do desenvolvimento econômico e social, do bem-estar da população e do cuidado com o meio ambiente.
O Dividendo Demográfico é, portanto, um fenômeno que ocorre em um período de tempo no qual a estrutura etária da população apresenta menores razões de dependência (baixa proporção de crianças, adolescentes e idosos) e maiores percentuais de população em idade economicamente ativa, possibilitando que as condições demográficas atuem no sentido de incrementar a qualidade de vida e reduzir os níveis de pobreza e desigualdade.
Todavia, o dividendo demográfico é um fenômeno temporário e requer condições macroeconômicas adequadas, especialmente investimentos em educação de qualidade, saúde e trabalho decente. Nos anos 1980 – a chamada década perdida – o Brasil desperdiçou o início do bônus demográfico devido à crise econômica que aumentou o desemprego, reduziu a renda e não criou oportunidades educacionais para os jovens. Nos anos 90, a economia cresceu e as condições sociais melhoraram, mas em ritmo insuficiente para utilizar todo o potencial da estrutura etária. O melhor aproveitamento do bônus demográfico brasileiro aconteceu no quinquênio 2004-2008, quando houve crescimento da renda, redução da pobreza, do desemprego e das desigualdades sociais e regionais. Mas após a recessão de 2009, o desempenho da economia brasileira ficou abaixo do esperado e aquém de suas potencialidades.
Portanto, o Brasil já perdeu o melhor momento para colher o dividendo demográfico, erradicar a pobreza e investir em infraestrutura econômica e social. Uma crise econômica internacional pode ocorrer em um futuro não muito distante, quanto o país vai ter que conviver com a diminuição do número de pessoas economicamente ativas e o aumento da população idosa, especialmente aquela acima de 80 anos, que requer muitos gastos com saúde e cuidado individual.
Vai ser difícil o Brasil conseguir uma outra condição favorável, antes do envelhecimento populacional e antes da subida da razão de dependência demográfica.
Referências:
ALVES , J. E. D. O Bônus Demográfico e o crescimento econômico no Brasil. Rio de Janeiro, Aparte, Inclusão Social em Debate, IE-UFRJ, 06/12/2004.
ALVES, J. E. D., BRUNO, M. A. P. População e crescimento econômico de longo prazo no Brasil: como aproveitar a janela de oportunidade demográfica? In: XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 2006, Caxambu. Anais do XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Campinas: ABEP, 2006.
ALVES, J. E. D., VASCONCELOS, D. CARVALHO, A.A., Estrutura etária, bônus demográfico e população economicamente ativa: cenários de longo prazo e suas implicações para o mercado de trabalho. Texto para Discussão, 10, Cepal/IPEA, Brasília, pp. 1-38, 2010.
ALVES , J. E. D. A Janela de Oportunidade Demográfica do Brasil, Revista Coletiva, FUNDAJ, Recife, jan a abr 2014
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 12/09/2014
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Seria interessante se estudos fossem realizados com o objetivo de saber as consequências sociais, econômicas, ambientais, etc., caso a reprodução humana fosse totalmente interrompida, a partir de agora: a) durante 10 anos; b) durante 20 anos; c) durante 30 anos.
É evidente que se trata de um exercício teórico, visto que é absolutamente impossível que tais acontecimentos ocorram na prática.
Valdeci,
Caso a reprodução humana fosse interrompida durante vinte anos, aconteceria o segiunte:
Dentro de uns 15 anos iniciaria um período de 20 anos em que não haveriam pessoas entrando no mercado de trabalho.
Ou seja, após algum tempo, a razão entre o número de pessoas produtoras e o número de pessoas apenas consumidoras cairia para patamares insustentáveis.
Na década de setenta, a guerra do Vietnan se estendeu ao Camboja. Foram então mortas todas as crianças de zero à quatro anos.
Passados 14 anos, iniciou-se um período em que não havia nenhum jovem para se alistar no exército.