ONGs cobram atuação do MPF contra espionagem de ativistas pela Vale e pela Norte Energia
ONGs cobram atuação do Ministério Público em espionagem de ativistas que se posicionam contra a construção da Usina de Belo Monte
Organizações de direitos humanos voltaram a cobrar nesta semana investigações sobre as denúncias de espionagem de ativistas e de movimentos sociais pela mineradora Vale e pelo Consórcio Construtor Belo Monte. As entidades consideram insatisfatórias as investigações sobre as denúncias apresentadas em 2013 para autoridades no Congresso Nacional e para o Ministério Público Federal.
“Há um esquema privado que acessa banco de dados do governo federal e que vende [as informações] para outras empresas. Esses dados se referem a informações biográficas, de pessoas e de organizações”, disse a advogada Alexandra Montgomery, da organização não governamental (ONG) Justiça Global. Ela integra o grupo que elabora relatório sobre o andamento das denúncias e que trará recomendações ao governo brasileiro. O documento fica pronto em abril.
A Vale é acusada por espionar ativistas de uma lista de organizações, como o Movimento de Atingidos pela Vale, o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e ONG Justiça dos Trilhos, que atua no Maranhão. Esta última é responsável por denunciar a mineradora à Justiça por acidentes na Ferrovia Ferro Carajás, que leva minério do interior para a capital do estado, e por cobrar reparação a comunidades locais, por danos socioambientais.
O advogado da Justiça dos Trilhos, Daniel Chammas, um dos espionados, denuncia escutas telefônicas, interceptação de e-mails e acesso ilegal a informações confidenciais. Segundo ele, o site da organização foi invadido várias vezes e a sede da instituição arrombada em circunstâncias suspeitas. Nada foi roubado.
“Vivi parte de minha infância sob a agonia da ditadura militar, quero agora completa 50 anos. Estou passando agora o mesmo processo angustiante, quero viver em paz e fazer o meu trabalho”, declarou.
Denúncias feitas por um ex-empregado da Vale, tornadas pública no fim de 2013, em audiência no Senado Federal, indicam que a mineradora teria pago até R$ 500 mil a agentes privados e a servidores públicos para monitorar pessoas e obter dados do sistema integrado do governo. O esquema teria obtido também a colaboração de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), vinculados às Forças Armadas, segundo o dossiê.
“Esses documentos, do ex-empregado, orientam a Vale a classificar os acidentes ferroviários e os atropelamentos por trem, como suicídio ou desova de cadáveres, com a cumplicidade da força policial”, disse a advogada da Justiça Global. “Isso dá uma dimensão do que um setor de inteligência dentro de uma empresa privada é capaz”, completou. A ONG Justiça dos Trilhos cobra da Vale segurança na ferrovia.
As ONGs Justiça Global e Observatório de Proteção dos Direitos Humanos também acusam o consórcio Norte Energia de espionar o Movimento Xingu Vivo para Sempre, contrário à hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Os ativistas registraram em vídeos e imagens testemunhos de pessoas infiltradas para repassar informações ao consórcio. Um das pessoas pagas chegou a filmar reuniões.
Para tentar pôr um fim à violação de privacidade, que afeta a atuação das ONGs, e põe em risco a vida dos ativistas, elas reivindicam que a Procuradoria-Geral da República (PGR) articule a atuação do Ministério Público nos cinco estados. No Rio, sede da Vale, os ministérios públicos federal e estadual já recusaram as denúncias das entidades de direitos humanos.
As entidades também levaram as denúncias sobre espionagem contra a Vale e a Norte Energia para órgãos de direitos humanos das Nações Unidas (ONU). “Há uma grande preocupação com aumento da violência contra defensores de direitos humanos que se opõem a grandes obras”, destacou a advogada da Justiça Global.
Procurados pela Agência Brasil, a mineradora Vale e o consórcio Norte Energia não comentaram as denúncias.
Reportagem de Isabela Vieira, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 18/02/2014
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