Relatório da ONU adverte que a crescente demanda de energia afetará os recursos de água potável
Os recursos mundiais de água potável sofrerão devido aos esforços para atender à crescente demanda de energia – é o que conclui o Relatório das Nações Unidas de Desenvolvimento dos Recursos Hídricos de 2014 (2014 United Nations World Water Development Report – WWDR). Lançado em Tóquio hoje, por ocasião do Dia Mundial da Água, o relatório faz a revisão crítica da falta de coordenação e planejamento entre os dois domínios, e insiste na melhora da gestão e do planejamento em todos os níveis, para se evitar a escassez de energia e de abastecimento de água, e assim como mais deterioração dos recursos naturais.
“O 2014 World Water Development Report esclarece a relação de interdependência da gestão de recursos hídricos e a enegia “, disse Irina Bokova, diretora-geral da UNESCO. “Essa interdependência pede por uma melhora significativa na cooperação entre esses setores, pois não haverá desenvolvimento sustentável sem um melhor acesso à água e à energia para todos”, acrescentou ela.
“Água e energia são dois dos mais importantes desafios mundiais de desenvolvimento, e devem caracterizar de forma decisiva a agenda pós-2015”, disse Michel Jarraud, presidente da ONU-Água. “Essa quinta edição do Relatório Mundial de Desenvolvimento de Recursos Hídricos é um marco, como foi primeira edição anual. O novo formato do relatório responde à necessidade da comunidade mundial por uma publicação anual, factual e com base em evidências, com um foco temático que o liga ao Dia Mundial da Água. Eu gostaria de expressar meu profundo agradecimento à UNESCO, por liderar o Programa Mundial de Avaliação da Água (World Water Assessment Programme – WWAP), que tem coordenado a produção e a publicação do relatório. Estou muito satisfeito que as Nações Unidas, por intermédio da ONU-Água, sejam capazes agora de prover anualmente informações atualizadas sobre uma questão que se tornará ainda mais importante na criação de um futuro sustentável”.
Água e energia: dois setores interdependentes
768 milhões de pessoas em todo o mundo não têm acesso a fontes de água tratada, 2,5 bilhões de pessoas não têm acesso a saneamento básico, 1,3 bilhão de pessoas não estão conectadas a linhas de eletricidade e quase 2,6 bilhões usam combustíveis sólidos – na maior parte, biomassa – para cozinhar. O relatório mostra que os lugares onde as pessoas não têm acesso adequado à água coincidem com aqueles onde não se tem acesso à eletricidade, mostrando, assim, o quanto os dois setores estão interligados.
A coleta, o transporte e o tratamento de água requerem energia, e a água é usada na produção de energia e na extração de combustíveis fósseis. Usinas elétricas, que produzem 80% da eletricidade mundial, usam grandes quantidades de água para seus processos de resfriamento.
Strategic choices made in one domain have repercussions on the other: Escolhas estratégicas realizadas por um setor têm repercussões no outro: as secas pioram a escassez de energia, e a falta de eletricidade reduz a capacidade de os fazendeiros irrigarem suas lavouras. Políticas de preços também destacam a interdependência da água e da energia. A água é frequentemente considerada como um “presente da natureza”, e seus preços raramente refletem o custo real do seu fornecimento. Portanto, os produtores e os usuários de energia não são incentivados a economizar água.
Assim, na Índia, por exemplo, décadas de energia barata, associadas à escavação de milhões de poços particulares e a técnicas de irrigação ineficientes, têm levado a uma sobre-exploração dos lençóis freáticos. Situações semelhantes são observadas na América Latina e em alguns Estados Árabes, sobretudo em Omã e Iêmen.
Demandas crescentes
No total, a produção de energia é responsável por cerca de 15% da retirada de água. Porém, essas taxas estão aumentando, e espera-se que, até 2035, o aumento da população, a urbanização e a mudança de padrões de consumo façam com que o uso da água para produção de energia aumente mais 20%. Espera-se que a demanda por eletricidade aumente para 70% até 2035, com mais da metade desse crescimento devido ao desenvolvimento da China e da Índia.
A redução dos recursos hídricos já está afetando muitas partes do mundo, e acredita-se que 20% de todos os aquíferos já estão sendo sobre-explorados. Em 2050, 2,3 bilhões de pessoas estarão vivendo em regiões sujeitas a graves faltas de água, sobretudo no Norte da África, na África Central e no Sul da Ásia.
O desafio de atender à demanda de energia poderá vir com o custo da redução dos recursos hídricos. Como aumentam as preocupações sobre os impactos, sociais e ambientais, das usinas térmicas e nucleares, os países estão tentando diversificar suas fontes de energia, buscando reduzir a dependência estrangeira e mitigar os efeitos dos preços flutuantes. Porém, todas as opções atuais têm suas limitações.
O cultivo de biocombustível, que requer um grande consumo de água, tem aumentado em larga escala desde 2000. A extração de gás de xisto também tem aumentado recentemente, sobretudo nos Estados Unidos. Porém, essa energia fóssil somente pode ser extraída por meio da fragmentação hidráulica, processo que requer grandes quantidades de água e apresenta o risco de contaminar os lençóis freáticos.
Fontes de energia renovável parecem ser menos prejudiciais aos suprimentos de água. Atualmente, a hidroeletricidade responde por 16% da demanda mundial de energia, e seu potencial é ainda pouco explorado. No entanto, a construção de usinas hidrelétricas pode ter impacto negative na biodiversidade e em comunidades humanas.
Outras fontes alternativas de energia estão ganhando terreno. Entre 2000 e 2010, a energia eólica e a energia solar cresceram em todo o mundo, 27% e 42%, respectivamente. Porém, apesar de essas tecnologias requererem pouca água, elas fornecem energia de forma intermitente, além de necessitarem ser combinadas com outras fontes que requerem o uso de água. Sendo assim, apesar do progresso nas energias renováveis, o uso de combustíveis fósseis provavelmente permanecerá na liderança nos próximos anos. A Agência Internacional de Energia (AIE) espera que os combustíveis fósseis dominem pelo menos até 2035, seguido pelas energias renováveis.
Enfrentar o desafio da energia
O relatório destaca a necessidade de se coordenar as políticas de gestão da água e da energia para atender aos desafios futuros. Isso inclui revisar as práticas de preços, para garantir que a água e a energia sejam vendidas por preços que reflitam de forma mais exata o seu custo real e o seu impacto ambiental.
Considerando o tamanho dos investimentos necessários para se desenvolver infraestruturas alternativas duráveis, o setor privado deve exercer um papel mais relevante para suplementar as despesas públicas. Em 2008, estimou-se que os países em desenvolvimento precisariam gastar anualmente 103 bilhões de dólares em tratamento de água, saneamento e tratamento de esgoto, para atingir até 2015 o que foi acordado internacional pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Além disso, mais 49 bilhões de dólares anuais seriam necessários para atingir o acesso universal à energia até 2030.
É provável que os sistemas que permitem a produção combinada de água e eletricidade possuam a chave para o futuro. Essa solução é particularmente adaptada a regiões áridas. Exemplos são as usinas energéticas de Fujairah, nos Emirados Árabes Unidos, e de Shoaiba, na Arábia Saudita, que servem tanto para a dessalinização da água quanto para a produção de energia.
Cada vez mais, a água está sendo reciclada para gerar energia. A matéria orgânico que ela contém serve para a produção de biogás rico em metano. No Chile, a usina de Farafana trata 50% do esgoto de Santiago, produzindo quase 24 milhões de metros cúbicos de biogás. Cem mil habitantes usam essa energia em vez de gás natural. Em Estocolmo (Suécia), os ônibus e táxis utilizam biogás produzido a partir do esgoto. O interesse por essa tecnologia também está crescendo em países em desenvolvimento. Em Maresu (Lesoto), 300 famílias usam biogás como combustível para cozinhar.
O Relatório WWDR é um esforço colaborativo de 31 entidades das Nações Unidas e 36 parceiros internacionais que compõem a ONU-Água. Ele é coordenado e produzido pelo WWAP, programa desenvolvido pela UNESCO. Até 2012, o relatório era produzido a cada três anos, coletando dados relevantes sobre os recursos hídricos no mundo. A partir deste ano, o relatório enfocará um tema específico, e será apresentado anualmente no Dia Mundial da Água, cujo tema será o mesmo do relatório. Os eventos deste ano para o Dia são coordenados pela Universidade das Nações Unidas (UNU) e pela Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO), em nome da ONU-Água.
Informe da UNESCO, publicado pelo EcoDebate, 25/03/2014
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