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Artigo

A estagnação da renda domiciliar nos Estados Unidos, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

 

 

[EcoDebate] Os Estados Unidos da América (EUA), especialmente depois da Segunda Guerra Mundial, conseguiram grandes avanços econômicos e se orgulhavam de ter uma sociedade com alta mobilidade social ascendente e o maior padrão de vida domiciliar do mundo. Nos anos de 1950 os EUA tinham uma grande vantagem tecnológica, financeira e de recursos humanos e ambientais, em relação ao resto do mundo. Também tinham a vantagem de terem a moeda que é aceita em todo o mundo como reserva de valor e meio de troca, sendo o único país do globo que pode se endividar no exterior usando sua própria moeda nacional.

Entre 1870 e 1967 a renda per capita americana cresceu 6 vezes, segundo cálculos de Angus Maddison. Estudo da Pew Research, mostra que em 1967 a renda média domiciliar anual era de 42,9 mil dólares (a preços de 2012) e cresceu até atingir o pico de 56 mil dólares em 1999 (ainda no governo Bill Clinton). Entre 2000 e 2007 (governo George W. Bush) a renda domiciliar ficou praticamente estagnada, mas em torno do patamar mais alto já alcançado.

Porém, depois da crise financeira de 2008, iniciada com a quebra do banco Lehman Brothers, a renda domiciliar iniciou uma trajetória de declínio, chegando ao nível mais baixo de 51 mil dólares, equivalente à renda do final dos anos de 1980. Ou seja, a renda domiciliar média dos EUA está estagnada nos últimos 25 anos, sendo que o valor de 2012 estava abaixo do nível pré-crise de 2007 e abaixo do pico de 1999, que estava 10% acima da atual.

O único grupo etário que apresentou ganhos foi dos idosos (65 anos e +) que tiveram a renda domiciliar aumentada de 16,6 mil dólares em 1967 para 33,8 mil dólares em 2012. Mas na média os domicílios com idosos tinham renda mais baixa do que o conjunto dos domicílios (provavelmente porque há muitos idosos morando sozinhos).

 

 

Em termos de “etnias”, em 2012, os asiáticos tinham renda domiciliar de 68,6 mil dólares, os brancos tinham renda domiciliar de 57 mil dólares, os hispânicos de 39 mil dólares e os pretos tinham renda domiciliar de 33,3 mil dólares. Os asiáticos tem aumentado a vantagem em relação aos brancos e demais etnias, mas também tiveram perdas de 1999. O hiato (gap) entre brancos e pretos ficou mais ou menos constante, com os brancos ganhando cerca de 70% a mais. O hiato a favor dos brancos em relação aos hispânicos tem aumentado de 30% em 1972 para 50% em 2012.

No início de dezembro de 2013, o presidente Barack Obama fez um discurso sobre a economia, no qual denunciou a crescente desigualdade de renda e a falta de mobilidade social como sendo “o maior desafio do nosso tempo” e defendeu o aumento do salário-mínimo. Ele disse: “Desde 1979, quando terminei o liceu, a produtividade da economia americana subiu mais de 90%, mas os rendimentos da família típica aumentaram menos de 8%”, afirmou Obama, que apresentou estatísticas para fundamentar a sua argumentação. “No passado, o salário do diretor de uma grande empresa era 20 ou 30 vezes o de um trabalhador médio. Hoje é 273 vezes mais.”

Em artigo do jornal New York Times, o colunista Thomas Friedman mostrou que a parcela dos 10% mais ricos da população detinham 33% da renda nacional em 1979 e agora abocanham 50%. A crescente desigualdade de renda é um dos fatores que afetam o desempenho da educação. Os últimos resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, PISA, que compara o quão bem os jovens de 15 anos, em 65 países, vão em matemática, ciência e leitura (habilidades para resolver problemas do mundo real) deixou os EUA em situação vergonhosa, em 36º lugar, perdendo, por exemplo, para Portugal (31º lugar) e Vietnã (17º lugar). O Brasil, como se sabe, ocupa uma das últimas colocações (58º lugar).

Artigo de Sharon Parrott mostra que 50 anos depois da chamada “Guerra contra a pobreza”, lançada pelo presidente Lyndon Johnson, a pobreza caiu significativamente nos Estados Unidos, assim como caiu a desnutrição e a mortalidade infantil. No entanto, a pobreza permanece elevada, com milhões de americanos com problemas para colocar comida na mesa e um teto sobre suas cabeças. Quase 50 milhões de americanos eram pobres em 2012, incluindo 13 milhões de crianças e 16 milhões de pessoas viviam abaixo da metade da linha de pobreza. Além disso, grandes disparidades raciais permanecem. Sem os benefícios do governo, a taxa de pobreza de hoje seria de 29%, ao invés dos 16%. Ele conclui:

No geral, o país tem feito progressos substanciais contra a pobreza e as condições relacionadas com a pobreza ao longo do último meio século. Embora o aumento da desigualdade de renda e o número crescente de famílias monoparentais empurrem para cima a quantidade de pobres, a pobreza continua diminuindo em grande parte graças às melhorias da rede de segurança social, junto com outros fatores, como o aumento da educação e do trabalho das mulheres e outras mudanças na família. No entanto, a pobreza, a desigualdade e as disparidades raciais permanecem elevadas”.

 

 

O fato é que a renda domiciliar tem caído nos EUA e a desigualdade social e entre grupos étnicos tem aumentado, além de manter um estoque de pessoas na pobreza acima do nível médio dos países desenvolvidos. A maior economia do mundo já não pode mais se orgulhar de ter o maior padrão de vida global. Por exemplo, segundo dados de 2012 da CIA Factbook, a renda per capita americana era de US$ 50,700 e a esperança de vida ao nascer era de 78,6 anos. A mesma fonte mostra que, em Singapura (um pequeno país tropical do sul da Ásia) a renda per capita era de US$ 61,400 e a esperança de vida ao nascer estava em 84 anos. Desta forma, parece que o estilo de vida americano (American way of life) não é mais o modelo que o resto do mundo admira e pretende seguir.

Referências:

Richard Fry. Four takeaways from Tuesday’s Census income and poverty release. PEW, 18/09/2013
http://www.pewresearch.org/fact-tank/2013/09/18/four-takeaways-from-tuesdays-census-income-and-poverty-release/

Sharon Parrott. War on Poverty: Large Positive Impact, But More Work Remains, CBPP, January 7, 2014
http://www.cbpp.org/cms/index.cfm?fa=view&id=4074

 

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

 

EcoDebate, 15/01/2014


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2 thoughts on “A estagnação da renda domiciliar nos Estados Unidos, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

  • Só não concordo com a frase de conclusão. A realidade dos EUA tem pouco a ver com a imagem dos EUA, e é a imagem que faz o “sonho” que muitos querem conquistar pelo mundo.

    Por isso, enquanto Hollywood vender os EUA como o melhor lugar do mundo e continuar se vendendo como a principal influência de mídia mundial, muita gente vai continuar tendo o “american way” como o seu sonho de vida, mesmo que o “american way” já não seja mais o que era antes.

  • Prezado Sr. José Eustáquio,

    Importante essa questão da renda americana que o senhor apresentou em seu artigo do Ecodebate.

    Creio, porém, que mais importante do que a questão da estagnação dessa economia, assim como vem ocorrendo com a economia européia, é a questão da concentração de renda à favor da parcela mais rica da população, que acabou sendo pouco explorado em seu artigo.

    Aqui no Brasil, com o Bolsa Família, o aumento do salário mínimo acima da inflação e o aumento do emprego houve uma melhora no índice de Gini.

    Isto não foi pouca coisa, mas se olharmos o aumento da renda da parcela de 1% ou mesmo 5% mais rica da população veremos que ainda é a parcela com maior crescimento de renda. Esta concentração do topo da pirâmide vêm ocorrendo em todo o mundo.

    Essa parcela mais rica, no Brasil, é a que paga proporcionalmente menos imposto (aqui o lucro distribuido aos sócios não é tributado, a remessa de lucro para o exterior não é tributada, a sonegação é grande, o teto da alíquota de imposto de renda é baixo e pouco regressivo e o imposto sobre grandes furtunas é assunto tabu).

    Essa parcela da população é que especulou tanto, que levou à quebra do Lehman Brothers e ao desemprego e ao desespero de milhões de seres humanos no mundo.

    A questão da estagnação que o senhor aborda, está dentro da mesma lógica do atual modelo que crê que o mais importante é que haja altas taxas de aumento de renda com aumento de consumo de produtos industrializados para trazerem uma melhoria na qualidade de vida das pessoas.

    No modelo em que acredito, porém, é mais importante termos serviços públicos de qualidade como saúde, educação, segurança, transportes; tarifas de telefonia e luz menos escorchantes, um meio ambiente mais saudável e natural, um melhor planejamento das cidades, uma reforma agrária, com incentivo a agroecologia, etc.
    Mesmo o atual aumento da renda dos mais pobres no Brasil, dificilmente estará assegurado no longo prazo, se continuarmos com esse atual modelo concentrador, desnacionalizador (as remessas de lucros para o exterior são gigantescas) e baseado na exportação de produtos primários (que causam grandes impactos ambietais).
    Cordialmente,
    Marcos Lima.

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