As eleições de 2014 e o poder das balzaquianas, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] O Brasil vive um paradoxo de gênero na política. Somos uma das poucas nações do mundo que possui uma mulher na Presidência da República, mas o país está na lanterninha global do ranking de participação política parlamentar. Nas eleições de 2014, mesmo com poucas chances de mudar o déficit de gênero na Câmara dos Deputados e nas Assembleias Legislativas, as mulheres podem polarizar a disputa pelo cargo máximo do Poder Executivo.
Existem diversas conquistas apesar do passado patriarcal. Na maior parte da história brasileira as mulheres não tinham o direito de votar e serem votadas para os diversos cargos do poder político. Embora o movimento sufragista tenha raízes no século XIX, a conquista do voto feminino só aconteceu em 24 de fevereiro de 1932. E naquela época os homens eram maioria da população e do eleitorado, pois a maior parte das mulheres eram analfabetas e não podiam votar.
Todavia, nas décadas seguintes, o empoderamento das mulheres, a entrada massiva em todos os níveis educacionais, o processo de despatriarcalização e o alistamento eleitoral ocorreram de forma firme e constante. Em 1974, 42 anos depois da conquista do direito de voto, as mulheres já eram maioria da população, porém os homens ainda superavam as mulheres em cerca de 10 milhões de votantes. Em 1998, houve empate no eleitorado. Nas eleições do ano 2000 as mulheres superaram os homens no número de eleitores registrados. Nos anos seguintes, as mulheres ampliaram o superávit feminino no registro eleitoral e ultrapassaram os homens em 6 milhões de potenciais eleitores (dados de fevereiro de 2014).
Em 1992, as mulheres eram 49,2% do eleitorado brasileiro e perdiam para os homens em todos os grupos etários. Nas eleições de 2014, as mulheres são 52,1% do eleitorado e ganham dos homens em todas as faixas de idade.
Nas idades compreendidas entre 16 e 24 anos os homens são maioria da população. Mesmo assim, surpreendentemente, as mulheres adolescentes de 16 e 17 anos, mesmo com voto facultativo, superaram os rapazes adolescentes. No grupo etário 18-24 anos, há praticamente empate no eleitorado. No grupo 25-29 anos as mulheres são 51% dos eleitores.
Mas a vantagem feminina aumenta depois dos 30 anos. As chamadas balzaquianas (mulheres maduras com mais de 30 anos) somam mais de 53 milhões de eleitoras em 2014, enquanto os homens com 30 anos e mais são cerca de 48 milhões. Ou seja, do superávit total de 6 milhões de eleitoras, 5,3 milhões encontram-se acima de 30 anos. O grupo de mulheres balzaquianas constituem 38% do eleitorado total, enquanto os homens da mesma faixa etária são 34% do eleitorado.
Entre a população idosa (60 anos e +), as mulheres são cerca de 55% dos eleitores inscritos. Como a população brasileira encontra-se em rápido processo de envelhecimento, a tendência é que o superávit feminino na população e no eleitorado tenda a crescer nas próximas décadas.
Nas eleições presidenciais de 2010, Dilma Rousseff teve mais votos de homens do que de mulheres e Marina Silva, o contrário. Nas pesquisas de opinião pública em 2014, ainda não está claro as tendências. O certo é que há maior número de mulheres que não definiram o voto ou apresentam intenção de voto nulo ou branco. O descontentamento feminino com a política é maior do que o masculino.
Para a eleição da Câmara de Deputados e das Assembleias Legislativas as nominatas dos partidos ficaram no limite dos 30% da política de cotas. Dados do TSE, de 23 de agosto de 2014, mostram que no total havia 18.000 homens candidatos (69%) nas eleições gerais de 2014 e 8.106 mulheres (31%). Houve um avanço expressivo no número de mulheres candidatas que eram somente 786 (7%) em 1994. Houve crescimento de 10 vezes entre 1994 e 2014. Porém, muitas agremiações completaram a lista com candidatas laranjas e o percentual de mulheres aptas na disputa ficou abaixo do que o estipulado nas cotas de gênero, sendo candidaturas aptas (em 23/08/2014) 15.361 homens (71.2%) e 6.205 mulheres (28,8%).
Para reduzir substancialmente a desigualdade de gênero na representação parlamentar e no Executivo será preciso fazer uma reforma política e uma democratização dos partidos. Mas se as mulheres, que são maioria do eleitorado se unirem podem conquistar muitas vitórias. Numa eleição disputada, os 5,3 milhões de votos – que representam o superávit de mulheres no eleitorado com mais de 30 anos – podem ser decisivos. A força eleitoral das mulheres é cada vez maior.
Devido às candidaturas laranjas e o baixo apoio dos partidos, tudo indica que o número de mulheres eleitas em 2014 para a Câmara dos Deputados permanecerá abaixo de 10% (enquanto a média mundial é de 23% e alguns países estão próximos da paridade de gênero). Mas ao mesmo tempo o Brasil pode ter duas mulheres disputando o segundo turno das eleições presidenciais. A morte de Eduardo Campos foi mais um capítulo trágico dos alarmantes índices de mortes violentas (causas não naturais) que atingem principalmente os homens no Brasil e que, inesperadamente, pode fazer as mulheres protagonizarem as eleições presidenciais, mesmo elas estando em minoria nos espaços de representação parlamentar.
No Chile houve disputa entre duas mulheres no segundo turno das eleições de 2013 e Michelle Bachelet foi eleita para o seu segundo mandato não consecutivo. Se Dilma e Marina forem para a rodada de 26 de outubro de 2014, as mulheres brasileiras também terão 100% dos votos válidos, fato inédito na história do país. Duas mulheres balzaquianas com fortes chances de vitória para a Presidência da República pode ajudar a mudar o déficit democrático de gênero do Brasil e acabar de vez com o mito de que o eleitor não vota em mulher.
Mas, evidentemente, os problemas do país vão muito além das desigualdades entre homens e mulheres. Reduzir as iniquidades de gênero é apenas um pequeno passo para se reduzir outros tipos de iniquidades sociais. Diminuir a exclusão feminina da política é uma condição necessária – mas não suficiente – para se construir uma sociedade mais justa, com inclusão social para todas as pessoas e com respeito aos direitos da natureza e das demais espécies.
Referências:
ALVES, JED, PINTO, CRJ, JORDÃO, F. (orgs). Mulheres nas eleições 2010. ABCP/SPM, SP, 2012, 520 p.
ALVES, JED. Mulheres brasileiras perdem posição relativa na política mundial, IPG, SP, 28/04/2014
ALVES, JED. Mulheres na Política e Equidade de Gênero, SCRIBD, 14/05/2014
Senador Aníbal Diniz: projeto que amplia participação política das mulheres, Plenário, 05/05/2014
Conexão TV Futura: Desigualdades de gênero na política
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 27/08/2014
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Que todos os homens se afastem da política, não apena no Brasil, mas em todos os países capitalistas do planeta Terra, e que o capitalismo continue sua incessante luta em busca do desenvolvimento econômico: que se poderá esperar dessa mudança? Respondo: se alguma coisa diferente acontecer, certamente não beneficiará as espécies vivas nem o meio ambiente.
Devemos compreender que a “evolução”
social da espécie humana, diferentemente da evolução biológica, científica e tecnológica, não poderia ser mais danosa à própria espécie humana e a todas as espécies, do que foi.