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As rodovias fluminenses e o processo de difusão evangélica no Rio de Janeiro, por José Eustáquio Diniz Alves, Suzana Cavenaghi e Luiz Felipe Walter Barros

As rodovias fluminenses e o processo de difusão evangélica no Rio de Janeiro

José Eustáquio Diniz Alves1

Suzana Cavenaghi2

Luiz Felipe Walter Barros3


“Não é a religião enquanto conservação e permanência que deve interessar à sociologia, mas sim a religião em mudança, a religião como possibilidade de ruptura e inovação, a mudança religiosa e, portanto, a mudança cultural” – (Pierucci e Prandi, 1996)

[EcoDebate] O Brasil está passando por profundas mudanças no perfil religioso de sua população. Tem diminuído o número de pessoas que se declaram católicas, ao mesmo tempo que crescem aqueles que se declaram evangélicos, sem-religião, espíritas, etc. A proporção de católicos brasileiros caiu de 89% em 1980, para 83% em 1991 e chegou a 64,6% em 2010. O Estado do Rio de Janeiro é a Unidade da Federação em que há maior diversidade religiosa e onde os católicos apresentam os menores percentuais do país.

No estado do Rio de Janeiro os católicos eram 67% em 1991, caíram para 56% em 2000 e chegaram a 46% em 2010. Dentre as 92 cidades do estado, em 2000, havia apenas um município (Silva Jardim) onde os evangélicos superavam os católicos. Mas em 2010, o número passou para 18 municípios. A queda do percentual de católicos foi maior onde o percentual já era baixo e a diversidade religiosa era mais alta. Ou seja, em vez de ter um piso, no processo de mudança de hegemonia a queda do percentual de católicos tende a se aprofundar e não a se estancar.

Entre 2000 e 2010, houve aumento do percentual de católicos apenas em dois municípios pequenos: Macuco e São José de Ubá, ambos no norte-fluminense, quase na fronteira com Minas Gerais e fora das rodovias mais dinâmicas do Estado. Por outro lado, em Queimados, Japeri, Silva Jardim e Seropédica o percentual de católicos está abaixo de 30%.

Os dados do Estado do Rio de Janeiro mostram que o processo de transição religiosa (com a queda dos católicos e a subida dos evangélicos) segue um padrão regional e espacial. A difusão evangélica é muito rápida desde Duque de Caxias, Nova Iguaçu, queimados até Seropédica, ou seja, da Baixada Fluminense até a Serra das Araras pela rodovia 116 (rodovia Dutra). Na direção norte, outro vetor de mudança vai de São Gonçalo rumo a Itaborai, Tanguá, Silva Jardim, etc. Ou seja, em torno da BR 101, indo até Cabo Frio e Macaé. Na direção sul, o processo de difusão segue a rodovia Rio-Santos, onde o percentual de evangélicos cresce em Mangaratiba, Angra dos Reis e Paraty, mas se mantém baixo na cidade de Rio Claro, que não é cortada nem pela Dutra (rodovia 116) e nem pela Rio-Santos (rodovia 101).

Os católicos fluminenses mostram maior resistência à mudança em torno da rodovia 040 – que liga a cidade do Rio de Janeiro a Juiz de Fora – e nos municípios da fronteira com o Estado de Minas Gerais, que é uma Unidade da Federação onde os católicos ainda detinham 70,4% das filiações religiosas, em 2010

Como mostraram Alves, Barros e Cavenaghi (2012): “O Brasil vem passando por um processo de mudança religiosa e cultural, com difusão da mensagem evangélica que acontece de baixo para cima, em termos sociais, da periferia para o centro, em termos espaciais, do meio urbano para o rural em termos de situação do domicílio, dos negros para os brancos, em termos étnicos-raciais, dos jovens para os idosos, em termos de geração, e das mulheres para os homens, em termos de gênero”.

Os dados do censo demográfico de 2010 mostram que, pelo menos no Estado do Rio de Janeiro, o processo de difusão dos evangélicos (principalmente pentecostais e neopentecostais) também segue um padrão espacial que avança pelas principais rodovias do Estado, tendo como foco de difusão a periferia da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Embora estejamos em uma época dominada pela televisão, rádio e Internet, as estradas parecem ser o canal de consolidação da transição religiosa no estado do Rio de Janeiro.

Referência:

PIERUCCI, AF, PRANDI, R. A realidade social das religiões no Brasil, Hucitec, São Paulo, 1996, p. 9

ALVES, JED, BARROS, LFW, CAVENAGHI, S. A dinâmica das filiações religiosas no Brasil entre 2000 e 2010: diversificação e processo de mudança de hegemonia.
REVER (PUC-SP), v. 12, p. 145-174, 2012.

http://revistas.pucsp.br/index.php/rever/article/view/14570

1, José Eustáquio Diniz Alves, Professor do Mestrado e Doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE) do IBGE. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

2, Suzana Cavenaghi, Professora da ENCE/IBGE. E-mail: suzana_cavenaghi@uol.com.br

3, Luiz Felipe Walter Barros, Técnico do IBGE, Diretoria de Pesquisas, Gerência Técnica do Censo Demográfico. E-mail: lfelipewb@gmail.com

 

EcoDebate, 01/08/2014


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4 thoughts on “As rodovias fluminenses e o processo de difusão evangélica no Rio de Janeiro, por José Eustáquio Diniz Alves, Suzana Cavenaghi e Luiz Felipe Walter Barros

  • Eu sei que entre um e outro eles vêem gigantescas diferenças, e que economicamente (e até politicamente, já que na política os evangélicos aparentam ser mais articulados) faz diferença e mais reticências e reticências, mas no frigir dos ovos eu nunca consegui ver muita diferença real entre evangélicos e católicos. São duas comunidades que seguem os mesmos livros religiosos (velho e novo testamento), o mesmo deus (o Deus cristão, e sim, essa diferença de letra minúscula e maiúscula tem significado) e via de regra quando um católico tenta dizer o quanto um evangélico é diferente dele ou vice e versa ou descambam para comprimento de cabelo e altura de saia (e nem esses são tão diferentes assim, se pegarmos carolas dos dois lados) ou para discussões sobre quantos anjos dançam em uma cabeça de alfinete.

    O Brasil pode estar “mudando” de um grande país cristão para um grande país cristão, mas entre todas as mudanças do Brasil, duvido que essa vá realmente ser a mais importante.

  • É lamentável constatarmos que, no século em que vivemos (XXI), após ocorrência de tanto desenvolvimento científico e tecnológico, e depois de tanto tempo da criação das crenças religiosas (dezenas ou mesmo centenas de milhares de anos), e depois de tantos males causados e da evidência – para quem quer ver – de todo o aparato ilusório, fundamentado em mentiras tolas que, a princípio, somente poderiam ser aceitas por criancinhas de menos de cinco anos de idade, a grande maioria dos seres humanos ainda se agarra a essa crenças (religiosas) como se elas fosse a tábua de salvação de quem está jogado no meio do oceano.
    O crescimento de algumas religiões, em relação a outras, não apresenta qualquer importância. O que é socialmente preocupante é a existência e, pior ainda, o crescimento da população de seres humanos presos a essas crenças.
    Mas essa situação favorece o sistema capitalista, e, por isso, ela é incentivada pela mídia.
    Que partido político, em país capitalista, consegue chegar ao poder e nele se manter, se não contar com o apoio das religiões?

  • Não entendi a causalidade: como as rodovias funcionariam como vetores da difusão evangélica?

  • Jose Eustáquio

    Olá pessoal,

    Obrigado pelos comentários.

    Max Weber mostrou que as mudanças religiosas fazem parte das mudanças culturais mais amplas e são importantes para a análise das mudanças econômicas e sociais dos paises.

    No caso brasileiro o que chama a atenção é o processo de aumento da pluralidade religiosa (o que inclui os sem-religião). Em meados do século passado, os católicos eram cerca de 95% da população e os cristãos (catolicos + evangélicos) eram 97%. Em 2010, este números passaram para 65% e 87%. Ou seja, os não cristãos passaram para 13% da população, sendo que os sem-religião já são 8% no Brasil e 15% no Rio de Janeiro.

    Vários autores mostram que o monopólio de uma religião é prejudicial à democracia e que a pluralidade religiosa dá mais liberdade para as pessoas.
    Todas as grandes religiões monoteístas (judaismo, catolicismo, islamismo) possuem um passado com elementos comuns e se assemelham em vários aspectos. As diferenças entre católicos e evangélicos é pequena quando comparadas, por exemplo, com religiões orientais. Mas há diferenças que precisam ser compreendidas.

    Quanto às estradas fluminenses, os dados mostram que a difusão dos evangélicos acompanha as principais rodovias. Isto sugere que o contato porta a porta e a presença de física de pastores e templos é fundamental para a consolidação da mensagem evangélica (principalmente pentecostal). Ou seja, a despeito da presença na mídia e na Internet, a infra-estrutura rodoviária tem um peso importante no processo de mudança de hegemonia religiosa.

    Estamos terminando um outro artigo mais amplo (25 páginas) que trata destas questões. Assim que tiver
    publicado posso divulgar no Ecodebate.

    Abs e obrigado novamente, JE

Fechado para comentários.