Gestão ambiental de terras indígenas, um pouco do Acre e os retrocessos das políticas indígena e ambiental brasileiras, artigo de Roberta Graf
Gestão ambiental de terras indígenas, um pouco do Acre
e os retrocessos das políticas indígena e ambiental brasileiras
Roberta Graf
Texto-base da fala na Mesa-Redonda da 66ª. SBPC, em Rio Branco, na UFAC, dia 24/07/2014:
“Políticas públicas, comunidades tradicionais e a questão da sustentabilidade (ABA)”
(Revisto e finalizado em 22 de agosto de 2014)
Prefácio
Este é apenas um breve artigo nada científico, sem revisão bibliográfica e, por vezes, coloquial, relatando um pouco da minha experiência em gestão ambiental de terras indígenas no Acre, suas potencialidades, mas em confronto com os desmontes atuais, em curso e propostos, às políticas indígena e ambiental, que tenho acompanhado de perto, com muita preocupação.
Deixo claro, de início, uma vez que citarei partidos ao longo do texto, que eu não possuo filiação partidária e nem tenho nada contra partido algum, especificamente. Apenas aponto, como outros analistas, que o curso das políticas (ou a falta delas) ambiental e indígena vai mal, como não víamos desde a ditadura militar – em alguns pontos vemos retrocessos até em relação a esta época! E o retrocesso é suprapartidário, ou seja, composto de vários partidos, especialmente composto pelo setor ruralista (aliado ao de agrotóxicos e transgênicos) e das empreiteiras, entre outros. Mas esta não é uma dura realidade só brasileira. O mundo todo em seu capitalismo selvagem expansionista tem sido, em sua maioria de governos e nos órgãos mundiais, cego-surdo-mudo pra estas questões. Há países melhores e piores, e o Brasil infelizmente encontra-se no segundo grupo, há muito o que melhorar e que cuidar para não desabar ainda mais.
Agradeço imensamente o convite da Profa. Dra. Andreia Martini e o endosso da ABA por esta fala na reunião da SBPC, que por sinal foi de ótima qualidade em todos os aspectos, contando inclusive com uma sessão especial intitulada “SBPC Indígena”, por esforço do Prof. Jacó Cesar Piccoli da UFAC, e outra “SBPC Extrativista”, por esforço do PZ / UFAC (e colaboradores). A SBPC indígena particularmente foi extremamente exitosa, com indígenas de todo o Brasil e América Latina, grandes personalidades, palestras, feiras de artesanato indígena, apresentações culturais e sessões espirituais (xamânicas, ou de pajelança, como eles preferem chamar). Os indígenas puderam, na ocasião, fazer intercâmbios e assembleias do seu movimento social, bem como apresentaram uns aos outros os 2 candidatos indígenas do Acre, um a deputado estadual e um a federal,1 o que é de grande importância já que o Acre não teve, até hoje, um deputado indígena, e possui pouquíssimos vereadores indígenas.
Embora meu nome, na programação, tenha vindo como “Ibama”, instituição em que trabalhei até o mês passado,2 eu não estou apresentei em nome do Instituto, mas sim como pesquisadora independente, embora descreva, brevemente, um programa do Ibama deveras exitoso junto aos indígenas que liderei no Acre, com muito prazer, até que ele foi extinto, um dos muitos, no contexto de “enxugamento” do Ibama.
Minha formação é de gestão e política ambiental, tendo doutorado pela Unicamp. Em minha trajetória passei por temas como epistemologia científica e tecnológica, um pouco de antropologia, gestão ambiental de resíduos sólidos, educação ambiental e ética ambiental. No Ibama tive a oportunidade de coordenar o Programa de Agentes Ambientais Voluntários (PAAV), com sucesso de 2006 a 2010 (e desacelerando em 2011 e 2012, por corte de recursos a zero), no qual formava e apoiava populações tradicionais e afins3 na gestão ambiental de seus territórios, incluindo os indígenas. Com estes o Programa foi mais exitoso, pois eles tiveram bastante seriedade e apreço por ele, sem dúvida por já praticarem, historicamente, a defesa e gestão de seus territórios com afinco. E então iniciou-se uma fortuita cooperação profissional. Mesmo findo o Programa, eu segui me interessando pela temática de gestão ambiental de terras indígenas (GATI) e política indígena, um tanto por gosto particular (ensaio até um pós-doutorado no tema), e outro tanto para prestar apoio às associações indígenas em seu movimento social.
Assim, esse artigo é uma panorâmica do cenário atual preocupante das questões indígenas e ambientais no Brasil. Eu, como servidora pública de um órgão (Ibama) e setor que, hoje, não pratica quase nenhuma educação ambiental ou agenda positiva junto à sociedade (mas sim comando e controle), me vejo totalmente sem tempo para atuar nesses campos, “escravizada pela burocracia”, como já dizia Max Weber. Mas assim mesmo, creio que vale a pena publicá-lo, podendo ser útil aos indígenas e seus parceiros, até porque consta um apanhado de importantes citações, ao longo do texto e no item 6, que recomendo.
1. Gestão ambiental de terras indígenas, e um pouco dela no Acre
Desde junho de 2012 temos promulgado o Dec. n. 7.747, que regulamenta a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (Pngati), fruto de um amplo processo de consulta pública anterior, aos indígenas e aos envolvidos com o tema. Até hoje, porém, pouco dela foi implementado de fato enquanto política nacional, ou seja, com recursos, planejamentos e envolvimento das instituições. No ano de 2013 foi lançado um edital do PDPI para executá-la, com poucos recursos e apenas 16 terras (projetos) contemplados no país. Ou seja, ainda falta muito, sendo uma política ainda quase que só teórica. Diz Márcio Santilli que a Pngati é da mais alta importância, afinal 13% do território do Brasil já está demarcado em TIs oficiais, mas não há recursos ou vontade política nessa direção.4
Haveria muito o que se dizer sobre a GATI, e há diversos autores e instituições se debruçando na teoria e prática do tema, mas, rapidamente, eu gostaria de destacar dois aspectos. Um é que os indígenas, historicamente acostumados à abundância territorial sem limites, e vidas nômades ou seminômades, hoje são obrigados a mudar o foco e se acostumar a terras limitadas e demarcadas, “para sempre confinados” (sendo algumas terras, inclusive bem pequenas, sobretudo fora da Amazônia). Portanto, eles precisam se preocupar cada vez mais com o bom manejo de recursos naturais e gestão do território, pois precisam deles preservados para as futuras gerações, que inclusive estão crescendo em número. Outro aspecto é o de que, sabidamente, em diversos levantamentos produzidos por instituições ambientais, as TIs são reconhecidas como áreas altamente preservadas, até mais do que as unidades de conservação de proteção integral. Bem como, numa visão mais ousada, o modo de vida indígena aponta elementos que podem servir de modelo de escape ao próprio colapso ecológico da humanidade, com o agravar dos problemas (segundo o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, citado por Moysés P. Neto,5 e autores do campo da Ética Ambiental). Sem dúvida pode em muito nos ensinar, sobre o convívio sustentável com a floresta (e outros ecossistemas) e o etnoconhecimento vegetal e animal, por exemplo.
A despeito da falta de vontade política do governo na PNGATI, já há algum avanço concreto no tema, em boa parte por iniciativa dos próprio indígenas que procuram o MMA e instituições ambientalistas, em outra parte por iniciativa deste Ministério, da Funai, dos OEMAs e do terceiro setor, como é o caso da CPI (Comissão Pró-Índio), no Acre, que há anos vem implementando projetos continuados de formação de agentes agroflorestais indígenas (AAFIs) e apoio à GATI, na prática.6
A experiência do PAAV / Ibama também foi relevante, Brasil afora. Me recordo agora de pelo menos 6 estados em que houve trabalho assíduo junto a indígenas: Acre, Amazonas, Pará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Maranhão. No Acre ele foi ativo de 2003 a 2012, mas foi mais produtivo, com recursos financeiros próprios (embora parcos – fazíamos “milagre” com eles) por 5 anos (de 2006 a 2010). Formamos no Acre e sudoeste do Amazonas um total de 506 agentes, representantes de outros tantos agentes “informais” de suas comunidades, pois eles eram multiplicadores de toda uma práxis de gestão. Destes, na ativa (sem contar com as desistências), permanecemos ao final com 172 indígenas, de 19 etnias (as 15 do Acre e mais 4 do Amazonas), de todas as terras povoadas no estado e algumas no Amazonas (perfazendo 44 terras / áreas indígenas).
O Programa no Acre funcionava a partir de cursos densos de 45 horas, envolvendo o principal da legislação ambiental pertinente em cada caso, noções de ecologia e da questão ambiental, práticas de gestão e educação ambiental, bem como de vigilância e fiscalização dos territórios. Os 15 cursos que ministramos geralmente possuíam públicos mistos, entre indígenas, extrativistas e pequenos colonos, por exemplo, embora alguns foram somente com indígenas. A integração e troca de experiências destes membros de populações tradicionais de diversas origens, áreas e municípios diferentes era riquíssima para eles. Também procurávamos usar linguagem didática a partir de fotos, figuras e vídeos, pois parte do público era analfabeto ou semianalfabeto, e técnicas participativas durante todo o curso, com dinâmicas e artes.
O Programa caiu como uma luva aos indígenas, que em muito se satisfaziam com o andamento, nos procuravam bastante, e sempre tentávamos apoiá-los como podíamos. O motivo central da cooperação exitosa entre os indígenas e o Ibama, ao meu ver, é o fato da identificação profunda do indígena com sua terra, com a defesa constante de seu território e recursos naturais. Por exemplo, quanto à vigilância e fiscalização ambiental contra invasores (que roubam caça, pesca e madeira e podem cometer outras infrações como desmate, queima, biopirataria e captura de animais silvestres para tráfico), os indígenas sempre praticam, independente de apoio externo ou não, e já estão acostumados a encaminhar os invasores à polícia e/ou ao Ministério Público mais próximo. Isso é possível devido à forte coesão e organização comunitária7 dos indígenas em cada aldeia e TI, bem como sua forte identificação com a própria terra, a natureza. Estas são questões centrais indígenas, e é por isso que antropólogos tanto insistem no fato de que se pode até mesmo exterminar uma etnia indígena se uma hidrelétrica os expulsa de seu território natal, por exemplo.8
Voltando ao assunto, portanto, por meio do PAAV / Ibama, procurávamos apoiá-los com algum recurso próprio para gasolina e alimentação (para os mutirões de vigilância, da Resolução Conama n. 03 de 1988), redigindo projetos para editais ambientais, indo às comunidades e dando palestras ao conjunto delas, observando e orientando atividades práticas de gestão ambiental dos agentes e seus colegas. Bem como, prestávamos apoio ajudando-os a se integrar a redes de governança ambiental local e global (fazendo a ponte entre eles e órgãos públicos, ONGs e outras instituições). Algumas TIs foram bastante beneficiadas com o Programa, é o caso, por exemplo, da TI Colônia 27, a qual, com dezenas de famílias, possui somente 300 hectares, encostada à cidade de Tarauacá, e quando receberam a terra estava quase toda degradada com pastagem. A partir do primeiro curso do PAAV / Ibama em 2002 (na época, ministrado por servidores de Brasília), os indígenas de lá “vestiram a camisa” ambiental e agroecológica, tiraram todo o gado e foram recuperando pouco a pouco toda a área de pasto em lindos pomares e SAFs, e hoje são professores e referências para indígenas de várias TIs, sediando cursos e encontros. Concluindo, no caso do Acre, nosso Programa veio enriquecer o trabalho já efetuado há mais de duas décadas pela CPI, por meio dos AAFIs, aprimorando a formação deles e envolvendo outros colegas seus como agentes ambientais voluntários. Fomos até aonde a instituição e os recursos financeiros permitiram, com alta produtividade, até que o Programa foi oficialmente extinto pelo Ibama em maio de 2013.
No Acre as etnias indígenas costumam ser vistas como preservadoras, “ecológicas”, bem como, felizmente, aqui há uma situação de relativa ausência de conflitos de terra (exceto algumas pendências pequenas em comparação com o restante do Brasil, como as demarcações das TIs Seringal Curralinho, Nawa e Kuntanawa). No geral, também, pode-se dizer que as grandes degradações e conflitos socioambientais que vêm ocorrendo amiúde no Brasil ainda não chegaram, com força, no Acre, ou, o capital ainda não solapou a maior parte dos modos de vida das nossas populações tradicionais. É claro que existem problemas, como a aprovação do milho transgênico pelo governo atual de Sebastião Viana (PT) que desrespeitou a própria lei estadual,9 algum desmate e queima ilegal, retirada de madeira ilegal e planos de manejo madeireiro permissivos e não fiscalizados,10 etc. O problema de venda de carne de caça aqui no Acre é seríssimo, com fortes quadrilhas, entranhado na má “prática cultural” de cidadãos urbanos, entre eles servidores públicos, políticos e membros do poder judiciário, até de alto escalão (!!!). Bem como será muito problemática a exploração de petróleo e/ou gás natural que se vislumbra na região do Juruá (de alta relevância ecológica e permeada de UCs e TIs), e a passagem de rodovia e/ou ferrovia de Cruzeiro do Sul (AC) a Pucallpa (Peru), que sangrará o Parque Nacional Serra do Divisor.
As experiências exitosas de indígenas no Acre são diversas e presentes em praticamente todas as TIs e áreas. Há iniciativas de SAFs, pomares, enriquecimento de capoeiras com madeireiras e frutíferas, criação de peixes e pequenos animais, manejo de recursos naturais, artesanato com beneficiamento de produtos não-madeireiros (de sementes, palha, algodão – tecelagem, seringa – com destaque aos produtos encauchados da TI Nova Olinda, frutas – como o batom de urucum da TI Rio Gregório), etc. Os indígenas costumam ser muito produtivos em produção de mudas plantio, por exemplo, é o caso dos Kuntanawa, que, no interior da Resex Alto Juruá, doam milhares de mudas, anualmente, aos extrativistas vizinhos.11
Os indígenas acrianos também têm se destacado por seus festivais culturais, alguns bastante abertos a visitantes de fora, como o da Aldeia Nova Esperança, na TI Rio Gregório, que anualmente recebe centenas de visitantes não-índios (“nawás”, como eles chamam) do Brasil e do mundo, agenciados por empresas de turismo. Há o festival das TIs Jordão e Independência, já crescendo anualmente, e há festivais menores em cada terra, cada vez mais organizados e produtivos. Os festivais para eles são peça chave na afirmação e valorização cultural, no traçado de alianças interétnicas, interterras e deles com nawás brasileiros e estrangeiros em geral, que possam apoiá-los em projetos futuros, bem como, este é um fator que amplia a consciência indígena da população não-indígena em geral, o que é de fato positivo e uma necessidade, diante dos novos levantes racistas anti-indígenas que vem surgindo com crescente força no Brasil (falaremos desse tema mais adiante). Se os festivais são, sem dúvida, positivos, até pelo aporte direto de recursos financeiros pelo etnoturismo da ocasião e pela venda de artesanato, são também carregados de riscos, como sempre alertamos aos indígenas, porque com os visitantes vêm numerosos impactos culturais, possíveis doenças, possíveis crimes ambientais “na surdina”, possíveis crimes culturais de uso indevido de imagens e de apropriação de patrimônio imaterial (kenês, cantos, conhecimentos de pajelança), portanto é preciso se ter um alto nível de cuidado, triagem e orientação aos visitantes, para minimizar os impactos. A simples presença do nawá urbano em sua terra, repleto de botas chiques, roupas, mochilas, equipamentos audiovisuais sofisticados, etc, já cria um enorme desafio aos indígenas para reverter a tendência de saída de indígenas para as cidades.
Outro aspecto relevante das TIs do Acre (e que certamente devem se verificar em TIs brasileiras), que salta aos olhos dos observadores, é a democracia, transparência, harmonia de gestão e convivência internas. Tudo é resolvido em longas e harmônicas reuniões, e os lideranças são legítimos representantes do seu povo. Quando não estão desempenhando bem seu papel, são trocados por outros. Os indígenas em sua coesão de laços coletivos internos são muito avançados nesses aspectos de organização social. Sabem resolver bem problemas internos, tendo eles próprios, às vezes, seguranças em ronda e “cadeias” (para situações-limite), já que tudo é resolvido no consenso, e na máxima inclusão das demandas. Esse aspecto democrático é facilitado, sem dúvida, pelo relativamente baixo contingente populacional, mas o fator determinante é o cultural.
E por falar em cultura, o que é central, realmente, em todos os casos, e também para o êxito da gestão ambiental e territorial, é a valorização cultural. Muitos indígenas têm lutado com afinco para pesquisar com seus anciãos a própria cultura, reavivar a língua materna e todos os elementos, da arte à cosmologia, dos conhecimentos agrícolas e ecológicos. Se os indígenas em seu processo de contato crescente com a cultura ocidental urbana perderem sua cultura, futuramente poderão correr o risco de perder os territórios, pois o capitalismo globalizante se estende a tudo, a batalha pelo território inevitavelmente chegará a todos os rincões12 e, sem a cultura, a tendência é que o poder reinante destine apenas algumas dezenas de hectares por família, como no modelo da reforma agrária. Com a cultura preservada, justifica-se, além da ligação visceral dos indígenas com seu território materno por questões sagradas e dos seus cemitérios, por exemplo, a necessidade de sobrevivência em função da disponibilidade de recursos naturais vastos, incluindo água, vegetais e animais de caça e pesca, entre outros elementos.
Uma outra boa característica que é comum às 15 etnias indígenas do Acre é o uso da bebida ayahuaska (chamada por eles de cipó, nishi pãe, huni, kamarãpi e outros nomes, a depender da etnia e contexto). Sabe-se que o xamanismo com uso de plantas de poder,13 ritualizadas em contextos sagrados, é usado por praticamente todas as etnias brasileiras, mas a ayahuaska possui de fato um dom especial de coesão, união e harmonização do ser humano com a natureza, e talvez ela tenha ajudado os indígenas acrianos a manterem um bom desempenho na gestão ambiental – é o que se torna nítido para nós, que também conhecemos esta bebida e sua ritualística.
Finalizando, do que pude observar em campo, as TIs acrianas estão num ótimo caminho de gestão ambiental, mas há 4 alertas importantes que eu gostaria de salientar, para os indígenas e os gestores que forem trabalhar em cooperação com eles:
a) Como já foi analisado, a sempre central e presente necessidade da valorização cultural.
b) A segurança alimentar com base agroecológica local. Por conta da proximidade e/ou facilidade de acesso às cidades, bem como do aporte de mais recursos financeiros regulares às famílias (tais como bolsas-família, auxílios-natalidade e aposentadorias), muitos indígenas têm alterado seus hábitos alimentares quase completamente, trocando a plantação, caça, pesca e coleta pelos produtos industrializados mais baratos (macarrão, “frango de granja”, arroz refinado do sul do país, suco “de saquinho – em pó”, e muitos outros itens), a maioria de baixo valor nutritivo, e de alto teor contaminante (agrotóxicos, transgênicos, corantes, conservantes, hormônios). É patente o crescimento de casos de diabetes (por conta do excesso de açúcar), gastrite e câncer nos indígenas por conta dessa má alimentação. Ora, a segurança alimentar própria, além de ser pilar cultural, é vital a longo prazo para manter as sementes e mudas, os conhecimentos e técnicos da rica agrobiodiversidade que eles possuem, por exemplo, os indígenas cultivam diversas espécies de mandioca, cará, inhame e milho, para muito além do uso comum na cultura ocidental. Ou seja, é muito importante que sigam plantando, e sempre mais, inclusive frutas nativas e exóticas, espécies madeireiras e palmeiras (para suas construções), etc, sem cair na tentação de usar o dinheiro para a (má) alimentação da cidade. Em termos de proteína animal, também, é importante o foco na criação de peixes e animais de pequeno porte (galinha, pato, ovelha, porco – com os devidos cuidados do manejo de cada um), e até mesmo silvestres, para alimentação, ao invés da criação de gado, de alto impacto e não recomendável ao bioma amazônico. Felizmente já são pouquíssimos indígenas acrianos que ainda mantêm gado em suas terras, e a tendência é diminuir os rebanhos, pelo que temos visto dos Planos de Gestão Ambiental aprovados e revisados. Enfim, estes assuntos são do cotidiano dos AAFIs, mas é importante que obtenham mais apoio ao seu trabalho de multiplicadores, para garantir a manutenção e enriquecimento da agrobiodiversidade pelas famílias das TIs.
c) É preciso mais cuidado com a gestão de resíduos sólidos e saneamento. Infelizmente, em muitas terras, apesar dos agentes indígenas de saúde (AISs) e de saneamento (Aisans), estes itens têm sido negligenciados, ocorrendo diversos casos de poluição já evidentes, que contribuem em curto prazo em doenças como verminoses e infecções, e, no longo prazo, câncer e outras doenças graves. Afinal, cada vez mais, os indígenas trazem produtos industrializados e embalagens para as aldeias, bem como a população está aumentando e às vezes não se tem o devido cuidado com as águas servidas (esgoto), que fica espalhado em pequenos igarapés, açudes e em torno das casas. Destacam-se os seguintes subitens, para os quais é necessário uma contínua e dedicada educação ambiental:
c.1) Cada família ou conjunto de famílias deve fazer banheiro ainda que simples, com fossas sépticas longe de corpos d’água, e orientem efetivamente a todos para não espalhar fezes pelos arredores.
c.2) Para as águas de lavagem de louças e roupas, é necessário fazer sistemas de drenagem adequados, se possível até tratar estas águas (há sistemas caseiros relativamente simples de se adotar).
c.3) Não lavar roupa ou louça com sabão em igarapés pequenos, e, em hipótese nenhuma, em açudes, pois estes rapidamente eutrofizam (“apodrecem”), com o uso de sabão.
c.4) Evitar usar sabão, e usar mais sabão em barra tipo neutro do que os “azuis”, e os em pó. Evitar detergente e cosméticos (shampoos, cremes), altamente poluentes.
c.5) Evitar o consumo de produtos industrializados, informar-se acerca dos mais tóxicos, usar somente o que se precisa realmente. Fazer educação ambiental anti-consumismo, explicando à população tudo o que está envolvido no produto, da fabricação ao descarte na forma de lixo. Evitar a todo custo trazer embalagens para as aldeias (deixá-las nas cidades), usar paneiros e sacolas permanentes.
c.6) Efetuar a coleta seletiva de lixo casa a casa efetivamente, pelo menos para separar entre orgânicos, recicláveis, tóxicos e rejeitos. Os orgânicos devem ser destinados à compostagem para adubo (e não espalhados em volta das casas ou nos barrancos dos rios, pois assim poluem). Os recicláveis podem ser reaproveitados na aldeia mesmo, para alguma utilidade de armazenagem ou até para artesanato, e o excedente pode ser comercializado ou doado nas cidades (há prefeituras se preparando para a coleta nas aldeias, senão os próprios indígenas devem se organizar para levar). Os rejeitos e tóxicos também devem ser levados às cidades, sendo que os tóxicos devem ser cuidadosamente separados e jamais deixados ou enterrados nas aldeias, são eles os mais comuns: pilhas e baterias, lâmpadas fluorescentes, remédios e tintas. No caso de não se conseguir, esgotando-se diversas tentativas, levar o lixo para a cidade, é necessário enterrar na aldeia mesmo, num lugar organizado, seguro, sinalizado e distante de corpos d’água, porém, repito, jamais enterrem os resíduos tóxicos – estes devem retornar à cidade, custe o que custar.
d) Manter as iniciativas sustentáveis como produção de artesanato, cadeias produtivas de não-madeireiros em geral, etnoturismo (incluindo os festivais e olimpíadas – porém com os devidos cuidados exigidos no controle da entrada e permanência de nawás nas aldeias, por exemplo, é recomendável que as arenas, kupixaus14 e hospedarias sejam distantes das aldeias em si, cujo acesso deve ser bem mais restrito).
Os indígenas são os nossos exemplos de vida ecológica, portanto, vamos manter as aldeias ecologicamente, como as ecovilas que tantos nawás lutam para manter em meio ao capitalismo degradador, pois é isto que vai nos sustentar, cada vez mais, no futuro!
2. O contexto indígena e ambiental, no Brasil e no mundo
É impossível falar em gestão ambiental de terras indígenas sem olhar para o contexto geral de como anda a questão ambiental e a questão indígena no Brasil e no mundo. É preciso que se esteja atento aos retrocessos que estão ocorrendo e propostos nas políticas indígena e ambiental em nosso país, e na tendência se o cenário político não melhorar, para que possamos, crescentemente, atuar em movimentos sociais. No caso dos indígenas, populações tradicionais e afins, pela garantia de seus direitos humanos e territoriais, tão suadamente conquistados após anos de dominação colonial.
A questão ambiental, ou ecológica, é a mais importante que existe, ao meu ver, e conforme muitos cientistas e atuantes na área. É a questão da própria vida, da sobrevivência humana e de todas as espécies, da manutenção da água potável disponível, do solo saudável agricultável e do próprio clima, pois, como se sabe, somos fragilmente dependentes da estabilidade climática. Hoje já é de mais amplo conhecimento que estamos num caminho rápido ecocida, que ruma à extinção da própria espécie humana, e não só de tantas vegetais e animais que ocorre em ritmo alarmante. As mudanças climáticas com eventos extremos (enchentes e secas, muito calor ou muito frio), a poluição e contaminação de vastas áreas (terras, rios, oceanos e atmosfera), a extinção de espécies, a perda de agrobiodiversidade e conhecimento tradicional associado, a escassez de recursos naturais, as guerras pela água e por petróleo, a escravidão e contaminação de trabalhadores com agrotóxicos e mineração, a expulsão de moradores (indígenas, ribeirinhos e populações tradicionais) e degradação de vastos territórios pelas hidrelétricas, etc, são sinais de colapso socioambiental e ecológico de toda uma cultura, de todo um modelo de “civilização”.
Apesar disso, os grandes blocos político-econômicos mundiais, capitalistas, fecham os olhos e os ouvidos, e as convenções ambientais mundiais pelo clima, pela biodiversidade e outras, seguem apenas no papel. A governabilidade global de tais questões será inevitável, pois os impactos já são globais, por exemplo, o mundo está sofrendo a radioatividade da usina nuclear japonesa de Fukushima que explodiu sob uma tsunami em mar/2011 (embora se escamoteie essa informação na grande mídia). A falada “desmaterialização da economia” ou a “economia pós-industrial”, que seria ambientalmente mais adequada, ainda é ínfima. A “economia verde” e o “desenvolvimento sustentável”, termos quando usados pelo mercado, são um conjunto de paliativos, muitos deles questionáveis, ou que não passam de um “marketing verde” com propaganda enganosa. Os desastres socioambientais na China e África, por exemplo, que sustentam boa parte da industrialização e fornecimento de matérias-primas ao consumismo mundial, são catastróficos, mas de pouca atenção, já que suas populações são mais pobres e dominadas num colonialismo que nunca deixou de existir. Vivemos mesmo numa situação de “genocídio planetário”, denunciado por exemplo num manifesto de mais de 250 cientistas (IHU, 2014), ou numa sociedade suicida, ou ecocida, como apontam ecólogos e analistas há pelo menos duas décadas.
Fatalmente precisaremos de fortes contingências e planificações no futuro para se limitar o consumo e a poluição. Por exemplo, não é possível seguir incentivando ao extremo a indústria automobilística, porque as cidades viram um caos de carros, totalmente inviáveis. E é fato de que é muito difícil construir esta governabilidade de forma democrática, pois a ONU e seus organismos, sabe-se, ou são inefetivos ou não democráticos, e a tendência é, novamente, a repetição da supremacia dos grandes blocos político-econômicos dos EUA (principalmente), Europa e Japão sobre os demais, cujo desenvolvimento se dá a custa dos outros. As iniciativas sustentáveis ainda são muito tímidas. Apesar disso há bons sinais, como programas da FAO, do Pnuma e do PNUD, mas que em muito precisam crescer.
Na verdade precisaríamos de outro modelo de desenvolvimento, pautado pela igualdade e justiça social ampla, democracia, Ética Ambiental, pela Economia Ecológica, e aí surgem ideias muito pertinentes como a teoria do Crescimento Zero, postulando que o crescimento econômico não é viável por definição, num planeta limitado.15 Mas quando, e se chegaremos, a essa virada positiva na humanidade, é uma incógnita difícil de responder, e não se vislumbra nada parecido no médio prazo, antes o contrário, a não ser louváveis iniciativas pontuais de pequena escala. Algumas constituições como a da Bolívia e do Equador já incluem temas da Ética Ambiental, na linha do “bem viver” e do direito intrínseco das demais espécies e dos elementos naturais existirem (visão ecocêntrica, ao contrário da antropocêntrica), mas a prática de seus governos tem sido opostas ao que está escrito!
O próprio capitalismo é, intrinsecamente, socialmente injusto e ecologicamente predatório. Além disso, é intensamente globalizante, como já diziam Karl Marx e Friedrich Engels em seu famoso Manifesto Comunista de 1848, expandido seus domínios a todo o espaço global e territórios, aos poucos solapando os povos “primitivos” ou não-capitalistas existentes (neles se incluem as populações indígenas). Ou seja, a não ser que tenhamos um firme propósito de proteger as culturas originárias indígenas e de populações tradicionais em geral, que possuem relações não-monetárias com a natureza, vasto conhecimento e o direito intrínseco a manterem sua existência dessa forma, com amparo jurídico e de políticas públicas fortes, a tendência do capitalismo é de homogeneização de todos os povos na cultura ocidental dominante, com todo o seu arcabouço anti-ecológico e socialmente excludente.
No Brasil não é diferente, e mais, é um dos piores exemplos. Nosso governo, em particular na gestão federal em vigor chefiada por Dilma Roussef (do PT, em forte aliança com o PMDB), segue o mais anti-ambiental jamais visto, como observam diversos analistas. Com o seu PAC, o governo pauta-se no crescimentismo econômico de curto prazo a todo custo (e não “desenvolvimento”), e pior, enriquecendo as oligarquias das mais degradadoras possíveis para manter nosso modelo primário exportador. Produzimos soja, gado e outros produtos agropecuários (empanturrados de agrotóxicos e transgênicos, sendo o Brasil campeão mundial de consumo de agrotóxicos desde 2008), alumínio, ferro e outros minerais de baixo valor agregado (e de alto impacto ambiental). A ênfase econômica é esta, em que o governo apoia sobremaneira os conglomerados econômicos envolvidos, como os ruralistas do agronegócio, negligenciando outros setores, e com quase nenhum investimento em CT&I para que pudéssemos alavancar setores econômicos de ponta.
Na ampliação da infraestrutura, o Brasil tem priorizado as desastrosas mega-hidrelétricas na Amazônia,16 também refém do grande poder das gigantes empreiteiras, entre outros problemas como rodovias sem os devidos cuidados ambientais. Temos o caso da insana UHE Belo Monte, cujos empreendedores já sofreram dezenas de processos judiciais e ações civis públicas, cujas condicionantes do licenciamento ambiental não têm sido obedecidas, e cujos impactos socioambientais e ecológicos são gigantes. Pelo mesmo caminho seguem as UHEs dos Rios Tapajós e Teles Pires. Recentemente, tivemos o desastre da enchente histórica do Rio Madeira, agravado pelas UHEs Jirau e Santo Antônio, próximas a Porto Velho, que causou calamidades públicas em Rondônia, Acre e Bolívia. Como se não bastasse, o Brasil vem estendendo suas obras, em parcerias do governo federal com as empreiteiras, para construir algumas UHEs no Peru e na Bolívia, cujos impactos previstos também são enormes, inclusive às bacias hidrográficas do Acre e Rondônia.
Em todos os casos destas hidrelétricas em curso, o licenciamento ambiental tem sido frágil17 e, na questão indígena e de populações tradicionais ou residentes afetadas ou expulsas, tem sido trágico, sem nenhum cumprimento da Convenção 169 de 1989 da OIT (consulta prévia, livre e informada). Às vezes há até assassinatos de lideranças, como foi o caso dos Munduruku por conta de sua resistência às hidrelétricas dos Rios Tapajós e Teles Pires. Tal fato motivou, inclusive, a edição de um decreto federal para a entrada da Força Nacional nas áreas a serem afetadas por estes mega-empreendimentos, algo tipicamente ditador (Dec. n. 7.957 de 2013). O governo também desafetou cerca de 150 mil hectares de sete UCs na Bacia do Rio Tapajós (por medida provisória, transformada na Lei n. 12.678 de 2012) para as futuras hidrelétricas. E as mazelas oriundas da construção das UHEs, como aumento da desordem e crimes urbanos e no entorno de Altamira, são alarmantes.18
Há outras linhas de ação ambientalmente terríveis deste governo, como o apoio aos agrotóxicos e transgênicos (com instâncias de aprovação e legislação flexibilizadas), a exploração de petróleo na Amazônia e no pré-sal, a abertura de leilões para a exploração de xisto (gás de folhelho, ou fracking – intensamente impactante) e a proposta de novas usinas nucleares.
Tudo isso faz do atual governo o pior que já se viu na área ambiental e, mais a frente, veremos que é também o mais anti-indígena.
Some-se a isso o fato de que nosso governo é oligárquico, patrimonialista, coronelista, que não largou sua herança de ditadura e exploracionismo colonial.19 Um governo de interesses próprios, e um dos mais corruptos do mundo. Cargos do executivo e legislativo são conquistados na base de doações e alianças com grupos econômicos de grande histórico anti-ambiental e de injustiças sociais. E o pior, neste governo de elites, temos uma elite “burra”, que aposta nos modelos da mais alta exploração social e ecológica, sem uma boa visão da realidade. No judiciário os cargos superiores são nomeados, e não fogem à regra e, infelizmente, nos juízes concursados, também há bastante corrupção, e quase nenhuma consciência ambiental ou indígena.20 Some-se a isso a ineficiência e gigantismo burocrático da própria estrutura estatal. Precisamos, sobremaneira, de uma boa reforma política, democrática e popular.
Os órgãos públicos que trabalham com meio ambiente, populações tradicionais, indígenas, da agricultura familiar e afins, estão extremamente sucateados, até mesmo com golpes intervencionistas em alguns momentos, como o Ibama, o ICMBio, a Anvisa, a Funai e o Incra. Os orçamentos e políticas públicas nestes assuntos também são ínfimos.
Da mesma forma, sofremos de falta de um bom sistema educacional e cultural, de forma até proposital, das elites capitalistas. Para manter o consumismo e as elites no poder, é preciso manter a população alienada e desinformada. Daí a péssima programação da mídia dominante, e o sucateamento da educação. Nesse contexto, vemos que ainda é muito pobre a consciência ambiental e indígena da sociedade, e em alguns casos mais graves de municípios conflituosos de domínio ruralista ou dos mega-empreendimentos, as elites dominantes têm feito verdadeiras campanhas anti-ambientais e anti-indígenas, com pronunciamentos, panfletos e organizações incitando ódio na população, como se os indígenas e outros atores destas causas fossem “anti-progresso”, ou “anti-tudo o que é bom”.21 Estamos vivendo uma nova onda de racismo indígena, presente também na grande mídia.
3. Detalhando o cenário indígena no Brasil: A ofensiva (ou barbárie) ruralista22
Na ânsia pela máxima expansão do latifúndio do agronegócio23 – esta é a verdade – as organizações ruralistas como a CNA e a FPA tem agido com força pela tomada de territórios indígenas, bem como pelo enfraquecimento de leis ambientais (como ocorreu com o novo Código (Des)Florestal, Lei n. 12.651 de 2012, que vergonhosamente anistia 10 anos das multas ambientais, por exemplo) e indígenas, e lançado PLs nocivos, indígena e ambientalmente. Em algumas regiões, estamos vivendo uma verdadeira barbárie, com destaque sem dúvida ao Mato Grosso do Sul, em que Guaranis, Kaiowás e outras etnias, confinados e expulsos, têm sofrido um verdadeiro genocídio. Situações terríveis também, atualmente, têm sido vividas pelos Munduruku24, Tenharim (aviltados por madeireiros ilegais),25 e também ataques aos Terena (MS), Tupinambá (BA), Kaingang (PR) e Awá-Guajá (MA, também invadidos por madeireiros), para citar apenas os mais graves e recentes. Em todos os casos têm havido assassinatos de lideranças indígenas, prisões violentas e injustas, perseguições e incitações de racismo indígena nos municípios.26 Na última década, 360 indígenas foram assassinados nos conflitos de terra (APIB, mai/2014).
Também está crescendo sobremaneira o índice de suicídios entre indígenas, maior no Mato Grosso do Sul, presente até mesmo em adolescentes jovens. Nesse estado, foram 928 suicídios em 28 anos (mais de 33 por ano), e os índices triplicaram na recente década.27 Nesse estado também foram 273 assassinados nas últimas três décadas. Lá é comum os jagunços dos fazendeiros entrarem nas áreas ou acampamentos indígenas atirando. Recentemente a sede da Funai na TI Guarani foi invadida e os computadores da sede roubados, com importantes documentos.28 Vários indígenas foram envenenados com cachaça adulterada. E ocorrem muitas mortes por doenças, desnutrição e atropelamentos (estando vários acampamentos deles em beira de estrada). Afora as doenças e outros problemas sociais comuns do êxodo às cidades (como mendicância, alcoolismo e prostituição, o que vem acontecendo recentemente nas comunidades expulsas pelos canteiros da UHE Belo Monte, e ocorre em todos os casos dos atingidos por barragens, já que nunca há políticas públicas suficientes de atendimento a estas comunidades). No Mato Grosso do Sul vive a segunda maior população indígena do país, são 80 mil indígenas, que ocupam apenas 0,2% do estado.29 Na TI Dourados, encostada na cidade homônima, vivem 13 mil indígenas encurralados em 3,6 hectares.
No Mato Grosso do Sul a barbárie da ofensiva ruralista é caso para intervenção da ONU há muito tempo, é praticamente uma guerra civil em início, uma “crise humanitária” (DHESCA, 2014). Os ruralistas de lá chegaram a organizar o “Leilão da Resistência”, conclamando e ludibriando até pequenos produtores a seu favor, vendendo bois e angariando mais de R$ 1 milhão para contratação de milícias particulares para expulsar indígenas das terras em conflito. Felizmente, até o momento, o Ministério Público bloqueou este dinheiro. Nesse estado o racismo indígena foi agravado por situações locais, pois as etnias Guarani e Kaiowá são abundantes no Paraguai, e parte delas lutou do lado de lá, na guerra entre o Brasil e este país. São chamados de “bugres” e outros xingamentos com a maior normalidade, no cotidiano das cidades.
Há mais de uma década, pelo menos, o CIMI e as organizações indígenas do Mato Grosso do Sul vêm publicando livros, relatórios e cartas às autoridades e à sociedade denunciando as graves violações de direitos humanos indígenas locais. Recentemente, houve o relatório da Plataforma Dhesca, igualmente contundente (DHESCA, 2014). O Ministério Público sempre ajuda, mas no final os juízes têm sido morosos, brandos ou tendenciosos aos ruralistas. De qualquer forma, o caso de barbárie no Mato Grosso do Sul merecia soluções urgentes e sérias. Felizmente, lideranças indígenas foram à ONU denunciar as situações que vivemos, e também a um encontro na Universidade de Coimbra, Portugal, promovido pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos para apoiar o movimento social indígena, de populações tradicionais e camponesas.30
Os parlamentares federais ruralistas diretos são ao menos um quarto do total, além dos apoiadores. Eles têm lançado diversos PLs anti-indígenas e anti-ambientais. E o que é pior, há conivência tácita e ativa do governo executivo federal, pois lançou a terrível Portaria n. 303 de 2012 da AGU. Está em vigor desde fevereiro de 2014, apesar de ter sido suspensa por um tempo devido à pressão social. Essa Portaria é dos piores golpes anti-indígenas, pois abre as terras a empreendimentos em geral, viola a Convenção 169 da OIT, paralisa demarcações e ampliações e obriga à revisão as demarcações existentes. E como diz Márcio Santilli, do ISA, boa parte dos conflitos fundiários ocorrem porque o governo não cumpre sua obrigação de indenizar os fazendeiros que possuíam titulação idônea nas terras indígenas originárias, ou seja, há tremenda má vontade política. A pretexto de culpar o procedimento de demarcação de TIs e a Funai, têm sido propostos outros métodos, tais como submissão prévia dos processos aos Ministérios de Agricultura e de Minas e Energia (claramente para priorizar beneficiar ruralistas e hidrelétricas)31 e paralisação de todos os processos de demarcação em curso, inclusive os conclusos em que não há nenhum conflito!32 Ora, os procedimentos de demarcação já são densos e participativos com todos os atores envolvidos, este não é o problema. Pior ainda é a PEC n. 215 de 2000, relançada com força total, que transfere ao Congresso Nacional a tarefa de demarcar TIs. Isto não só é absurdo e infactível como é mais um golpe anti-indígena, que vai gerar mais conflitos e judicialização (segundo Márcio Santilli e outros analistas). Inúmeras organizações e todo o movimento social indígena têm se manifestado frontalmente contra esta PEC. Até o governo executivo já se declarou contra, mas às vezes silencia e/ou é contraditório, pois já houve manifestações favoráveis de um procurador geral da República (Eugênio Aragão).
É estarrecedor ver como os indígenas, já afrontados desde o “descobrimento” há mais de 500 anos, tendo lutado e conquistado uma série de direitos e territórios, principalmente após o importante marco da Constituição Federal de 1988 (CF-88), hoje enfrentam uma nova onda de ataques, tão forte quanto os genocídios iniciais, em pleno século XXI. Lembrando que houve um “alvará” do Brasil-colônia de 1680 que já garantia terra aos indígenas que ali habitassem antes do descobrimento, e que a CF-88 deu um prazo de cinco anos para demarcar todas as TIs existentes, ou seja, estamos com pelo menos 21 anos de atraso oficial na demarcação de terras.
Além do passivo das demarcações, há importantes PLs positivos engavetados. O PL n. 2.057 de 1991, do novo Estatuto dos Povos Indígenas, está parado no Congresso Nacional há 23 anos. Ainda vale o Estatuto do Índio da Lei n. 6.001 de 1973, ruim e desatualizado, “com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional”, que não respeita o direito à sua particularidade cultural. A CNPI, Comissão Nacional de Política Indigenista, continua dominada por interesses anti-indígenas e apenas consultiva. Deveria ser renomeada para “Conselho”, ser democraticamente representativa dos indígenas e deliberativa, uma luta também antiga do movimento (PL n. 3.571 de 2008).
Outro projeto perigoso é o PLP n. 227 de 2012, um dos piores. É um projeto de “vale tudo”, dentro das TIs, entre mineração, obras, projetos de assentamento, arrendamento ao agronegócio e até vilas urbanas. Na pretensão de regulamentar o § 6º do Art. 231 da CF-88, “tudo” entra como “relevante interesse público da União”.
Na verdade, levantamentos apontam que existem “… mais de 100 PLs contra TIs, quilombos, UCs e reforma agrária. São ações ruralistas de disputa pelo território (latifúndio). A novidade é que hoje existe um governo permeável à pressão ruralista, mais do que foi o governo militar. Dilma tem o pior desempenho em relação à titulação de quilombos, à criação de unidades de conservação, de reservas extrativistas, de assentamentos da reforma agrária. O governo Dilma é avesso à destinação de terras para fins socioambientais(Márcio Santilli apud CHIARETTI, 2014).”
Paulo Quartiero, (DEM / RR), parlamentar ruralista dos mais anti-indígenas, que perdeu na justiça as áreas que invadia com arrozais na TI Raposa Serra do Sol, que possui multas ambientais e seis processos penais contra ele, chegou ao cúmulo de propor, em junho, a revogação da assinatura brasileira da Convenção n. 169 da OIT (revogar o Dec. n. 5.051 de 2004). Sendo que, até hoje no Brasil, esta importante Convenção, 25 anos depois, não é obedecida. Este ruralista é também coautor do PLP n. 227 e da PEC n. 215.33
Esperamos que nas eleições que se aproximam a sociedade possa retirar parte destes ruralistas, mas o cenário não é bom, já que o domínio coronelista destas famílias em seus “feudos” é grande. Trata-se de uma aliança suprapartidária, com ênfase em partidos como o PMDB e o PSD. A seguir um breve resumo dos piores PLs anti-indígenas em curso, com alguns dos autores mais famosos, por partido (adaptado de CAPIBERIBE & BONILLA, 2013), sabendo que eles são quase todos da base aliada do governo, ou do próprio governo:
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PMDB = 9 PLs = Valdir Colatto, do SC, ruralista, é autor de seis deles.
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PSD = 5 = quatro de Homero Pereira(ex-PR), do MT, ruralista, inclui o PLP n. 227, tendo como coautor Moreira Mendes(PSD-RO). Kátia Abreu, senadora, do TO, a “rainha ruralista”, de alto poder e influência na FPA e CNA, autora do PLS n. 349 de 2013, que é grave, versando que “em áreas de conflito não podem ser demarcadas TIs”. Ora, se as áreas indígenas são quase todas invadidas, há conflitos, portanto este projeto inviabilizaria praticamente qualquer nova demarcação.
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PTB = 3 = dois deles de Mozarildo Cavalcanti, do RR, ruralista, inclui a PEC n. 38 de 1999 (parecida com a PEC n. 215).
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PP = 3 = todos de Luiz Carlos Heinze, do RS, ruralista.
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PT (Governo Dilma) = 2 = Portaria da AGU n. 303 e PL s/n do Ministério da Justiça (para alterar procedimentos de demarcação).
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DEM = 2 = todos de Romero Jucá, do RR, representante do setor da mineração, inclui o PL n. 1.610 de 1996 que abre completamente as TIs à mineração.
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PPB = 2 = um deles é a PEC n. 215, de Almir Sá, do RR.
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PSDB = 2 (de menor impacto).
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PSC = 01 = de Nelson Padovani, do Paraná, ruralista, PEC n. 237 de 2013 (que também abre as TIs à concessão de agronegócio).
A seguir, algumas citações da ofensiva ruralista parlamentar, racista e criminosa, algumas proferidas inclusive em plenário. Como podem os parlamentares agir assim, com baixo nível, e continuar recebendo votos? Tomara que nestas eleições o cenário melhore!
“Depois que nós finalizarmos a questão indígena, eu quero saber qual é o outro tema que eles vão inventar para poder atrapalhar a agropecuária brasileira(Kátia Abreu, senadora [PSD-TO], em pronunciamento na audiência pública da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, em 11/dez/2013 [MOLINA, 2013]).”
Da análise de Luísa Molina, com referência ao momento político do “Leilão da Resistência” no MS: “Os ruralistas estão se preparando para uma guerra, determinados a passar por cima de qualquer obstáculo. E no momento esse ‘obstáculo’ chama-se terras indígenas. (…) Os deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e da Comissão de Agricultura investiam em seus discursos a estratégia clássica de tentar uma aproximação com os trabalhadores na ‘luta contra o inimigo comum’ – os povos indígenas e seus apoiadores. E não faltaram falas, tanto de parlamentares como de trabalhadores, onde apareceram ‘índios importados do Paraguai’, ‘a rentável profissão de índio’, ‘a mão esmagadora da Funai’ e muito mais. Falam em ‘enfrentamento’ direto aos indígenas várias vezes. (…) ‘Nós vamos fazer esse enfrentamento. Um enfrentamento duro. Em Mato Grosso do Sul e em todo o país’, afirmou o senador Waldemir Moka (PMDB-MS). Aplausos e expressões de satisfação rondaram o auditório [do Congresso Nacional] quando o deputado Giovanni Queiroz (PDT-PA) falou de como lidaram com ‘o problema indígena’ no seu estado, com violência. ‘Ninguém mais contrata advogado. Entrou hoje [indígena na terra], sai na madrugada do dia seguinte. Sai debaixo de cacete’. Ele prossegue, aconselhando outros a contratarem empresas de segurança [leia-se milícias privadas]: ‘4 horas da manhã você aborda o pessoal [que entrou na terra], chega o cravo no primeiro que reclamar, dá-lhe um cacete, bota em cima de um caminhão e manda devolver’. Queiroz, sem disfarçar um racismo quase caricato, disse ainda: ‘[os índios] querem ser civilizados. Nós todos um dia fomos índios. Nós, aliás, fomos macacos’ (MOLINA, 2013).”
4. Aprofundando alguns elementos anti-ambientais do governo federal e aliados
Para o PAC da dinastia Lula – Dilma, qualquer mega-obra é “relevante interesse público da União”, para isso vieram o novo Código (Des)Florestal, a Lei n. 12.678 que desafetou sete UCs na Bacia do Tocantins e o Dec. n. 7.957 da Força Nacional para acompanhar licenciamentos ambientais. No PAC crescimentista e oligárquico, altamente questionado sob todos os vieses técnicos e político-econômicos, dezenas de UHEs estão previstas na Amazônia, Pantanal e outros biomas, de grande impacto, sem contar com a necessária Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) que deveria prescindir os isolados licenciamentos ambientais de cada hidrelétrica, que não têm como abarcar os impactos sinérgicos, regionais e nacionais. Sabe-se que o PAC é regido por poderosos interesses como as quatro gigantes empreiteiras,34 e que boa parte da energia é para fins industriais, como a exportação barata de alumínio.
O licenciamento ambiental tem sido mais frouxo do que era para ser, pois a pressão pela celeridade é grande, e seguidamente surgem novas normas de cada vez mais simplificação dos processos. Com o Ibama sucateado e OEMAs politicamente calados ou sucateados, as condicionantes não são obedecidas nem monitoradas, e há numerosas ações civis públicas do Ministério Público sobre todas as UHEs em construção e em licenciamento. Mas o governo e os consórcios empreiteiros, habilmente, têm conseguido seguir com as obras, uma a uma, apesar das ações judiciais, dos protestos sociais variados e das seguidas greves de trabalhadores nos canteiros.
Ora, há décadas cientistas e ambientalistas provam que mega-hidrelétricas não combinam com o bioma amazônico, de planície, densa vegetação e rios sedimentosos. Philip Fearnside, renomado pesquisador do INPA, vem denominando estas hidrelétricas de “fábricas de metano”, devido aos ciclos de cheia e vazante em áreas de densa vegetação, além da própria vegetação alagada pelas barragens, sendo o metano um gás estufa bem pior que o gás carbônico. Ou seja, a alardeada “energia limpa” hidrelétrica é uma farsa, quando se trata de Amazônia. Temos o exemplo dos problemas até hoje vivenciados pelas malfadadas UHEs de Tucuruí (PA), Balbina (AM) e Samuel (RO). Hoje se repetem os equívocos, com ainda maior desenvoltura agressiva. Este ano, sofremos a calamidade pública em Rondônia, Acre e Bolívia após a enchente histórica do Rio Madeira, em muito agravada pelas UHEs de Jirau e Santo Antônio, e o problema tende a se repetir nos anos seguintes. Mas governo e empresas concessionárias se fazem de sego-surdas-mudas, “não há como provar nada”, “a culpa é da chuva”, e tudo fica por isso mesmo, apesar do esforço, novamente, do Ministério Público de responsabilizá-los pelos danos e cobrar prevenção a novas calamidades.
O setor da mineração também se articulando com PLs de alto impacto ambiental e indígena, como o PL n. 3.682 de 2012 que abre a mineração dentro de UCs e o PL n. 1.610 que abre a mineração nas TIs. Boa parte dos interesses envolvidos são poderosos e estrangeiros, e sempre têm gerado exportação de metais de baixo valor agregado, ou seja, enriquecem as empresas e governos estrangeiros, e aqui sobram os impactos socioambientais. A velha exploração colonial.
O governo promoveu o sucateamento da gestão ambiental federal ao dividir o Ibama “ao meio” (“dividir para melhor dominar”), em 2007, com a criação do ICMBio, que funciona em extrema precariedade até hoje. O Ibama também foi enfraquecido, quase todos os escritórios do Brasil foram (ilegalmente) fechados, e o golpe cabal sobre o órgão foi a LC n. 140 de dezembro de 2011, a partir da qual o Ibama se tornou bem mais minguado em atribuições, teoricamente repassadas aos OEMAs (que por sua vez não as têm abrigado). Esta lei também foi fruto da ofensiva anti-ambiental ruralista, como o novo Código (Des)Florestal.
Quanto aos agrotóxicos e transgênicos a questão está gravíssima, sendo o Brasil o maior consumidor mundial de agrotóxicos, havendo cidades e populações inteiras contaminadas, com destaque talvez ao Mato Grosso, Minas Gerais e Ceará. A Anvisa e o CTNBio, respectivamente, estão sucateados e dominados, e tudo se aprova (os piores agrotóxicos e transgênicos). Os setores envolvidos estão propondo uma câmara especial para a aprovação de agrotóxicos, que retire a Anvisa (Ministério da Saúde) e o Ibama (Ministério do Meio Ambiente) do páreo, restando apenas o Ministério da Agricultura e os setores empresariais. Se mais este golpe passar, imaginem a piora que está por vir.
Até temas de alto impactos e muito controversos como usinas nucleares e extração de xisto têm sido alavancadas pelo governo federal atual.
No Acre e sua divisa com Amazonas na porção mais oeste, há a problemática exploração de petróleo que irá iniciar, ninguém sabe quando nem como, em áreas amazônicas de alta relevância ecológica e recheadas de TIs e UCs. Ninguém está informado, nem a própria Funai, e há muita revolta, mas já há indígenas visivelmente iludidos com a promessa de compensação ambiental futura, o que é deveras preocupante. O xisto também foi incluído no leilão de concessão de petróleo do Acre. Nos itens 4.1 e 6.19 seguem alguns detalhamentos sobre a questão.
No Acre também há a enorme problemática da vinda de centenas de indígenas isolados, que fogem dos impactos das petroleiras e madeireiras de toda a porção fronteiriça do Peru, país com ainda pior desempenho em política indígena e ambiental. Os isolados fizeram recente contato mais forte na Aldeia Simpatia, dos Ashaninka do Rio Envira, sinalizando que a problemática irá se agravar na atualidade, pois há diversos conflitos com os indígenas acrianos, bem como, sabidamente, os impactos socioculturais de saída do isolamento, principalmente as novas doenças para as quais os isolados não possuem defesa.
Há também os impactos futuros da estrada e ferrovia de Cruzeiro do Sul a Pucallpa (Peru), que irão atravessar o Parque Nacional Serra do Divisor, de alto impacto ambiental. Bem como, já vivemos e viveremos cada vez mais os impactos das recentes pavimentações completas das BRs 364 e 317 (esta chamada de “Transoceânica” ou “Estrada do Pacífico”, pois por ela se chega à Lima, no Peru). Os processos de licenciamento e de compensação ambiental destas BRs são polêmicos, obscuros e cheios de falhas até hoje. Outros problemas no estado já foram comentados acima.
4.1. A exploração vindoura de petróleo e/ou gás no Alto Juruá (AC e sua divisa oeste com o AM)
Da 12ª. rodada de leilões de concessão de lotes para exploração de petróleo e gás da ANP, de 28/11/2013, apenas o lote “AC-T-8” foi arrematado pela Petrobras. Não se sabe mais nada, se e quando a Petrobras pretende iniciar a prospecção propriamente dita, ela tem 8 anos de prazo (a prospecção 3D, para além da sísmica, 2D, que já foi feita).35 Praticamente nenhum ator social envolvido, desde servidores públicos aos indígenas, sabem informar detalhes. A única ocorrência recente foi o patrocínio de um show de música pela Petrobras, do cantor Lenine, em julho, e ele esteve passeando dentro da TI Puyanawa com este povo, um dos diretamente afetados (vizinho a 10m) ao lote arrematado. O outro povo afetado diretamente é o Nukini, cuja TI fica a 39m do lote. Ambas possuem um perímetro de vários quilômetros circundando o lote (ver o mapa no item 7). Ambos os povos estão desinformados, e diz-se que já estão de olho na possibilidade de compensação monetária, como se esta compensasse, de fato, algum impacto no curto e longo prazos.
A TI Vale do Javari ficou a 25km do bloco, mas antes ficava a 18m. Após a recomendação da Funai, a ANP recuou na medida do lote. Este povo tem sido bastante avesso a qualquer exploração (ver itens 6.16 e 6.17), e diz que vai ao “enfrentamento” com a Petrobras e a ANP. Ela possui diversos povos, indígenas isolados, rica e preservada biodiversidade e também muitos problemas sociais, sempre alvo de reivindicação, principalmente a falta de atendimento à saúde indígena.
Se o projeto se ampliar, pelo mapa, as outras TIs que serão diretamente afetadas futuramente (blocos da sísmica que não foram adquiridos no leilão) são: TI Jaminawa-Arara do Igarapé Preto (8m, totalmente circundada pelo lote), TI Arara do Igarapé Humaitá (10m, em boa parte circundada) e TI Katukina do Campinas (26m, em boa parte circundada). Os indígenas em geral estão desinformados e preocupados, e têm demandado à Funai que intermedie a problemática e traga respostas e soluções, mas ainda, ao que parece, essa demanda tem sido pontual e desorganizada.
Em todos os casos, toda a região é de prioridade “extremamente alta” para a preservação ecológica, segundo os levantamentos mais recentes do MMA e instituições ambientais renomadas. Bem como a região amazônica é altamente sensível e inadequada à exploração de petróleo, tanto pela rica floresta e biodiversidade, quanto pela abundância de água na superfície e no subsolo raso, quanto pela dificuldade de acesso e escoamento (o que preocupa ainda mais em caso de acidentes e vazamentos, algo muito comum), presença de populações indígenas e tradicionais (inclusive indígenas isolados), proximidade com diversas TIs e UCs (no caso desta região), e também de uma área de UC em criação para proteger um importante ecossistema local de campinaranas.36
“Por conta disso, recomenda-se que o licenciamento ambiental das fases exploratórias seja absolutamente rigoroso na exigência das melhores práticas internacionais para atuação em áreas ambientalmente sensíveis (GTPEG, 2013)”.
Há ainda pelo menos 19 espécies ameaçadas de extinção nos blocos que foram a leilão nesta região, e solo arenoso, mais vulnerável aos impactos. Há também sobreposição de blocos com projetos de assentamento do Incra. Preveem-se, ainda, impactos futuros de adensamento populacional (GTPEG, 2013) por conta do “desenvolvimento” do petróleo, em áreas que hoje são pouco adensadas e com bom nível de conservação. Há grande preocupação, também, com a integridade futura do Parque Nacional Serra do Divisor, se a exploração vier. E já há muitas pressões para desafetar esta UC. O governo brasileiro aventava explorar petróleo dentro desta área desde 1936, e chegou a prospectar com perfurações, na década de 80.
A exploração de petróleo em áreas semelhantes no Equador e no Peru tem demonstrado verdadeiras catástrofes ecológicas e socioambientais, não só nos acidentes frequentes como no cotidiano da exploração, o que subsidia ainda mais as posições contrárias à exploração no Acre. Porém, não parece ainda haver uma articulação forte do movimento social a este respeito – há muito o que avançar.
Atores sociais locais como o CIMI, a CPT e algumas lideranças se posicionam contrários a qualquer exploração local de petróleo (ver item 6.15). Acusam a ANP e os governos federal e estadual de não respeitarem o meio ambiente e as populações tradicionais, e as “audiências públicas” que houve de “pura propaganda” do empreendedor. Também diz-se que os governos estaduais estão fazendo lobby para que o licenciamento ambiental seja feito em âmbito local (pelos OEMAs do Acre e do Amazonas) e não pelo Ibama, como seria o mais adequado (por ser petróleo, por ser área de fronteira internacional e interestadual e por ser área extremamente vulnerável ecológica e socioculturalmente). E o pior, no leilão foi incluída a possibilidade de exploração de xisto, de gigante impacto ambiental, cuja exploração tem sido criticada por várias organizações e impedida pelo MPF em alguns estados (propõe-se, na verdade, a moratória, ou seja, abortar a ideia de se explorar xisto no Brasil).37
5. Rumos de melhoria do cenário: Afirmação dos direitos indígenas e de uma ética ambiental
5.1. O papel dos cientistas, pesquisadores e professores
Já dizia Robert Dahl, que em tudo há política permeada, até mesmo na ausência da ação. Além disso, a ciência não é neutra. Já dizia Karl Marx também que a ciência poderia ser uma práxis revolucionária, por desvendar o oculto ao senso comum. A Sociologia e a Antropologia, se nasceram num contexto positivista de consolidação do capitalismo, hoje se encontram num patamar bem mais amadurecido de apontar as igualdades de direitos, lutando pela justiça social, e o respeito à diferença cultural, entre etnias e grupos sociais que advogam seu legítimo direito de subsistir resistentes ao capitalismo e consumismo globalizantes. Dessa forma, sociedades científicas como a ABA e a SBPC são fóruns legítimos de manifestação de posição diante de projetos de lei, consultas públicas, audiências, conselhos, etc, e creio que têm exercido este papel, pois tenho visto se manifestarem publicamente, por exemplo quando da polêmica mudança do Código Florestal, no lançamento da Portaria n. 303 da AGU, nos PLs anti-indígenas em geral, e nas campanhas agroecológicas e contra os agrotóxicos. E ações políticas dos cientistas, pesquisadores e professores neste sentido são vitais, em suas organizações.38
Em junho, mais de 800 cientistas do mundo inteiro divulgaram um manifesto contra os transgênicos.39 Bem como, em julho, mais de 250 cientistas espanhóis divulgaram um manifesto contundente pela mudança radical no modelo de civilização atual, devido aos limites socioambientais já atingidos, é o que denominaram de “Última Chamada”, contra o “genocídio planetário”. Dizem que já atingimos a capacidade de suporte limite, e, se não virarmos radicalmente nosso leme agora para um modelo de vida não consumista e baseado e critérios ambientais, a espécie humana de fato está rumando à extinção (IHU, 2014).
Voltando ao Brasil há pesquisadores renomados como Philip Fearnside, do INPA, A. Oswaldo Sevá Filho, da Unicamp, Célio Bermann, da USP, Rodolfo Salm, da UFPA, Marcelo Firpo e Tânia Pacheco, da Fiocruz, Manuela C. da Cunha, entre outros, que têm se manifestado diante das mega-hidrelétricas na Amazônia, agrotóxicos, transgênicos, retrocessos nas políticas ambiental e indígena, perda de agrobiodiversidade nativa, perda de direitos humanos, lançando mapas e dados de conflitos socioambientais, etc.
Mas para além da necessária e importante manifestação política destes atores sociais, mais fundamental ainda é a nossa inserção, nas escolas, universidades, centros de pesquisa e etc, no sentido de direcionar pesquisas, extensão e ensino para os temas ambientais e indígenas, pois há muita carência. Em especial, devemos direcionar esforços numa educação mais ampla nesses temas, porque infelizmente a sociedade tem-se mostrado apática, ou mesmo contrária aos direitos indígenas e aos critérios e à ética ambiental. Fruto de uma desconstrução orquestrada pela globalização reinante, os meios de comunicação de massa e a educação em franca decadência rumam exatamente no sentido da alienação, ou para não dizer, “emburrecimento” da população, para que aceite de bom grado a destruição ambiental e indígena em curso.
E para não dizer que não falei das flores, extremamente necessária sempre, em tudo por tudo, é a educação política e cidadã também, da mesma forma carente no Brasil, pois sem atuação de pouco valem a consciência e o conhecimento.
5.2. O papel dos movimentos sociais e do 3º. Setor
Sem dúvida o mais importante hoje, neste cenário, é o aprimoramento e toda a ação dos movimentos sociais, os ambientalistas, indigenistas, e principalmente, dos próprios atores atingidos pelos desmontes (organizações dos próprios indígenas, dos atingidos por barragens, dos agricultores familiares, etc). Neste sentido têm despontado importantes organizações como o CIMI, o ISA, o CTI, o CPT, o IIEB, a Plataforma Dhesca, o Greenpeace, etc, e as de base, como as diversas associações de cada povo indígena ou território, a APIB, a Coiab, o MAB, o MST, a Vila Campesina, etc. A arena política, ou o espaço público no Brasil, apesar da truculência ditadora das oligarquias no poder, tem sido farta e movimentada, e é graças a estes movimentos que retrocessos ainda maiores não se efetivaram, bem como a existência de alguns PLs e programas positivos.
Também é de suma importância a aliança de movimentos sociais, como se vê na Campanha Permanente contra os Agrotóxicos, na campanha pelo plebiscito constituinte (reforma política), etc.40 Os golpes sofridos pelos indígenas têm sido iguais aos das populações tradicionais, ribeirinhos, quilombolas e agricultores familiares. Estes atores precisam se unir cada vez mais. Nos faz recordar, saudosos, da “Aliança dos Povos da Floresta”, nos idos dos anos 70 e 80 no Acre, em que o expoente Chico Mendes conquistou a modalidade das reservas extrativistas entre uma visibilidade e mudança de paradigma sobre a Amazônia e populações tradicionais. Notemos que ele foi o expoente, mas havia muito mais gente unida, entre indígenas, seringueiros e apoiadores “urbanos” (movimentos organizados e servidores públicos), neste movimento, estando alguns deles na luta até hoje.
Foi muito bom ver nossas lideranças indígenas, recentemente, indo à ONU (20/05) e a Portugal (24/06) denunciar os desmontes e se aliar a movimentos sociais internacionais. Há também boas inciativas de integração de movimentos indígenas latino-americanos, como a Coica, porque, inclusive, países como o Peru, o Equador e a Argentina têm sido vítimas às vezes mais sofridas de exploração petrolífera, madeireira, transgênicos e, no futuro próximo, mais hidrelétricas.
A força do movimento indígena é sempre impressionante. Se até hoje a PEC n. 215 tão incutida pelo poder ruralista não passou, foi por causa desta força. Eles fazem movimentos realmente poderosos, como foram as ocupações do Congresso Nacional em abril de 2013. (Aliás, como diz o colega Juan Negret da Funai / Acre, foi este movimento o estopim de todo o rol de manifestações de rua que estouraram em junho de 2013.) Recentemente, de 26 a 29 de maio, uma nova mobilização indígena nacional tomou a marquise do Congresso. Bem como sempre há marchas e ocupações (de ministérios, auditórios, praças públicas e fazendas [que são áreas indígenas invadidas]) de povos como os Munduruku, Guarani / Kaiowá, etc. Mesmo no Acre, em que os conflitos não são tão acirrados, houve ocupações por meses da Funai em 2013 e por mais de um ano da Funasa entre 2012 e 2013, por exemplo, e eles nunca saem de mãos vazias destes movimentos – ficam até alguma vitória satisfatória. E é nesta força que se deposita a nossa maior esperança para frear os retrocessos em curso, apesar das perdas, pois sabemos que há muitos feridos e assassinados nestes movimentos, sendo o Brasil atual campeão de assassinato de lideranças indígenas e ambientalistas, mas isso já é no seu dia a dia, e nem tanto nas grandes mobilizações – para se ver a truculência dos governos e setores econômicos oligárquicos atuais, no país.
Além de denunciar e combater o que há de negativo, que tanto temos falado, há que se esforçar pela luta em direção às positividades: demarcação e gestão de TIs, UCs e territórios quilombolas, reforma agrária, incentivos ao extrativismo sustentável e à agroecologia, incentivos a programas ambientais, de direitos humanos e sociais e pela reforma política, etc. Citando mais especificamente, há a luta pela aprovação do novo Estatuto das Sociedades Indígenas, parado no Congresso Nacional desde 1991, a luta pela transformação da CNPI em conselho paritário e deliberativo, a efetivação de políticas “no papel” ou, no mínimo, muito tímidas, como a Pngati, a Política de Populações Tradicionais, a Política de Áreas Protegidas, a Política de Mudanças Climáticas, a Política de Agricultura Orgânica, o PAA, o PNAE, a Política de Resíduos Sólidos, a Política da Participação Social, o recentíssimo Pronara (Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos), etc.
Há muito o que pressionar pela melhoria do Estado / política / governos, penso eu, em 6 itens: presença (seriedade, ou eficiência), desburocratização, democracia, transparência, honestidade (fim da corrupção) e reforma política.
Por fim, não há como escapar da participação direta no sistema político vigente, ou seja, o ingresso e participação cada vez mais qualificada nos partidos políticos, e a ocupação de posições nos governos executivo e legislativo. Há muito o que melhorar nesta seara, é certo, e por isso há um desânimo e ceticismo geral quanto à atuação por dentro da política partidária, mas isso é um fenômeno mundial, não só privilégio do Brasil, e é com muita educação e informação que precisamos mudar este quadro, e tornar a nossa sociedade mais politizada (aumentar o “estrato político” de Robert Dahl). Por exemplo, até hoje, não há partidos com programas e linhas ideológicas claras no Brasil, e menos ainda os que seguem bandeiras ambientais e indígenas – de fato, e não de discurso, pois hoje “todo mundo se diz a favor do desenvolvimento sustentável”, sem nem mesmo saber o que é isso.
Além dos movimentos sociais quero enfatizar a ação do 3º. Setor, de ONGs e/ou microempresas que em muito têm enriquecido os próprios movimentos e os territórios indígenas e de populações tradicionais com projetos afirmativos de sustentabilidade ambiental e afirmação de direitos humanos e sociais. Muitos deles alcançam longo prazo, financiamentos constantes e ótimos resultados. Como exemplos há inúmeros, que embora pontuais e aparentemente de pequena escala, quando somados fazem toda a diferença, pois nem o Estado nem o mercado têm respondido a estas demandas. É o caso da CPI-Acre e SOS Amazônia, no Acre, do CIR em Roraima, do Iepé no Amapá, do IIEB, do ISA, do Ipê, etc. Vida longa a estas inciativas, e que elas possam ser internalizadas pelas políticas públicas.
5.3. O papel do Ministério Público
Este é apenas um parágrafo em elogio à atuação frequente e vigilante do Ministério Público, nas esferas estaduais, mas, principalmente, federal. Seus promotores têm sido atuantes em todos os casos de retrocessos indígenas e ambientais, por exemplo, quando declararam a PEC n. 215 inconstitucional. Recentemente fizeram a prefeitura de Jacareacanga, PA, recontratar os 70 professores indígenas que havia demitido sem justa causa. Também sempre efetuam ações civis públicas com relação ao vergonhoso não cumprimento das condicionantes dos licenciamentos das hidrelétricas, bem como tentam evitar o licenciamento de algumas, baseado nos impactos socioambientais. Idem para outros mega-empreendimentos Brasil afora.
Temos necessidade do Ministério Público cada vez mais fortalecido, neste país em que o governo imediatista tem sido tão relapso na observância dos direitos sociais e da qualidade de vida.
5.4. O papel do jornalismo e da internet
O jornalismo consciente, contra a corrente hegemônica dos meios de comunicação de massa, é de suma importância, e são eles aliados importantíssimos do movimento social. Não a toa, os jornalistas têm sido também perseguidos no Brasil, alguns até assassinados. Será que vivemos mesmo numa democracia, que exigiria liberdade de expressão?
Mas aos poucos, com a insistência, algumas questões mais sérias vão ganhando espaço, na democratização da informação, e na qualificação desta. O aquecimento global e as mudanças climáticas até que enfim são hoje populares nos meios de comunicação, de 2010 para cá, o que já era sabido e tratado por cientistas e ambientalistas, assiduamente, desde a década de 70. E assim será com os temas mais detalhados. Por exemplo, há documentários de alta qualidade na TV Brasil (um canal de TV aberta, e, portanto, acessível). Recente eu pude assistir nela a um antigo (e atual) importante documentário sobre os desastres das UHEs de Balbina e Tucuruí, bem como a outro da expulsão dos agricultores familiares com a chegada dos latifundiários da soja, subindo no eixo da BR-163 (Cuiabá-Santarém). Desse modo, fazemos votos de que os cursos de jornalismo sejam cada vez mais inclusivos com as questões políticas, indígenas e ambientais.
A internet é sem dúvida a invenção mais genial das últimas décadas, deve ser usada e incentivada ao máximo em todos os níveis. Mas até hoje na Amazônia nossos sinais de internet são péssimos, seja lá qual for o provedor, até mesmo nas capitais. A inclusão digital é imperiosa, bem como a democratização efetiva do acesso totalmente aberto, em todas as instituições e níveis, e medidas contra a espionagem e bloqueios.41 As petições eletrônicas também dão resultado, se bem que menor do que o concreto do “povo nas ruas”. Bem como as redes sociais podem rapidamente organizar movimentos-relâmpago, e alterar expectativas de eleições na última hora (como aconteceu na “Primavera Árabe”).
Porém, sabemos que a internet é uma faca de dois gumes. Por exemplo, no uso das redes sociais, parece que 90% do tempo são ocupados com assuntos vãos, sem conteúdo. Além de banalizante, pode ser alienante e individualista, por exemplo, hoje se vê grupos de pessoas “reunidas” (de todos os tipos e classes sociais), ou pessoas sozinhas em todo lugar, absolutamente absortas nos seus celulares smartphones, mas sem nenhum contato humano efetivo! O que reflete, aliás, infelizmente, o baixo nível educacional e de consciência da sociedade brasileira. Mas nada que não possa ser revertido, e aí voltamos à necessidade de melhoria da educação em todos os níveis. E a própria internet pode ser um apoio a essa melhoria, pois mesmo em redes sociais, usuários que se ocupem de assuntos mais sérios (no nosso caso: políticos, ambientais e indígenas), podem aos poucos conquistar o interesse dos que não se atentam.
Não posso deixar de indicar alguns sites de suma importância, para as áreas indígena e ambiental, como o Combate ao Racismo Ambiental, o conflitoambiental.icict.fiocruz.br, o Ecodebate, o do ISA, o republicadosruralistas.com.br, o Oeco, o do CIMI, o do CIR, o de Telma Monteiro, o de Philip Fearnside, o de Arsênio Oswaldo Sevá Filho, o brasildefato.com.br, o agroecologia.org.br, o contraosagrotoxicos.org, o do Imazon, o do INESC e o plebiscitoconstituinte.org.br.
5.5. Breve conclusão
Bem, caro leitor, creio que já falei demais, agradeço a atenção. Só peço mais um pouco de paciência à leitura do item 6 abaixo, em que “pesquei” importantes citações atuais sobre as problemáticas tratadas. Em especial, recomendo a leitura dos itens 6.6, 6.8 e 6.14, sobre o racismo indígena, e dos itens 6.12 e 6.18, sobre as questões indígenas gerais e do Mato Grosso do Sul.
Minha conclusão? É simples, e resume-se em dois itens:
1) Precisamos atuar, atuar e atuar, em qualquer forma de movimento social, de preferência em aliança de movimentos sociais, em todos os níveis, explorando todos os canais de atuação, ocupação de espaços e comunicação, pela melhoria política e democrática do nosso país, e das políticas indígenas e ambientais.
2) Precisamos educar e constantemente nos auto-educar, educar e educar, praticar ensino, pesquisa e extensão, e ampliar ao máximo as informações, sobre as três temáticas acima.
6. Apêndice: Importantes citações
Observação: os parágrafos separados são descontinuidades nas citações dos textos originais, ou seja, “(…)”.
6.1. CIMI e outros, I Seminário Estadual dos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos no Rio Grande do Sul, 09 a 11/jun/201442
“A omissão, negligência e conivência das três esferas de Estado (Judiciário, Legislativo e Executivo) promoveram ao longo dos últimos anos: a paralisação das demarcações das terras indígenas e quilombolas; a invasão aos territórios ancestrais; o assassinato de milhares de jovens negros; o desalojamento de milhares de famílias de suas casas e terras; a implementação de megaprojetos criminosos realizados numa lógica de “desenvolvimento” predatória para a maioria dos seres humanos e para o meio ambiente; a criminalização e prisão de lideranças indígenas, quilombolas e dos movimentos sociais.
As violações aos direitos humanos aumentam, mas a resistência também aumenta. Nós, entidades e movimentos, que lutamos pela defesa dos direitos humanos nos juntamos a todos aqueles que estão em luta pela garantia de direitos sociais, políticos e nas lutas pela terra e contra o racismo institucionalizado.
Resistiremos e lutaremos contra o agronegócio, contra os projetos do capitalismo para o campo e as alianças entre os ruralistas, as corporações transnacionais, o capital financeiro com os governos. Colocamo-nos contra o governo federal e estadual que estimulam o desenvolvimentismo e que pactuam com os crimes impostos pelo latifúndio e que geram inclusive conflitos entre os pequenos.”
6.2. Sônia Guajajara, importante liderança indígena nacional, em entrevista para a BBC, jun/2014 (FELLET, 2014)
“Nas grandes obras, às vezes oferecem às comunidades algum dinheiro, achando que vão resolver os problemas. Mas para o indígena o dinheiro acaba sendo um ponto de conflito, porque não temos o costume de lidar com ele. Não temos essa coisa de acumular riquezas.
Nossa lógica e nosso modo de vida são outros. O que a maioria dos indígenas nas aldeias quer é tranquilidade. Qualidade de vida para nós é liberdade, e liberdade é ter nossos territórios livres de ameaças e invasões para produzir sem destruir, como fazemos milenarmente.
Em Mato Grosso do Sul, a questão é mais urgente por conta da violência. Os pistoleiros entram nas aldeias, e morre gente todo dia.”
“A situação atual não é muito diferente do período da ditadura militar do passado. Há repressão, violência, expulsões, prisões. Mudou o regime, mas não mudou a postura.”
6.3. APIB, quando os indígenas se negaram a participar das “audiências públicas” da PEC 215, jun/201444
“Denunciamos, assim, que tais audiências respondem ainda às agendas eleitorais da bancada ruralista, que fazem delas palco de incitação ao ódio, à violência, o racismo e a discriminação contra os povos indígenas e outros segmentos da população como os quilombolas e os sem terra. Por elas os parlamentares ruralistas tentam transformar a luta de um grupo minoritário de latifundiários contra demarcação das terras indígenas em plataforma política. Nas audiências, tão logo destilam ódio e informações mentirosas para pequenos agricultores e à população do entorno dos territórios indígenas, gerando um clima de angústia, insegurança e medo, tais deputados se apresentam como defensores dos direitos destes agricultores no Congresso Nacional.”
6.4. Cléber Buzatto, CIMI, jun/201445
“… faz-se a dupla defesa do latifúndio e da concentração fundiária cada vez maior em nosso país, objetivo central da estratégia ruralista ao defender a aprovação da PEC n. 215.”
6.5. João Pacheco de Oliveira, antropólogo, out/2012 (OLIVEIRA, 2012)
“A única manifestação favorável à portaria [n. 303 da AGU] foi feita pela senadora Kátia Abreu (principal liderança dos ruralistas no Congresso Nacional), dizendo que era uma série de medidas lúcidas em relação aos índios. Eu não posso entender como esse homem [o advogado-geral da União, Luís Adams] atua desta maneira. A AGU não existe para proteger a Confederação Nacional de Agricultores. Ela existe para proteger o Estado, para atuar em sintonia com o direito do cidadão. Deveria ter ouvido a Procuradoria Geral da República, ter se informado. O que surpreende é que a atitude do Estado em relação à tão equivocada medida foi uma atitude leve. A Funai, o Ministério da Justiça, a Secretaria Geral da Presidência da República, tiveram encontro com o presidente da AGU e a única solução concreta dada foi a suspensão temporária da portaria, enquanto deveria ser imediatamente revogada.”
6.6. Jorge Eremites de Oliveira, antropólogo, sobre o racismo indígena em Dourados, MS, jun/201446
“Isso ocorre porque para muitos eles não são percebidos sequer como seres humanos, quanto mais como Guarani, Kaiowá ou Terena, por exemplo. São vistos como ‘bugres’, termo racista e recorrente na região.”
Sobre o governador de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB): “é o mais anti-indígena desde a criação do Estado”.
“Em Dourados e região o preconceito étnico-racial contra os indígenas é algo assustador para qualquer pessoa de fora que chega à cidade. Este comportamento faz parte das estratégias colonialistas de propagar uma imagem de ‘bárbaro’, ‘selvagem’ e ‘bugre’ aos Guarani, Kaiowá e Terena. Há até pessoas que dizem que chamá-los de ‘bugres’ não tem nada de preconceituoso. Quando assim dizem, demonstram por si só que o racismo já foi naturalizado na região, algo que é gravíssimo.
Esta situação também se deve ao papel de setores da imprensa local, por vezes mantidos com recursos públicos e pelo próprio movimento ruralista. Por isso sistematicamente divulgam uma imagem extremamente negativa a respeito dos Kaiowá, Guarani, Terena e outros povos indígenas.
O que ocorre nesta e em outras partes do Estado é algo comparável a um verdadeiro holocausto, indicativo do quando a região precisa ser humanizada.”
Sobre a política anti-indígena definida e aplicada pelo atual governo federal e seus aliados: “Para isso serve muito bem o atual modelo desenvolvimentista nacional, baseado no paradigma do crescimento econômico a qualquer custo. Seguir um paradigma assim tem reflexos negativos na política indígena oficial. Trata-se de um modelo colonialista que sistematicamente viola os direitos elementares dos povos indígenas e comunidades tradicionais, além de classes sociais em situação de vulnerabilidade social”.
6.7. Fernando Prioste, advogado, sobre a proposta da revogação da Convenção 169 da OIT, jun/201447
“Se de um lado o Governo Federal não tem atuado para assegurar a realização de direitos dos povos do campo e da floresta, por outro os ruralistas tentam derrubar as poucas leis que reconhecem direitos.”
6.8. Procurador da República Marco Antônio Delfino de Almeida, do MPF em Dourados (MS), sobre os suicídios entre os Guarani, mai/201448
“A discriminação e o ódio étnico, condutas incentivadas inclusive pelos meios de comunicação, acentuam sobremaneira o problema dos suicídios. Os indígenas são pintados como entraves, empecilhos, obstáculos ao desenvolvimento. É como se a mídia passasse a mensagem ‘se você quer ficar bem, tire o índio do seu caminho’.”
6.9. Deborah Duprat, Vice-procuradora Geral da República, mai/201449
Sobre a Reserva Indígena de Dourados, MS: “é a maior tragédia conhecida na questão indígena em todo o mundo”.
6.10. APIB na ONU, 20/mai/201450
“Contrariamente ao que o governo brasileiro divulga em espaços internacionais, a situação dos povos indígenas no Brasil hoje, é a mais grave desde a redemocratização do País, seja na quantidade de indígenas assassinados, seja nas iniciativas de esfacelar nossos direitos conquistados ao sangue de nossos povos.
Há no Brasil uma virulenta campanha de criminalização, deslegitimação, discriminação e racismo contra os povos indígenas. Informações midiáticas são difundidas visando burlar os fatos reais e projetar inverdades que constituem uma verdadeira inversão de direitos. Na concepção deles, os povos e comunidades indígenas se constituem em invasores, subverteres da ordem e principalmente são obstáculos ao desenvolvimento nacional.”
6.11. Mulheres Guarani e Kaiowá, TI Sucuriy, MS, jun/201451
“Reafirmamos à presidente da Funai que a Aty Guasu não acredita e não participará mais das mesas de ‘negociação’ do ministro da Justiça, pois acreditamos que esta já se converteu em espaços de negação de direito e de sujeição do processo de demarcação a setores ruralistas anti-indígenas, que já demonstraram por diversas vezes que não querem negociar, pois ao mesmo tempo em que participam de mesas, atuam na surdina para modificar leis, judicializar os processos no Mato Grosso do Sul, e na formação de milícia armada para atacar nossas comunidades e matar nossas lideranças.
Não aceitamos a ação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que impede, num gesto ilegal, a Funai de continuar com seu dever constitucional em demarcar nossas terras. O ministro brinca com o sangue de nossas lideranças ao nos negar a terra que é nosso direito.”
6.12. Márcio Santilli, ISA, fev/2014 (CHIARETTI, 2014)
“Não tem muita terra para pouco índio, tem muita terra para pouco fazendeiro.
Desterrar um povo indígena é ameaçá-lo de morte.
Se o poder público se dispusesse a indenizar de maneira digna, reduziria o conflito. O poder público tem que assumir sua responsabilidade. O governo precisa definir como vai indenizar os casos que têm que indenizar. Não adianta fugir dessa questão, é isso que pode reduzir o conflito. Não é mudar o procedimento de demarcação, que em diferentes etapas dá espaço a questionamentos de interesses contrariados. O problema não está no procedimento de demarcação.
Uma corrente diz que é mais barato fazer hidrelétrica. É mais barato porque não se computa o custo sócio-ambiental. Essas obras estão sendo feitas com o mesmo padrão incivilizatório da ditadura militar, em relação a todos os grupos sociais afetados. Quem mais consome é que tem que pagar pelo impacto. É o eletro-intensivo, o lingote de alumínio que se vende lá fora com essa energia toda embutida a preço de banana. Temos que fomentar a geração individual, criar redes inteligentes.”
E sobre o PLP n. 227, jul/201352
“Os ruralistas pretendem legalizar latifúndios, assentamentos rurais, cidades, estradas, empreendimentos econômicos, projetos de desenvolvimento em terras indígenas com o pretexto de uma situação excepcional, prevista pela Constituição para ser realizada numa situação de guerra ou epidemia.
Relevante interesse público deveria ser em casos extremos. Usam como mote para legalizar todo tipo de ocupação não indígena em terras indígenas.
O que se fez na Comissão de Agricultura foi uma proposta à imagem e semelhança do latifúndio.
Até o momento se teve um quadro de retrocesso não só na política indígena, mas em todas as políticas federais que têm uma interface com a questão fundiária e a questão de terras públicas. Praticamente não houve demarcação de novas terras indígenas, nem titulação de terras de quilombos, poucos casos de criação de unidades de conservação ambiental, uma paralisia na regularização de assentamento de reforma agrária. O que se vê é um recuo do governo Dilma em relação à destinação de terras para fins sócio-ambientais.
Parece que a corrupção é normal, (…) nessa política de alianças nojenta que vemos no Congresso Nacional, a atuação das empreiteiras, que definem a destinação da maior parte da capacidade de investimento do país.”
6.13. Boaventura de Sousa Santos, sociólogo, Universidade de Coimbra, Potugal, quando a APIB e outras lideranças estiveram com ele, jun/201453
“… forças muito poderosas, compostas pelas elites políticas e econômicas tanto nacionais como transnacionais, têm transformado tudo em obstáculo ao dito ´desenvolvimento´.” De acordo com o sociólogo português, os indígenas têm enfrentado a arrogância do modelo capitalista e colonialista em sua versão neoextrativista.54
Para “uma sociedade mais justa e igualitária”, Boaventura recomendou que os protagonistas das mobilizações em curso, nos mais variados campos de atuação, se conheçam melhor e se ajudem uns aos outros. “Esse encontro busca apoiar as lutas dos povos indígenas no Brasil”.
6.14. Moysés Pinto Neto, sobre o racismo indígena, jul/201455
“Afora esse preconceito etnocêntrico, Eduardo Viveiros de Castro têm demonstrado ao lado de outros importantes antropólogos que a cultura indígena é também um referencial que pode ser uma linha de fuga para o colapso civilizacional que o Ocidente vive em termos ecológicos, à medida que se contrapõe à nossa ‘necessidade extensiva’ como uma ‘suficiência intensiva’.
Por que o racismo contra os índios é o mais intenso hoje em dia? Simples: porque os setores políticos que se dirigem contra a injustiça ainda estão majoritariamente abastecidos pelo eurocentrismo e a ideologia do progresso.
Ela é totalitária, não aceita dissidência e pluralismo. Isso significa que, provando sua brutal ignorância antropológica, boa parte da esquerda, e em especial a que hoje governa o país, considera que o índio é alguém que precisa ser ‘incluído’. Um projeto monolítico com uma única missão: progredir, produzir, consumir.
Nas linhas escritas pelos defensores do Governo Dilma os índios simplesmente não aparecem, a questão não existe. ‘Índios, pena que já morreram todos, não?’ Aliás, a própria questão do reconhecimento do índio é usada como contra-argumento: ‘índio? Mas usa celular!’. De qualquer forma o índio sempre perde: se veste calça jeans, não é o índio; se não veste, é primitivo. As duas situações levam ao mesmo raciocínio: acabar com eles.
Assim, enquanto os movimentos negro, feminista e homossexual, por exemplo, conseguiram capitalizar suas demandas e transformar-se em força política de peso, inserindo suas demandas no quadro da política, os índios são objeto de uma indiferença atroz: recebem o silêncio institucional como resposta. A indiferença da invisibilidade, da não-questão, da falta de importância.
Fazer piada com índios ou outro grupo é o último esconderijo do racismo.
Ninguém pode chegar na esfera pública e declarar que é racista ou que negros são isso ou aquilo. Uma pessoa pode, como um candidato a senador do Rio Grande do Sul recentemente fez, dizer que ‘quantos índios no Brasil deixaram de ser índios e se tornaram profissionais respeitados?’ Com os índios, pode. Também tem gente de esquerda (ou de ex-esquerda, dizem as más línguas) afirmando que a cultura indígena vai terminar mesmo, e o que se pode fazer é incluí-lo e transformá-lo no pobre trabalhador. A ideologia do progresso está embutida nesse pensamento.
Os índios são o único grupo social a quem se pode dirigir na esfera pública propondo o extermínio da sua condição especial.
É a ofensiva anti-indígena mais intensa desde a época da ditadura militar que vivemos hoje em dia.”
6.15. CIMI, CPT e algumas lideranças indígenas, Seminário “Petróleo: Você Compra, a Natureza Paga”, Cruzeiro do Sul, AC, mar/201456
“Consideramos ilegítima a implementação de obras que viabilizarão a exploração do petróleo no Vale do Juruá, assim como a criação da Lei 2308, de 22 de outubro de 2010, que cria o Sistema Estadual de Incentivos por Serviços Ambientais (Lei SISA). Tivemos nossos direitos violados e exigimos revisão imediata desse processo, pois o que se chama de consulta, não atendeu aos critérios estabelecidos pela mencionada Convenção [169 da OIT]. / nos comprometemos a firmar aliança coletiva, para o enfrentamento deste modelo de morte, que vem invadindo nossos espaços de vida. (…) Desta forma, nos posicionamos veementemente contra a exploração petroleira tanto no Vale do Juruá, quanto em toda a Pan Amazônia.”
6.16. Jader Comapa, da Univaja (TI Vale do Javari), dez/2013 (FARIAS, 2013)
“A gente nem sabia direito o que estava acontecendo. Nada chegava para nós. A ANP fazia tudo escondido. Quando começamos a nos informar, pedimos que o leilão fosse cancelado e não fomos atendidos. Mandamos cartas oficiais, denunciamos em Brasília, a coordenação regional da Funai denunciou. A ANP tentou falar na mídia dizendo que fomos ouvidos, mas não é verdade.”
Com a compra do lote AC-T-8, os indígenas querem pressionar a Petrobras agora. “A gente vai partir para cima da empresa. Não queremos que ela faça exploração na área. Vai ser uma catástrofe. A área arrematada e os demais blocos podem estar fora da TI Vale do Javari, mas ali é trânsito de índios isolados.”
6.17. Clóvis Rufino, da Univaja (TI Vale do Javari), dez/2013 (FARIAS, 2013)
Lembrou ainda que os povos indígenas do Vale do Javari têm uma relação de “sofrimento” com a Petrobras, quando a empresa iniciou atividade na área nos anos 80 (suspensa posteriormente).
“A Petrobras causou muito impacto naquela época. Levou doença, morte, não respeitou nossos cemitérios nem os índios isolados. Mas agora, se não quiserem conversar, vão ter que nos enfrentar. Os índios avisaram que quem chegar perto, vão reagir. Vão usar arma e flechar”, disse Rufino.
6.18. Plataforma Dhesca Brasil, jun/2014 (DHESCA, 2014)
* 3 prioridades (deste relatório):
– Revogação imediata da Portaria n. 303 da AGU.
– Cumprimento da Convenção 169 da OIT, inclusive quanto aos PLs.
– Demarcação de todas as TIs pendentes (principalmente no MS).
“(…) críticas ao modelo de desenvolvimento brasileiro adotado e suas contradições, especialmente a falta de garantias de direitos humanos, sobretudo quando falamos em povos e comunidades tradicionais (p. 7).
(…) um longo processo histórico-social de negação de direitos aos povos indígenas no Brasil (p. 9).
A difícil situação dos indígenas no Mato Grosso do Sul se insere num cenário nacional de expropriação territorial. Inclusive é um processo que percorre toda a América Latina, numa disputa por recursos naturais. O que alarda no caso investigado é a dimensão do problema e o grau de acirramento que a questão assume no Estado com a segunda maior população indígena do país (p. 11).
Ademais, a correlação de forças revela-se bastante desproporcional. Os indígenas são fortemente pressionados pelo agronegócio e por projetos de desenvolvimento. Sendo que há uma elite local ancorada em transnacionais da economia para sobrepor seu modo de produção ao dos indígenas. Assim, tem imperado no Estado o respeito e incentivo às commodities soja, açúcar e gado no lugar onde havia indígenas, cedro, aroeira e peroba (p. 12).
(…) a pobreza chega a afetar 38% da população indígena, enquanto a média nacional é de 15,5% da população (ANAYA, 2010) (p. 15).
A Constituição Federal de 1988 abre o caminho para a construção de um Estado pluriétnico e multicultural assegurando aos indígenas direito à organização social, costumes, línguas, crenças e tradições; direitos originários e imprescritíveis sobre as terras que tradicionalmente ocupam, consideradas inalienáveis e indisponíveis; obrigação da União de demarcar as terras indígenas, proteger e fazer respeitar todos os bens nelas existentes; direito à posse permanente sobre essas terras; proibição de remoção dos povos indígenas de suas terras, salvo em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população ou no interesse da soberania do país, após deliberação do Congresso Nacional, garantido o direito de retorno tão logo cesse o risco; usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes; uso de suas línguas maternas e dos processos próprios de aprendizagem; e proteção e valorização das manifestações culturais indígenas, que passam a integrar o patrimônio cultural brasileiro (ARAÚJO, 2006) (p. 15).
Além disso, em todos estes grandes projetos vem junto o argumento do “relevante interesse público da União”, e assim os direitos assegurados pela Constituição e tratados internacionais de domínio sobre os seus territórios ficam subordinadas a este argumento abstrato. O mesmo argumento está presente na Portaria 303 da Advocacia Geral da União, ao dizer que frente a obras de interesse público da União caberia aos indígenas apenas “negociar ações mitigadoras e compensatórias”. Logo, retira-se toda a sua autonomia e autodeterminação (INESC, 2012) (p. 20).
Em suma, há um verdadeiro cerco armado para rever os direitos indígenas à luz de compreensões sobre desenvolvimento nacional, com clara opção pelo agronegócio como grande ramo da economia brasileira (p. 24).
Entre 1915 e 1928 [tempo do SPI] foram criadas oito áreas: as reservas Amambai, Dourados, Caarapo, Porto Lindo, Taquaperi, Sassoró, Limão Verde e Pirajuí (CAVALCANTE, 2013, p. 84), para abrigar os Kaiowá e Guarani, com a proposta de que cada uma delas tivesse cerca de 3.600ha. Contudo, algumas ficaram reduzidas tendo em vista a influência política da região. Na prática estas eram áreas para que os indígenas vivessem até que completassem o processo de assimilação com a sociedade nacional, bem como suas terras fossem liberadas para as atividades agropastoris. Deste modo, não houve qualquer preocupação com ancestralidade do território, e mesmo acesso a recursos, como água potável, já que o caráter era transitório até que os indígenas fossem integrados como trabalhadores (CAVALCANTE, 2013) (p. 28).
Ora, os indígenas não costumavam organizar sua sociedade com limites determinados e precisos, sob a constituição de um documento formal (p. 28).”
6.19. Gtpeg (composto pelo Ibama e ICMBio), 03/out/2013 (GTPEG, 2013)
“A análise apresentada anteriormente neste item expõe a importância da região da Bacia do Acre para a conservação da biodiversidade, assim como para a subsistência de populações tradicionais. (…) Impactos potenciais relacionados aos riscos de derramamentos de óleo (mesmo que residual associado a reservatórios de gás) em áreas de várzea e terras baixas da região, podem ter efeitos deletérios de elevada magnitude e de difícil reversibilidade, com consequências imprevisíveis sobre a fauna aquática e a vegetação de áreas alagáveis, além de desdobramentos sobre a pesca enquanto atividade essencial para a sobrevivência das populações locais.
O Relatório de Impacto Ambiental elaborado para o licenciamento do Gasoduto Urucu-Coari cita a ocorrência de um descontrole de poço (blow out) em campanha de perfuração na Amazônia que demorou mais de 30 dias para ser contido. Ainda que os cenários de descontrole sejam eventos acidentais de baixa ocorrência, não se pode prognosticar o alcance da dispersão dos poluentes gerados nestes eventos ou em derrames de menor expressão, mas que são comuns na indústria, sem estudos específicos que considerem a complexidade da circulação hidrológica existente. Somente um criterioso estudo de vulnerabilidade poderia subsidiar uma tomada de decisão que assegure que o bloco formulado possui condições para permitir que as diversas fases da atividade possam ocorrer resguardadas por um plano de emergência que tenha condições de salvaguardar os ativos ambientais. Além disto, há que se levar em conta as dificuldades para se garantir o acesso de recursos extras de contingência com as condições atmosféricas instáveis que frequentemente impedem o translado aéreo na região.
(…) o gerenciamento dos fluidos e cascalhos oriundos das atividades de perfuração exploratória e de desenvolvimento dos reservatórios. Considerando o isolamento da região, a destinação adequada desses resíduos pode ser bastante problemática. Há que se considerar que mesmo se fazendo a gestão dos produtos que compõem os fluidos de perfuração de base aquosa, menos agressivos que os fluidos sintéticos, eles necessariamente possuem elevado grau de salinidade em função da manutenção da estabilidade do poço. Em atividades no meio marinho a salinidade não constitui um problema, mas o potencial de contaminação dos lençóis freáticos torna este aspecto significativo no ambiente terrestre, já que há grandes volumes de material gerado e impossibilidade de transporte deste material para áreas remotas em função do custo. O encapsulamento de material poluente em aterros no meio da floresta é uma solução de eficácia bastante discutível, especialmente nas terras baixas, sendo muito difícil garantir que não haverá contaminação das águas subterrâneas ou mesmo superficiais. Considera-se que é imprescindível uma discussão aprofundada e transparente sobre o monitoramento ambiental das áreas de disposição deste material nos campos do polo Urucu para que se possa estabelecer critérios para futuras atividades.
Outra fonte de significativa preocupação é o potencial de indução de ocupações secundárias que levem ao aumento do desmatamento na região dos blocos. Nesse sentido, é fundamental que o desenvolvimento das atividades na Bacia do Acre possua a menor pegada ambiental possível, com o mínimo de intervenção e ocupação de áreas florestadas, evitando-se a abertura de novos acessos e a instalação de novos aglomerados populacionais em função dos projetos petrolíferos. Recomenda-se a adoção do modelo de operação análogo ao de plataformas offshore, com os trabalhadores em regime de escala, sem fixação de residência na região.
No que diz respeito à exploração de gás não convencional [xisto], o Gtpeg entende não haver elementos suficientes para uma tomada de decisão informada sobre o assunto. É preciso intensificar o debate na sociedade brasileira sobre os impactos e riscos ambientais envolvidos nessa exploração e avançar na regulamentação e protocolos para atuação segura. Recomenda-se a adoção de uma moratória para as operações de fraturamento hidráulico no país até que sejam realizados os estudos e debates necessários. A Avaliação Ambiental de Área Sedimentar – AAAS pode ser um instrumento adequado para subsídio à tomada de decisão em determinada bacia de interesse.”
Referências bibliográficas e da internet
– CAVALCANTE, T. L. V. (2013) Colonialismo, território e territorialidade: A luta pela terra dos Guarani e Kaiowá em Mato Grosso do Sul. UNESP (Universidade Estadual Paulista): Assis. (Tese de Doutorado em História)
– CAPIBERIBE, A. & BONILLA, O. (2013) O rolo compressor ruralista. http://www.brasildefato.com.brapud http://racismoambiental.net.brde 18/12/2013.
– CHIARETTI, D. (2014) Brasil tem de reconhecer a terra indígena, diz especialista. Jornal Valor Econômico, 21/02/2014.
– DHESCA (Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil). (2014) Violações de direitos humanos dos indígenas no Estado do Mato Grosso do Sul. Curitiba.
– FARIAS, E. (2013) Após leilão, índios prometem reagir contra exploração de petróleo. http://amazoniareal.com.br, em 09/12/2013.
– FELLET, J. (2014) “Dilma acha que precisamos consumir e ter chuveiro quente”, diz líder indígena. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/06/140607_copa_indios_protestos_entrevista_rb.shtml. Acesso em 09/06/2014.
– FRANCO, Mariana C. Pantoja. (2008)Os Milton: Cem anos de história nos seringais. Rio Branco: EDUFAC.
– GTPEG (Grupo de Trabalho Interinstitucional de Atividades de Exploração e Produção de Óleo e Gás). (2013) Parecer Técnico GTPEG n. 03/2013. Brasília. 03/10/2013.
– IHU (Instituto Humanitas Unisinos). (2014) O crescimento já é um genocídio em câmera lenta. Disponível em: http://www.ecodebate.com.br. Acesso em: 10/07/2014.
– INESC (Instituto de Estudos Socioeconômicos). (2012) Série Boletim Socioambiental 2012. Brasília. Disponível em: http://www.inesc.org.br/biblioteca/publicacoes/textos/serie-orcamento-socioambiental. Acesso em: 24/03/2014.
– MOLINA, L. (2013) O gatilho da ofensiva ruralista. http://wwwdiarioliberdade.org, apud http://racismoambiental.net.brde 15/12/2013.
– OLIVEIRA, J. P. de. (2012) Portaria da AGU é um ato de violência contra os indígenas. Manaus. Disponível em: http://acritica.uol.com.br/amazonia/Portaria-AGU-violencia-indigenas-antropologo_0_791320884.html. Acesso em: 14/10/2012.
Lista de siglas
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AAAS: avaliação ambiental de área sedimentar
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AAE: avaliação ambiental estratégica
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AAFI: agente agroflorestal indígena
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AAV: agente ambiental voluntário
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ABA: Associação Brasileira de Antropologia
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AC: Acre
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AGU: Advocacia Geral da União
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AIS: agente indígena de saúde
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Aisan: agente indígena de saneamento
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AM: Amazonas
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ANP: Agência Nacional de Petróleo
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Anvisa: Agência Nacional de Vigilância Sanitária
-
APIB: Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
-
Asibama: Associação dos servidores da carreira de especialista em meio ambiente
-
BA: Bahia
-
BBC: British Broadcasting Corporation (Corporação Britânica de Radiodifusão)
-
BNDES: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
-
BR: rodovia federal
-
CF-88: Constituição Federal de 1988
-
CIMI: Conselho Indigenista Missionário
-
CNA: Confederação Nacional da Agricultura
-
CNPI: Comissão Nacional de Política Indigenista
-
CNPT: Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Sociobiodiversidade Associada a Povos e Comunidades Tradicionais
-
Coiab: Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia
-
Coica: Coordinadora de las Organizaciones Indígenas de la Cuenca Amazónica (Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica)
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Conama: Conselho Nacional do Meio Ambiente
-
CPI: Comissão Pró-Índio
-
CPT: Comissão Pastoral da Terra
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CT&I: ciência, tecnologia e inovação
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CTI: Comissão de Trabalho Indigenista
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CTNBio: Comissão Ténica Nacional de Biossegurança
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Dec.: decreto
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DEM: Partido “Democratas”
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Dhesca: Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil
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DPCT: Departamento de Política Científica e Tecnológica
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Embrapa: Empresa Brasileira de Agropecuária
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EUA: Estados Unidos da América
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FAO: Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação
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FPA: Frente Parlamentar Agropecuária
-
Funai: Fundação Nacional do Índio
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Funasa: Fundação Nacional de Saúde
-
GATI: gestão ambiental de terra indígena
-
Gtpeg: Grupo de Trabalho Interinstitucional de Atividades de Exploração e Produção de Óleo e Gás
-
Ibama: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
-
ICMBio: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
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IHU: Instituto Humanitas Unisinos
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IIEB: Instituto Internacional de Educação do Brasil
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Incra: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
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INESC: Instituto de Estudos Socioeconômicos
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INPA: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
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ISA: Instituto Socioambiental
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LC: lei complementar
-
MA: Maranhão
-
MAB: Movimento dos Atingidos por Barragens
-
MMA: Ministério do Meio Ambiente
-
MPF: Ministério Público Federal
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MS: Mato Grosso do Sul
-
MST: Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
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MT: Mato Grosso
-
OAB: Ordem dos Advogados do Brasil
-
OEMA: órgão estadual de meio ambiente
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OGM: organismo geneticamente modificado
-
OIT: Organização Internacional do Trabalho
-
ONG: organização não-governamental
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ONU: Organização das Nações Unidas
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PA: Pará
-
PAA: Programa de Aquisição de Alimentos
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PAAV: Programa de Agentes Ambientais Voluntários
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PAC: Programa de Aceleração do Crescimento
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PCH: pequena central hidrelétrica
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PDPI: Projeto Demonstrativo dos Povos Indígenas
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PDT: Partido Democrático Trabalhista
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PEC: Projeto de Emenda Constitucional
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PF: Polícia Federal
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PL: projeto de lei
-
PLP: projeto de lei complementar
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PMDB: Partido do Movimento Democrático Brasileiro
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PNAE: Programa Nacional da Alimentação Escolar
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Pngati: Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas
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PNUD: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
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Pnuma: Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
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PP: Partido Progressista
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PPB: Partido Pacifista Brasileiro
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PR: Partido da República
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Pronara: Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos
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PSC: Partido Social Cristão
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PSD: Partido Social Democrático
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PSDB: Partido da Social Democracia Brasileira
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PT: Partido dos Trabalhadores
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PTB: Partido Trabalhista Brasileiro
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PZ: Parque Zoobotânico
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RO: Rondônia
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RR: Roraima
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RS: Rio Grande do Sul
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SAF: sistema agroflorestal
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SBPC: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
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SPI: Serviço de Proteção ao Índio
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TCU: Tribunal de Contas da União
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TI: terra indígena
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TO: Tocantins
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UC: unidade de conservação
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UEPA: Universidade Estadual do Pará
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UFAC: Universidade Federal do Acre
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UFPA: Universidade Federal do Pará
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UFRR: Universidade Federal de Roraima
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UHE: usina hidrelétrica
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Ulbra: Universidade Luterana do Brasil
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Unicamp: Universidade Estadual de Campinas
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Unimep: Universidade Metodista de Piracicaba
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USP: Universidade de São Paulo
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Roberta Graf é doutora em Política Ambiental (DPCT / Unicamp), mestre em Gestão Ambiental e Energética (Unimep), graduada em Química (Unicamp), graduanda em Ciências Sociais (Ulbra), servidora do ICMBio / CNPT / Acre e ex-servidora do Ibama.
Manoel Gomes, da TI Colônia 27, etnia Huni Kuin (Kaxinawá), e Sabá Manchineri, da TI Mamoadate, etnia Manchineri, respectivamente.
Obtive a redistribuição ao ICMBio, o órgão irmão gêmeo do Ibama (de quando este foi divido ao meio na gestão Lula), onde estou desde 30 de julho último.
Trabalhamos com indígenas, extrativistas, pescadores, ribeirinhos, pequenos colonos e até, em menor quantidade, comunidades urbanas voltadas a gestão ambiental de algum território, em geral uma unidade de conservação.
Disponível em http://racismoambiental.net.br, de 19/07/2013.
Disponível em http://racismoambiental.net.br, de 07/07/2014.
Há diversas iniciativas exitosas resultantes, como implementação de agrofloresta, produção de frutas, criação de peixes e pequenos animais domésticos, educação ambiental, gestão de resíduos, saneamento, e vigilância e fiscalização de territórios.
A comunidade para os indígenas é bem coesa. As próprias relações de parentesco entre eles são ampliadas para além das relações sanguíneas, tecendo redes sociais fortes, intra e intercomunitárias, de trocas e ajuda mútua contínuas.
Dizem os autores da Plataforma Dhesca “vida digna a estes povos, visto que a produção e reprodução de seu modo de ser está intimamente ligada ao espaço da ancestralidade, da terra(DHESCA, 2014, p. 17).”
Lei Estadual n. 1.534, de 22/01/2004, que “veda o cultivo, a manipulação, a importação, a industrialização e a comercialização de organismos geneticamente modificados (OGMs) no Estado do Acre“.
Aliás os indígenas têm se preocupado amiúde com maciços manejos madeireiros na região do Rio Gregório, por exemplo, em que o governo vem construindo diversas serrarias de transbordo. Muitas destas áreas fazem divisa com a TI Rio Gregório, e milhares de hectares pertencem ao milionário televisivo “Ratinho”, cuja fama não é nada boa nestas paragens. O manejo madeireiro é muito criticado por cientistas e ambientalistas por, de fato, não ser ecologicamente sustentável, não ser bem monitorado pelos órgãos ambientais e abrir brecha futura ao desmate para instalação de pecuária, além de outros impactos socioculturais normalmente desprezados pela cadeia econômica envolvida (com boas exceções, no entanto).
É preciso fazer pelo menos outras duas menções honrosas aos Kuntanawa. Eles foram os protagonistas, na pessoa do patriarca “Seu Milton” e toda a família, junto a colegas extrativistas, na criação da primeira reserva extrativista do mundo, a Resex Alto Juruá. Na época, ainda não tinham retomado sua etnicidade Kuntanawa (cf FRANCO, 2008), mas há alguns anos sim, e estão demandando, então, uma TI específica. Outra é a do liderança jovem Haru Kuntanawa (AAV formado pelo Ibama, inclusive) que tem se destacado na defesa ambiental local à internacional, sendo membro de uma comissão da ONU pela paz mundial, e fazendo alianças com lideranças indígenas e ambientalistas do exterior. Aliás, há diversos indígenas acrianos famosos internacionalmente por seus trabalhos e presenças em convenções mundiais, como é o caso também dos AAVs Benki Pianko (da etnia Ashaninka), e Nilson Saboia (Tuwe, da etnia Huni Kuin, cineasta).
Principalmente no Brasil, em que os grandes latifundiários, os “ruralistas”, possuem muito poder político e estão avidamente se estendendo por vastos territórios, inclusive com expulsão de populações tradicionais (falaremos mais sobre isso adiante).
Os indígenas acrianos utilizam de muitas outras plantas de poder, componentes do rapé (incluindo o tabaco) e o muká, ou irarê, considerado ainda mais sagrada, de uso restrito a iniciados com autorização de um pajé, e que exige severas dietas para se utilizar.
Kupixau oukupixawaé o nome dado aos “chapéus de palha” ou arenas cobertas, destinadas a reuniões, festas e rituais sagrados.
Na economia ecológica, consultar autores como Robert Constanza e Clóvis Cavalcanti, e sobre o Crescimento Zero ou Decrescimento, consultar N. Georgescu-Roegen, Meadows et al. (Limites do crescimento, de 1972), Herman Daly e Serge Latouche.
Há décadas se sabe que a Amazônia é inadequada a hidrelétricas, pois o impacto socioambiental e ecológico é enorme. Hoje se sabe mais, por exemplo, que elas são verdadeiras “fábricas de metano”, um poderoso gás estufa (palestra do brilhante pesquisador do INPA, Philip Fearnside nesta SBPC, em 25/07/2014). No que se refere às PCHs (pequenas centrais hidrelétricas), também, o impacto tem sido considerável, pois seria necessário uma avaliação ambiental estratégica (AAE) de toda uma região, pois várias PCHs somadas são também de alto impacto, mas isso nunca é feito, outrossim, temos licenciamentos ambientais pontuais cada vez mais simplificados. Há dezenas de hidrelétricas previstas ou em construção na Amazônia, Pantanal (um bioma que também é muito sensível) e outras regiões brasileiras, em detrimento de um parco investimento em energias alternativas, eficiência energética e repotenciação das UHEs existentes. Além disso, sabe-se que a grossa parte da energia elétrica prevista destina-se às indústrias energointensivas como a do alumínio, e que a demanda desta energia não é assim tão grande como o governo anuncia (falácia do perigo de “apagões”).
Tanto pela crescente flexibilização da legislação a respeito quanto pelo sucateamento dos órgãos licenciadores (Ibama e OEMAs). Neste mês o governo anunciou que breve sairão novas medidas de flexibilização, algo já perigosamente apelidado de “licenciamento express”, para agilizar e facilitar os empreendimentos.
A este respeito, consultar diversas matérias nos sitesde Telma Monteiro, Combate ao Racismo Ambiental e Ecodebate, e textos do Prof. Rodolfo Salm, da UFPA em Altamira, de Claret Fernandes, de Célio Bermann e de A. Oswaldo Sevá Filho.
E às vezes, até hoje, os ativistas sofrem perseguição e espionagem. A ditadura parece ter amansado e trocado de mãos, porém não ter sido extinta.
Na questão dos agrotóxicos e transgênicos observamos muito as empresas multinacionais ganhando ações na justiça, vergonhosas, contra a Anvisa, que embora sucateada, é um órgão que procura de toda a forma proteger a saúde pública da população, no controle destes venenos.
É o caso de vários municípios no Mato Grosso do Sul, Humaitá e Manicoré, no Amazonas, e Altamira, no Pará.
Ver o sitewww.republicadosruralistas.com.br, lançado pelas organizações ISA, CTI, CIMI, APIB e Greenpeace.
Em “agronegócio” lê-se a produção de vastas monoculturas de exportação com baixo valor agregado, com destaque à soja, sempre aliadas ao alto consumo de agrotóxicos e transgênicos, em que o setor ruralista é também aliado das multinacionais do ramo, como Monsanto, Syngenta e Bayer.
Houve um violento ataque da PF em suas terras em 2013, supostamente para conter garimpeiros, mas quem sofreu violência foram os indígenas, um deles assassinado. Logo após os Munduruku terem contundentemente feito uma série de manifestos locais e em Brasília, diretamente com os maiores chefes de estado, contra as 7 hidrelétricas previstas que lhes afetam. Recentemente, em Jacareacanga, 70 professores Munduruku foram demitidos sem justa causa, sua casa de apoio foi incendiada e houve violência física em confrontos. O Ministério Público obrigou a prefeitura a recontratar os professores. O Dec. n. 7.957 que permite à Força Nacional conduzir estudos de licenciamento ambiental de hidrelétricas surgiu logo após esse contexto de resistência às hidrelétricas dos Rios Tapajós e Teles Pires.
O cacique Tenharim foi assassinado em dezembro de 2013 após ter denunciado os madeireiros invasores ao Ibama. Recentemente houve uma grande armação em que assassinaram três não-índios dentro da sua terra, e acusaram injustamente 5 indígenas por isto, os quais estão presos. Paralelamente, a sede e veículos da Funai em Humaitá (AM) foram invadidos e incendiados. As elites incitam ódio e racismo indígena na população deste município.
O Brasil não só tem sido liderança em assassinatos de indígenas como também de ambientalistas e ativistas sociais.
Disponível em http://racismoambiental.net.br, de 23/05/2014.
Aliás é comum servidores da Funai, Incra, Ibama e ICMBio serem perseguidos em suas ações pró indígenas e meio ambiente, quando poderosos fazendeiros, grileiros, madeireiros e outros criminosos são confrontados.
Enquanto isso, nesse estado há pelo menos 5 milhões de hectares degradados, improdutivos (dados da Embrapa citados por Márcio Santilli, apud CHIARETTI, 2014).
Disponível em http://racismoambiental.net.br, de 02/07/2014.
“No ano de 2013, houve uma iniciativa da Casa Civil de deslegitimar a entidade [Funai] ao criticar estudos de demarcação com base em laudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), cessando a demarcação de terras indígenas em diversos Estados. Acerca disso, ressalta-se que a Casa Civil não possui qualquer capacitação técnica para, por meio da Embrapa, propor a reformulação da Portaria do Ministério da Justiça sobre os procedimentos demarcatórios (DHESCA, 2014, p. 20).”
Lembrando que há um passivo de demarcação de dois terços dos territórios ocupados ancestralmente por indígenas, pois, se na Amazônia a situação é mais ou menos encaminhada, há milhares de indígenas sem terra em outras regiões.
“Paulo Quartieroé do DEM, ruralista dos principais, arrozeiro invasor TI Raposa Serra do Sol em RR, é grileiro, possui ao menos 12 mil ha de terra. É réu em seis ações penais por sequestro e cárcere privado; por crime contra a liberdade pessoal e formação de quadrilha; crimes contra o patrimônio; crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social; e crimes contra a administração em geral, desobediência e desacato. É investigado por homicídio qualificado, crimes contra o patrimônio, crimes de responsabilidade, sonegação de contribuição previdenciária, crimes contra o meio ambiente e o patrimônio genético. É alvo de ação de execução fiscal movida pelo Ibama e foi responsabilizado pelo TCU por irregularidades em prestação de contas de convênio e condenado a pagar a dívida e multa. Entrou com recursos, mas a decisão foi mantida(http://www.republicadosruralistas.com.br/,jul/2014).”
Odebrecht, Camargo Correia, Andrade Gutierrez e OAS, que também têm faturado imensamente com as mega-obras da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016 (“As quatro irmãs: Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez”, em http://racismoambiental.net.br, em 01/07/2014), bem como faturarão nas hidrelétricas a serem construídas por iniciativa do governo brasileiro no Peru e na Bolívia, com dinheiro do BNDES envolvido.
Desde a prospecção sísmica o processo tem sido bastante criticado, localmente, por não ser participativo, nem mesmo com os órgãos públicos.
Está para ser criada a UC de proteção integral “Campinaranas do Rio Ipixuna”, com parte no Acre e outra bem maior no Amazonas, área de relevância ecológica extremamente alta, forte endemismo, de nascentes de vários rios do AM, e que fará corredor ecológico com a TI Vale do Javari. Além disso, há insuficiência de proteção desse tipo de ecossistema no Brasil (GTPEG, 2013).
O xisto é obtido com um faturamento (fracking) de rochas profundas que contém bolhas deste gás. O faturamento é feito com jatos fortes de água. A técnica é de alto impacto e contamina fortemente águas superficiais e subterrâneas, e vem causando cânceres e malformações fetais em áreas dos EUA em exploração. Na Amazônia a exploração de xisto é simplesmente inconcebível, tamanho o impacto esperado numa área tão rica em água e frágil geologicamente (solo rico em areia e argila).
Me lembro também de sempre ver manifestadas associações de docentes e pesquisadores de universidades como UFPA, UEPA e UFRR, entre outras, por exemplo no caso das hidrelétricas na Amazônia. Também vemos associações de servidores públicos, como da Funai e Incra, e como do Ibama e ICMBio (Asibama, como quando pronunciou-se e exigiu posição do MMA em moratória contra a exploração de xisto). Idem para manifestações contra PLs anti-indígenas por parte da OAB e da associação de advogados públicos. Todas estas manifestações são de suma importância na arena política brasileira.
Carta aberta do site “Ecocosas”, disponibilizada por IHU em http://www.ecodebate.com.br, de 13/06/2014.
Um bom exemplo de aliança de movimentos sociais foi o “I Seminário Estadual dos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos no Rio Grande do Sul”, de 09 a 11/jun/2014, que uniu indígenas, quilombolas, populações tradicionais e agricultores familiares. Posicionaram-se contra a aliança ruralista do agronegócio e as corporações transnacionais de agrotóxicos e transgênicos.
Infelizmente há notícia de que o governo brasileiro, não se sabe por quais meios, e mesmo por dentro de alguma instituições públicas, esteja praticando a espionagem da internet dos usuários, inclusive servidores públicos, o que é ilegal e lamentável. Bem como, nas instituições, apelida-se o sinal de internet de “net-ditadura”, pois inúmeros sitessão bloqueados, não somente as redes sociais e o “youtube”, bem como sitesimportantes, como os ambientais e de organizações científicas. O que atrapalha sobremaneira o nosso trabalho.
Disponível em http://racismoambiental.net.br, de 18/06/2014.
Disponível em http://racismoambiental.net.br, de 02/07/2014.
Carta aberta da APIB, COIAB, outras 6 organizações indígenas, CTI, CIMI, ISA e Greenpeace, de 04/06/2014, disponível em http://racismoambiental.net.br, de 05/06/2014.
Disponível em http://racismoambiental.net.br, de 18/06/2014.
Disponível em http://racismoambiental.net.br, de 26/06/2014.
Disponível em http://racismoambiental.net.br, de 01/06/2014.
Disponível em http://racismoambiental.net.br, de 23/05/2014.
Disponível em http://racismoambiental.net.br, de 23/05/2014.
Disponível em http://racismoambiental.net.br, de 20/05/2014.
Disponível em http://racismoambiental.net.br, de 01/07/2014.
Disponível em http://racismoambiental.net.br, de 19/07/2013.
Disponível em http://racismoambiental.net.br, de 02/07/2014.
Eu, pessoalmente, não gosto do uso desse termo neoextrativistaneste contexto de exploração, isso me parece mais um problema de tradução de outras línguas ao português. Eu usaria mais neoexploracionismo, ou neopredacionismo. Afinal, extrativismo para nós brasileiros, e mais, para nós amazônicos, é uma atividade intrinsecamente sustentável, das populações tradicionais mantendo a floresta. José Rego, professor e ex-gestor público do Acre, cunhou o neoextrativismo, no início dos anos 2000, como emblema da florestaniade Jorge Viana (senador do Acre pelo PT), e que significava algo também sustentável, qual seja, a aliança entre atividades extrativas sustentáveis, a pequena agricultura ecológica e a criação de pequenos animais, que em conjunto são práticas das populações tradicionais.
Disponível em http://racismoambiental.net.br, de 07/07/2014.
Disponível em http://racismoambiental.net.br, de 23/03/2014.
EcoDebate, 25/08/2014
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Prezada Dra. Roberta,
Parabenizo o seu texto, pela coragem e etica no reconhecimento e importancia do PAAV no contexcto nacional. Falar de sustentabilidade no papel é um fato, porém exercitar a sustentabilidade na qualidade de vida é extremamente relevante.
Obrigada pela sua amizade e respeito que tenho por esse trabalho que exercitei dentro do Ibama Amazonas por mais de 15 anos, totalizando 3.850 pessoas em 42 municipios.