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UTI ambiental: doenças de instituições públicas, artigo de Osvaldo Ferreira Valente

 

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[EcoDebate] As opiniões que vou emitir neste artigo refletem a sensação de um observador da cena ambiental no país durante os últimos cinquenta anos. Não estou interessado nos ritos processualistas e nem nas hierarquias que são tão cultivadas por aqui. O que me incomoda é o grande número de instituições públicas teoricamente ligadas às questões ambientais e que não conseguem ser eficientes. Há muita superposição de funções, na prática, que confunde quem precisa de alguma definição para um problema objetivo. Aliás, objetividade parece ser um termo desconhecido das instituições públicas brasileiras.

Mais recentemente, a falta de objetividade tem interferido na aplicação do novo Código Florestal. A coisa é tão séria que o Observatório do Código, reunindo entidades ligadas ao meio ambiente, está se mobilizando para pressionar os responsáveis para uma maior eficiência e para a busca de parcerias que possam quebrar burocracias e agilizar procedimentos para colocar em prática o Cadastro Ambiental Rural (CAR), primeiro passo para tirar o Código do papel.

Mas a origem da morosidade com que caminha o cumprimento de leis e normas no Brasil parece estar na instabilidade das instituições, que são criadas e modificadas constantemente. Em 1967 foi criado o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, o IBDF, com a missão primeira de colocar em prática o Código Florestal de 1965. Não teve apoio, estrutura, sofreu denúncias de irregularidades e acabou sendo substituído pela Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), criada em 1973, que também foi substituída, em 1989, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Em 1972 entra em cena o Ministério do Meio Ambiente (MMA), que encampou o Ibama e propiciou a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade( ICMBio) e do Serviço Florestal Brasileiro (SFB). Além dos dois institutos listados, o MMA ainda conta, para suas atividades fins, com o Instituto de Pesquisa Jardim Botânico do Rio de Janeiro, mais cinco Secretarias, sete Conselhos e abriga a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisama). Mas para um país que tem 39 Ministérios, a área ambiental não poderia ficar de fora do oportunismo da geração de cabides de emprego e dos feudos políticos.

Além da estrutura listada, que serve para exercício das atividades externas do Ministério, ainda há, para assistência direta e imediata do Ministro, o Gabinete, a Assessoria de Assuntos Internacionais, a Consultoria Jurídica e a Secretaria Executiva. Esta última dividida em uma Subsecretaria e seis Departamentos. Esta confusa composição gera superposições inexplicáveis de funções dentro da estrutura do Ministério. Vamos examinar, a seguir, as atribuições de algumas das unidades:

1) Ao Ibama compete a fiscalização, o monitoramento e o controle ambiental, enquanto ao ICMBio compete a proteção, a fiscalização e o monitoramento das Unidades de Conservação; parece, então, que as Unidades de Conservação não pertencem ao domínio ambiental, pois, do contrário, parte das competências do ICMBio já estariam contempladas no Ibama;

2) Ao Ibama compete a avaliação de impactos ambientais, o licenciamento ambiental de atividades, empreendimentos, produtos e processos considerados efetiva ou potencialmente poluidores; já ao Departamento de Licenciamento e Avaliação Ambiental, da Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental compete a avaliação de impactos e o licenciamento ambiental. Afinal, quem é o efetivo responsável pelas ações?

3) Ao SFB compete a gestão das florestas públicas, como as nacionais, que são consideradas Unidades de Conservação de Uso Sustentável, portanto, dentro das atribuições do ICMBio; Aí entra, também, a Secretaria de Biodiversidade e Florestas, à qual compete o manejo sustentado de florestas nativas para geração de produtos madeireiros e não-madeireiros e para a valorização dos serviços ambientais prestados pelas florestas. Difícil entender a lógica do sistema, se é que há alguma lógica nisso;

4) A Secretaria de Biodiversidade e Florestas está dividida em quatro Departamentos: o de Conservação da Biodiversidade, o de Áreas Protegidas, o do Patrimônio Genético e o de Florestas. Mas os três primeiros já não estão supridos pelo ICMBio? O de Florestas já não está representado pelo SFB?

Mas tudo isso acontece porque o Estado Brasileiro é completamente dominado por interesses corporativistas, que lutam para a criação de feudos ideológicos e de cargos e funções. Ou melhor, visam a criação de instituições para serem chamadas de suas. E é bom ressaltar que eu só tratei de instituições públicas federais. Imaginem, agora, quando a elas se somam as estaduais e municipais. E quem acaba na UTI, mas aquela dos hospitais, é o cidadão que precisa resolver algum problema na área ambiental e fica preso nessa teia burocrática, pouco ou nada eficiente.

Lembro-me, agora, que durante a discussão do novo Código Florestal eu cheguei a sugerir a pessoas envolvidas no processo, que o CAR ficasse sediado no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Este já centraliza o cadastro das propriedades rurais brasileiras, emitindo, inclusive, o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR), documento obrigatório para quaisquer transações envolvendo propriedades rurais. A propriedade já tem o número do Incra, o da Receita Federal, o do Registro de Imóveis e não sei mais quantos outros, e agora vai ter mais um. Outro aspecto importantíssimo na centralização no Incra é porque os municípios já estão aparelhados para isso, pois a absoluta maioria deles já tem pelo menos um responsável pelas relações com o Incra. Mas quem iria perder a oportunidade de criar uma coisa nova? Um novo patamar burocrático? Afinal, estamos no Brasil.

Por culpa dessa confusão, eu sempre tive dificuldade de montar um fluxograma operacional que seja capaz de mostrar como as instituições conseguem dar conta de suas obrigações. Talvez os entendidos (ou beneficiados) pelo sistema que me assusta possam dizer que eu não entendo nada de administração pública e que é assim mesmo que deve ser, com várias instâncias trabalhando no mesmo assunto e que as superposições servem para entrosamento entre elas. Mas eu prefiro a minha lógica de que um organograma limpo, claro, com dinâmica de fácil percepção e com atribuições bem delimitadas é melhor para todo mundo, principalmente para o meio ambiente.

Preocupado com o meu pessimismo (esperando que ele não contamine o leitor), eu resolvi rezar e pedir a proteção divina para que os nossos dirigentes sejam tocados por varinhas mágicas de racionalidade administrativa. Do contrário não há legislação, por melhor que seja, capaz de produzir resultados práticos.

Osvaldo Ferreira Valente é engenheiro florestal, especialista em hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas, professor titular, aposentado, da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e autor de dois livros sobre o assunto: “Conservação de nascentes – Produção de água em pequenas bacias hidrográficas”e “Das chuvas às torneiras – A água nossa de cada dia”; colaborador e articulista do EcoDebate .( valente.osvaldo@gmail.com)

EcoDebate, 09/06/2014


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3 thoughts on “UTI ambiental: doenças de instituições públicas, artigo de Osvaldo Ferreira Valente

  • Geól. Ávaro R. Santos

    Prezadíssimo mestre e amigo Prof. Oswaldo,
    Parabéns pelo alerta. Creio eu que esse novelo organizacional tem um pouco da velha cultura brasileira de fugir de conflitos e de definições claras. Nessa cultura, em todas as situações conflitivas todas as partes devem sair contentes e faceiras. Foi assim na Independência, na República, no fim da Ditadura Militar, na Reforma Agrária, etc. E é exatamente assim também na questão ambiental. A ordem é empurrar com a barriga e deixar o abacaxi para o sucessor.
    Tomo a liberdade para juntar ao cenário tão bem descrito pelo amigo o kafkiano caso da aplicação do Código Florestal no espaço urbano, com o tempero da sobreposição de legislações e órgãos estaduais e municipais.
    Forte abraço,
    Álvaro

  • Mais do que justo este desabafo!
    Na minha leitura por trás do samba do crioulo doido das instituições está a falta de um projeto estruturante. Uma burocracia poderia até ser eficiente, mas isto por si só não garante que ela seja também eficaz.
    Primeiro é preciso definir o que fazer e por que. Depois se define as ferramentas, inclusive as burocráticas.
    Metas difusas levam a uma burocracia tipo “geléia geral”.

  • Geraldo Moisés Martins

    Excelente o diagnóstico feito por Osvaldo FerreiraValente. O problema não é apenas na área ambiental. O gigantismo, a inércia e o elevadíssimo custo administrativo são aspectos comuns a todos os setores da máquina estatal brasileira. Quase sempre um projeto ou um programa de governo acaba se tornando um órgão do governo. A questão nem está nas controvérsias entre centralização ou descentralização, mas na apropriação de fatias, na fala de transparência e na instrumentação política/partidária das instituições e órgãos públicos. Podem ser essas as raízes do alto grau de ineficiência e corrupção no aparelho estatal. É o que se vê diariamente na imprensa e nas diligências do Ministério Público. Escândalos por todo lado. Um serviço público de qualidade é aquele que atende com eficiência e idoneidade às necessidades dos cidadãos em tudo que diz respeito ao bem comum. Mas, como mostra o artigo, eles estão muito mais a serviço dos interesses de suas próprias burocracias. Daí a busca desenfreada de vantagens e benefícios e a profusão e pulverização de órgãos que mais cuidam de si mesmos do que de suas funções. Daí, o grande prejuízo para os cidadãos e contribuintes. A crise da burocracia brasileira é maior do que imaginamos. Haverá solução? Compartilho do pessimismo do autor. Amém.

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