Pequena história do design ao ecodesign com ênfase no setor coureiro-calçadista, artigo de Roberto Naime
[EcoDebate] Desde o fim da Primeira Guerra Mundial, a sociedade assiste a um aumento ininterrupto da industrialização e do consumo. Nessa época, “a produção industrial conhece uma vitalidade sem precedentes” (KAZAZIAN, 2005. p.15). Este novo sistema social, econômico e cultural começou por volta de 1920 e se intensificou nos anos 50 e 60 com a sociedade de consumo, que de acordo com Retondar (2008), caracteriza-se pelo desejo de aquisição ‘do supérfluo’, de produtos que não são indispensáveis, nem mesmo necessários para nossas vidas.
Essa situação acaba por gerar novas necessidades de consumo que nunca são saciadas, cada produto consumido gera automaticamente uma nova necessidade, em um ciclo que não se esgota (RETONDAR, 2008).
Dessa maneira, pode-se visualizar claramente o aumento da produção de bens com um curto ciclo de vida para que possam logo ser substituídos, ou seja, os produtos passam a ser descartados cada vez mais rapidamente, gerando um número maior de resíduos sólidos ao longo dos anos.
No que diz respeito às indústrias do setor coureiro-calçadista no mundo, Velho (2007) afirma que são produzidos cerca de 14 bilhões de pares de calçados por ano, sendo a produção chinesa de cerca 60% do total, ou seja, 8 bilhões de pares. O Brasil produz cerca de 700 milhões de pares por ano, sendo cerca de 550 milhões de pares destinados ao mercado doméstico (VELHO, 2007).
Hoje em dia no Vale dos Sinos, região do sul do Brasil próxima a Porto Alegre, a principal atividade industrial é a produção de calçados e acessórios. Segundo a Abicalçados (Associação Brasileira das Indústrias de Calçados), praticamente todas as 18 cidades que compõem a região do Vale dos Sinos atuam no setor coureiro-calçadista, elevando-a para a categoria de maior conglomerado calçadista do mundo. Estima-se que a região abrigue um número de aproximadamente 1.700 fábricas de calçados e componentes, máquinas e equipamentos, curtumes etc. (ABICALÇADOS, 2011).
Segundo Nascimento e Monthé (2007), “todos os países, não importando sua localização ou seu “status” internacional, produzem milhões de toneladas por dia de resíduos”, as autoras destacam ainda que os esforços ecológicos em busca da redução de resíduos sólidos é uma ação de prioridade mundial.
Os resíduos gerados a partir da industrialização de artigos de couro, que no Brasil é em média 1400 toneladas por dia (CULTRI et al., 2006) são considerados perigosos devido à existência de elementos tóxicos, conforme descrito na NBR 10.004 que dispõe sobre a classificação de resíduos sólidos, Sendo assim, segundo Cultri e Alves (2008), é necessário dar um tratamento adequado aos resíduos industriais, já que além do grande volume, o material descartado apresenta ainda substâncias perigosas.
Segundo uma pesquisa europeia, cerca de 12 bilhões de pares de calçados, produzidos todo ano no mundo, acabam em aterros, o que representa um grande problema, especialmente na Europa onde o espaço disponível para aterros é cada vez menor (STAIKOS et al., 2006).
Além da falta de espaço para construção de aterros, existem diversos problemas associados ao aumento da geração de resíduos, na maioria das vezes, os objetos descartados acabam sendo depositados em locais inadequados, o que pode causar o entupimento de bueiros gerando alagamentos.
O acúmulo de resíduos sólidos pode causar poluição do solo, das águas que bebemos, causando doenças em seres humanos e animais (NAIME et al., 2010). Sendo assim, levando em consideração a “precarização das condições de sobrevivência do mundo e uma fragilização dos meios naturais, entenderemos também que se trata de uma séria ameaça ao futuro da espécie humana.” (KAZAZIAN, 2005. p.23).
Levando em consideração as questões levantadas em relação à geração de resíduos e o grande problema que acarretam ao meio ambiente, Seiffert e Loch (2005) afirmam que a consciência dos princípios ecológicos leva a reconhecer que todas as atividades humanas têm um custo para o meio ambiente.
“Todo produto, não importa de qual material seja feito, madeira, vidro, plástico, metal ou qualquer outro elemento provoca um impacto no meio ambiente, seja em função de seu processo produtivo, das matérias-primas que consome, ou devido ao seu uso ou disposição final” (CHEHEBE, 2002 p.9). Dessa maneira, o que se deve pensar é em maneiras de reduzir e amenizar tais impactos, já que seria inviável a simples redução ou estagnação da produção industrial.
Do ponto de vista de desenvolvimento de novos produtos, uma ferramenta que se utiliza é o ecodesign ou design para a sustentabilidade. O termo ecodesign pode ser definido como uma área do design que se preocupa com a identificação de aspectos ambientais conectados com o desenvolvimento de produtos e incluir esses aspectos no projeto, desde as fases iniciais (NOWOSIELSKI et al. 2007).
ABICALÇADOS – Associação Brasileira das Indústrias de Calçados. Pólos produtores. Disponível em: http://www.abicalcados.com.br/polos-produtores.html Acessado em: 03/05/2011.
CHEHEBE, J. Análise do Ciclo de Vida de Produtos – ferramenta gerencial da ISO 14000. Rio de Janeiro: Ed. Qualitymark, 2002.
CULTRI, C.; ALVES, V. A importância da visão sistêmica para articular ações ambientais na cadeia produtiva coureiro-calçadista: uma discussão sobre os resíduos do couro. Anais do 4º Congresso Brasileiro de Sistemas – Centro Universitário de Franca Uni-FACEF. Out. 2008.
CULTRI, C. et al. Resíduos sólidos do setor coureiro-calçadista e os fundamentos para a Produção mais Limpa. XIII SIMPEP – Simpósio de Engenharia de Produção. Bauru, SP, 2006.
KAZAZIAN, T. Haverá a idade das Coisas Leves – Design e Desenvolvimento sustentável. São Paulo: Ed. SENAC, 2005.
RETONDAR, A. A (re)construção do indivíduo: a sociedade de consumo como “contexto social” de produção de subjetividades. Sociedade e Estado. Vol. 23 n°1 Brasília. jan./abr. 2008.
SEIFFERT, M.; LOCH, C. Systemic thinking in environmental management: support for sustainable development. Journal of cleaner production, n°13. 2005.
STAIKOS, T. et al. End-of-Life Management of Shoes and the Role of Biodegradable Materials. 13th CIRP International Conference on Life Cycle Engineering, 2006.
NAIME, R. et al. Diagnóstico da gestão de resíduos sólidos urbanos no município de Araricá, Rio Grande do Sul. Engenharia Ambiental – Espírito Santo do Pinhal, v.7, n°4, p.119-132. Out./dez.2010.
NASCIMENTO, T.; MONTHÉ, C. Gerenciamento de resíduos sólidos industriais. Revista Analytica. n°27 fev./mar. 2007.
NOWOSIELSKI, R. et al. Methodology and tools of ecodesign. Journal of Achievements in Materials and Manufacturing Engineering, v.23 p.91-94. Jul. 2007.
VELHO, S. Reciclagem de Calçados: Atualidades e Oportunidades. Revista Tecnicouro. Mai/jun 2007.
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
EcoDebate, 22/04/2014
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