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Quem dá mais? crônica de Paulo Sanda

 

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[EcoDebate] Por todo lado as notícias apontam sempre no mesmo sentido, a saber; Estamos ferrados.

Meus amigos dizem que sou um profeta do apocalipse e talvez meus queridos leitores também tenham esta impressão. Não gosto muito de dizer isto mas; Eu avisei!

Aliás nem por isto sou original e nem mesmo pioneiro, apenas faço coro com muitas vozes que já vem prevendo os desastres que hoje batem às nossas portas.

Na segunda feira o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) criado em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, rendeu-se e anunciou, estamos ferrados, o impacto do aquecimento global será grave e irreversível.

Notícias sobre o lamentável estado das coisas não faltam e não serei eu este pobre escriba a repetir sua longa lista.

Obviamente ainda temos aqueles que as negam, entre eles o governador do estado de São Paulo Geraldo Alckmin, que nega a necessidade de racionamento de água em São Paulo. Já está ficando até monótono ouvir dia a dia que o sistema Cantareira bateu novo recorde de baixa em seu volume de água, seria monótono se não fosse alarmante. Com a aproximação das eleições os políticos sempre costumam dar uma de Poliana. Porém neste caso talvez o governador esteja certo, não é preciso racionamento, afinal não vai adiantar nada! De um jeito ou de outro estamos ferrados, pois foi apenas uma temporada de seca, imagine o que vai acontecer com as próximas temporadas?

E o cenário político brasileiro com certeza não pode ficar para trás, é tanto medo e decepção que não faltam vozes clamando pela volta dos militares. Sabem aquela história, “pior que está não pode ficar, se não pode resolver no diálogo vamos para porrada”.

A vida imita a arte e esta por sua vez se adianta a vida.

Dostoievsk em seu romance “Os irmãos Karamazov” no século XIX colocava através de seu personagem “O Grande Inquisidor” que o homem não pode ser livre, que a humanidade deseja desesperadamente entregar sua liberdade aos pés daquele que lhe garantirá o “pão”.

E assim muitas pessoas desejam aderir ao pacto de Hobbes e entregar tudo na mão de um soberano estado militarizado que decidirá tudo com punho de ferro(leia-se armas). Contudo são Hobbesianos para os outros, em relação a si mesmos preferem Locke pois querem garantidos os direitos de propriedade privada.

Aliás isto nos leva a a outro ponto que são as duras críticas lançadas contra a senadora do ES Ana Rita Esgario, por ousar dizer que muitas pessoas que fazem pequenos furtos, sim “fazem” não entendo por que o uso da palavra “cometem”, coisa mais esdrúxula parece que se usa a palavra “comete” para aumentar a gravidade das coisas, você já viu alguém dizer que cometeu ato sexual? Não é lógico, as pessoas FAZEM sexo, não cometem. Mas quando se trata de crime usamos a palavra “COMETE”, cometeu suicídio por exemplo não passa de uma “inglesiação” da língua pois em português suicida-se, não se comete suicídio, da mesma forma que se usa a porcaria da “INTELIGÊNCIA”, INTELIGÊNCIA DA PM, INTELIGÊNCIA DO EXÉRCITO, INTELIGÊNCIA da ponta que o partiu, nada a ver, no máximo é INFORMAÇÃO não inteligência.

Mas por que eu acabei dizendo tudo isto mesmo?

Ah! Sim, é lógico que se pode dizer cometem pequenos furtos, mas vou ficar com o FAZEM pequenos furtos. Pois bem a senadora teve a coragem de lançar o olhar para as pessoas pobres que FAZEM pequenos furtos, e avaliar que em muitos casos estas o fazem por serem vítimas de um sistema que estimula o desejo, leia-se consumismo (observação minha), ela conta em seu projeto de lei o caso de uma mulher que amargou um ano e meio de prisão por ter roubado um condicionador e um xampu, num total 24 reais em mercadorias, e diz que este tipo de delito deve ser tratado como um problema social e não criminal.

Certamente estou fazendo aqui apenas um resumo tosco da proposta, mas não menos tosco que as críticas lançadas a Ana Rita, que dizem que ela quer legitimar o furto “se não pode resistir a propaganda e não pode comprar então é legitimo roubar”, certamente é uma interpretação ainda mais bizonha que a minha.

Bizonha, mas mostra não a outra face desta moeda, mostra a mesma face daqueles que querem por um lado um estado totalitário e pelo mesmo lado por mais incoerente que possa parecer, até que ponto se vai na defesa do propriedade privada. Nem que ela seja continuar a jogar no cárcere mulheres que roubem xampus.

A coisa é meio que óbvia mas os reaça de plantão não entendem, é que Freud já dizia que para haver sociedade é preciso que o desejo seja controlado, caso contrário não há convívio humano possível. Aliás, a base de Freud para sua psicologia analítica se encontra em Espinoza que trata do desejo como um caminho para “potência”(em Espinoza Potentia), ele fala de como o corpo humano é de certa forma afetado por tudo isto, enfim a ideia aqui não é dar uma aula sobre Freud nem sobre Espinoza afinal nem me acho capacitado para tanto, o fato é que política é a administração de desejos, desejos que são em modo geral e por que não dizer, sempre conflitantes, mas como administrar desejos enquanto se vive em um sistema que os fomenta ao infinito? O humano já é um ser desejante, o que fazer quando se potencializa ainda mais estes desejos? Temos a barbárie.

E o pior não é uma a “barbárie” de roubar um xampu, mas aquela que deseja o retorno de uma ditadura militar pois a sociedade reconhecidamente não é capaz de lidar com seus próprios desejos, uns desejam um frasco de xampu que viu no comercial outras querem que ela vá para cadeia, e por outro lado os mesmos que desejam que ela vá para cadeia, não se furtam de querer sonegar impostos quando podem e se não, que não hajam ou sejam reduzidos, pois pagar estes impostos faz com que seus próprios desejos tenham que ser limitados.

Infelizmente o que temos é isto no fracasso humano de restringir nossos desejos, queremos jogar uns na cadeia, queremos que outros sejam torturados e outros ainda simplesmente assassinados por esquadrões da morte ou justiceiros fardados.

Mas nada disto vai adiantar, pois nosso fracasso vai para além da sociedade humana, e já detonou seu próprio habitat, as consequências de tudo isto não vão ficar somente na carcunda dos pobres desta vez, certamente eles os pobres da terra serão os primeiros a pagar como sempre, mas a “merda” já está também no pescoço da classe média e a água batendo na bunda dos ricos.

Quer ditadura militar?

Então eu lhe pergunto; na base da baioneta dá para parar o aquecimento global e a consequente destruição de tudo aquilo que dá suporte a vida humana neste pobre planetinha azul?

De minha parte sou mais Beto Guedes;

Vamos precisar de todo mundo
Um mais um é sempre mais que dois
Prá melhor juntar as nossas forças
É só repartir melhor o pão
Recriar o paraíso agora
Para merecer quem vem depois…
(Sal da Terra)

Paulo Sanda, Teólogo, palestrante, associado da ONG RUAH, é um dos coordenadores do Portal Palavra Aberta.

EcoDebate, 08/04/2014


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One thought on “Quem dá mais? crônica de Paulo Sanda

  • Repartir o pão… eis a questão. Desde sempre Jesus nos deu esta missão, mas a ganância desenfreada dos líderes do capitalismo e dos poderes constituídos, e principalmente daqueles que estão à frente da tomada de decisão, e aí incluo os mais ricos e grande parte dessa burguesia “que tanto sofre” (confira o site classemediasofre que vai entender a ironia) não quer largar o osso, muito menos ver qualquer ínfima parcela de suas riquezas serem divididas.

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