Embrutecimento social: A política fracassou
Embrutecimento social: A política fracassou
Há, porém, razões mais visíveis dos riscos da instauração da anomia na sociedade brasileira e elas estão no campo da política, ou na ausência dessa em mediar o viver em comum.
Os protestos de junho de 2013, aliás, são demonstração da ‘patologia’ que se instaurou no mundo da política, lento e incapaz de subordinar os interesses do mercado aos interesses públicos. O caso do transporte coletivo é apenas a ponta do iceberg.
O Brasil, lembrando Caio Prado Junior, nasce como uma empresa. Nossa dinâmica foi dada de fora para dentro. É o mercado que dá sentido ao Brasil. Mesmo o ciclo do campo da esquerda no poder vem se demonstrando incapaz de interromper essa dinâmica.
A anomia também é manifestação do fracasso da política. Do sentimento do “não me representa”.
A violência atual no cenário brasileiro é “um profundo sintoma social da vida política nacional contemporânea”, constata Vladimir Safatle Segundo ele, “a política brasileira tem se transformado na arte do silêncio. Arte de passar em silêncio sobre democracia direta, como pagar dignamente professores, como implementar uma consciência ecológica radical, como quebrar a oligopolização da economia, como taxar mais os ricos e dar mais serviços aos pobres. Mas também a arte de tentar silenciar descontentes”.
Na opinião de Safatle, “já há algum tempo, a política brasileira tem expulsado muita coisa de seu interior. Tendendo, cada vez mais, a se limitar a discussões gerenciais sobre modelos relativamente consensuais de gestão socioeconômica (vide o debate recente sobre o dito “tripé econômico”, do qual ninguém parece discordar), ela perde a possibilidade de mobilizar populações por meio de alternativas não testadas e que ainda contenham um forte potencial criativo. Assim, ela perde também a capacidade de acolher demandas que, mesmo sendo urgentes, sempre colidem com boas justificativas tecnicistas para serem deixadas para mais tarde”.
Nesse contexto de mutismo, diz o filósofo, “a violência aparece como a primeira revolta contra a impotência política. A história está cheia de exemplos nos quais as populações preferem a violência genérica à impotência. Ainda mais quando se confrontam com uma brutalidade policial como a nossa”.
O fracasso da esquerda
O fracasso da política visto nas manifestações, no crescimento de movimentos “não movimentos” – tipo Black Bloc – é também o fracasso do PT. “O ocaso do PT como opção transformadora foi entendido pela sociedade como o ocaso da ‘última esperança’. Agora, todos seriam iguais”, comenta Gustavo Gindre integrante do Coletivo Intervozes.
O PT, mesmo e apesar de consideráveis avanços, foi incapaz de romper com determinado modelo de desenvolvimento refém da centralidade do mercado. “Precisamos mudar a direção de um desenvolvimento que transforma as nossas cidades em espaço para carros mais do que para a cidadania. Precisamos voltar a comer comida boa e gostosa e não os venenos do agronegócio. Mas, como fazer isto com as alianças que se costuram para ganhar e manter o poder a todo custo?”, pergunta Cândido Grzybowski.
Na opinião do filosofo Renato Janine Ribeiro estamos no limite do que pode ser a inclusão social pelo consumo”. Segundo ele, “beira o ridículo negar a inclusão social promovida pelo PT. Foi substancial. Mas se deu pelo que nossa sociedade consumista mais valoriza. Melhorar radicalmente as escolas teria exigido mais verbas e protagonismo do poder público. O mesmo vale para a saúde, o transporte e a segurança públicos”. Para Janine Ribeiro, “com o consumo, o PT escolheu a via do possível. Dificilmente seus adversários teriam feito melhor. Mas a trilha do consumo significa: a ideologia que ganhou foi a do shopping center”.
Não se trata de culpabilizar e responsabilizar o PT pelas manifestações de anomia na sociedade brasileira. Como já vimos, suas razões são complexas. O PT, porém, acaba “dando” a sua parcela de contribuição mais do que pelo deixou de fazer do que fez.
Nesse momento é preocupante que o governo petista “patrocine” saídas autoritárias – legislação repressora como a lei antiterrorista – para abafar aqueles que protestam. A ausência da política institucional vem sendo respondida pela política das ruas. Calar as ruas é calar a política que empurra para mudanças mais substanciais.
Como destaca Eliane Brum, “os protestos iniciados em junho pelos 20 centavos e agora centrados na Copa do Mundo são um dizer. Responder a eles com repressão – seja da polícia no espaço público, seja em projetos de lei que transformam manifestantes em terroristas, seja anunciando que o Exército vai para as ruas em tempos de democracia – é uma forma brutal de não escutar aqueles que ainda se preocupam em dizer”.
Segundo ela, “é talvez a maior violência de todas. É preciso ser muito surdo para acreditar que prender todos, ‘deter para averiguação’, criminalizar manifestantes é suficiente para voltarmos a ser o Brasil cordial e contente que nunca existiu, 200 milhões em ação torcendo pela seleção canarinha. Que o dizer de quem deseja um Brasil diferente seja hoje expressado no campo simbólico do futebol é mais uma razão para escutá-lo, ao mostrar que estamos diante de novas construções do imaginário”.
Para aquilo que o governo considera anomia – padrões de manifestações que fogem do seu controle – ele propõe ‘tratamento de choque’, ‘criminalização’. Em vez de contenção, o risco é de crescimento da espiral da violência. O pretenso combate da anomia pode se transformar em mais anomia.
O surpreendente, destaca Jean Tible é o “desencontro entre as mobilizações recentes (as jornadas de junho que prosseguem de várias formas e intensidades) e o Partido dos Trabalhadores”. Segundo ele, “algumas posições-ações petistas causam surpresa (apesar de não representarem o PT como um todo): torcida – explícita ou não – pelo fim das manifestações; avaliação que estas acabaram; flerte com as perigosas vias da criminalização das ‘ações violentas’ (de manifestantes, não das polícias)”.
Para ele, “são posturas petistas contra natura, já que o PT nasce e vem desse mesmo lugar, das resistências, ruas, locais de trabalho, bairros, periferias, campo. O PT como criação ‘inédita’, por mesclar democracia e diversidade internas com uma nova forma de ocupar posições institucionais. Um partido-movimento; que vem perdendo fôlego”.
O que está em jogo é mais democracia e não menos democracia.
As crescentes manifestações de anomia na sociedade brasileira, descritas aqui, precisam de mais política. Mais política civilizatória – o social subordinando o mercado; mais investimento no espaço público – as arenas para a Copa são o contrário; mais cuidado com a pessoa, mais saúde, educação, transporte de qualidade – não apenas megainvestimentos em aeroportos, hidrelétricas, ferrovias, portos; mais cuidado com os mais vulneráveis – indígenas, quilombolas, sem terras, periferias; mais políticas emancipatórias e não compensatórias – o bolsa família é bom, mas melhor ainda é redistribuir renda via empregos decentes, via serviços públicos de qualidade alterando a dinâmica concentradora de renda.
A análise da Conjuntura da Semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.
(EcoDebate, 07/03/2014) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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É por isso que a seleção precisa “levar chumbo grosso” para o povo não ter que arcar com o ônus das desfaçatezes dos governantes!
A política fracassou no Brasil e em todo o planeta Terra. Portanto, não se trata de um problema relacionado ao governo brasileiro do Partido dos Trabalhadores, mas do sistema econômico predominante em todo o planeta.