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Pesquisadores alertam para expansão de transgênicos e agrotóxicos no Brasil

 

Plantação no interior brasileiro, em foto de arquivo (AFP)

O pedido para a liberação de sementes transgênicas de soja e milho resistentes ao herbicida 2,4-D esquentou o debate sobre a regulamentação de plantas geneticamente modificadas e agrotóxicos na agricultura brasileira.

Pesquisadores e o Ministério Público Federal (MPF) solicitaram em dezembro à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), encarregada de analisar pedidos de vendas de transgênicos, que suspendesse os trâmites para a autorização das sementes tolerantes ao 2,4-D, um herbicida usado contra ervas daninhas que consideram nocivo à saúde.

Eles dizem que a liberação desses transgênicos poderá multiplicar de forma preocupante o uso do 2,4-D no Brasil.

Paralelamente, cobram maior rigor dos órgãos reguladores na liberação tanto de agrotóxicos quanto de transgênicos e alertam para a associação entre esses dois produtos no país.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, o Brasil é hoje o maior consumidor global de agrotóxicos. O mercado brasileiro de transgênicos também é um dos maiores do mundo. De acordo com a consultoria Céleres, quase todo o milho e a soja plantados no país hoje são geneticamente modificados.

Especialistas ouvidos pela BBC Brasil dizem que a expansão dos transgênicos estimulou o mercado de agrotóxicos no país, já que grande parte das sementes geneticamente alteradas tem como principal diferencial a resistência a venenos agrícolas. Se por um lado essa característica permite maior controle de pragas, por outro, impõe riscos aos consumidores, segundo os pesquisadores.

Agente laranja

No centro do debate, o herbicida 2,4-D é hoje vendido livremente no Brasil e utilizado para limpar terrenos antes do cultivo.

Pesquisadores dizem que estudos associaram o produto a mutações genéticas, distúrbios hormonais e câncer, entre outros problemas ambientais e de saúde. O 2,4-D é um dos componentes do agente laranja, usado como desfolhante pelos Estados Unidos na Guerra do Vietnã.

O MPF pediu à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que acelere seus estudos de reavaliação da licença comercial do 2,4-D. O órgão quer que o resultado da reavaliação da Anvisa, iniciada em 2006, embase a decisão da CTNBio sobre os transgênicos resistentes ao produto.

Já a Dow AgroSciences, que fabrica o agrotóxico e é uma das empresas que buscam a liberação dos transgênicos associados a ele, diz que os produtos são seguros. Em nota à BBC Brasil, a empresa afirma que “o 2,4-D é um herbicida que está no mercado há mais de 60 anos, aprovado em mais de 70 países”.

O herbicida teve o uso aprovado em reavaliações recentes no Canadá e nos Estados Unidos. Segundo a Dow, trata-se de uma das moléculas mais estudadas de todos os tempos, gerada após mais de uma década de pesquisa e com base nas normas internacionais de segurança alimentar e ambiental.

Agrotóxicos combinados

O pedido para a liberação das sementes resistentes ao 2,4-D reflete uma prática comum no mercado de transgênicos: a produção de variedades tolerantes a agrotóxicos. Geralmente, assim como a Dow, as empresas que vendem esses transgênicos também comercializam os produtos aos quais são resistentes.

“É uma falácia dizer que os transgênicos reduzem o uso de agrotóxicos”, afirma Karen Friedrich, pesquisadora e toxicologista da Fiocruz.

Friedrich cita como exemplo a liberação de soja transgênica resistente ao agrotóxico glifosato, que teria sido acompanhada pelo aumento exponencial do uso do produto nas lavouras.

Caso também sejam liberadas as sementes resistentes ao 2,4-D, ela estima que haverá um aumento de 30 vezes no consumo do produto.

Segundo a pesquisadora, o 2,4-D pode provocar dois tipos de efeitos nocivos: agudos, que geralmente acometem trabalhadores ou pessoas expostas diretamente à substância, causando enjôo, dor de cabeça ou até a morte; e crônicos, que podem se manifestar entre consumidores muitos anos após a exposição a doses pequenas do produto, por meio de alterações hormonais ou cânceres.

O médico e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Wanderlei Pignati, que pesquisa os efeitos de agrotóxicos há dez anos, cita outra preocupação em relação aos produtos: o uso associado de diferentes substâncias numa mesma plantação.

Ele diz que, embora o registro de um agrotóxico se baseie nos efeitos de seu uso isolado, muitos agricultores aplicam vários agrotóxicos numa mesma plantação, potencializando os riscos.

Pignati participou de um estudo que monitorou a exposição a agrotóxicos pela população de Lucas do Rio Verde, município mato-grossense que tem uma das maiores produções agrícolas do Brasil.

A pesquisa, diz o professor, detectou uma série de problemas, entre os quais: desrespeito dos limites mínimos de distância da aplicação de agrotóxicos a fontes de água, animais e residências; contaminação com resíduos de agrotóxico em todas as 62 das amostras de leite materno colhidas na cidade; e incidência 50% maior de acidentes de trabalho, intoxicações, cânceres, malformação e agravos respiratórios no município em relação à média estadual nos últimos dez anos.

O pesquisador defende que o governo federal invista mais no desenvolvimento de tecnologias que possam substituir os agrotóxicos – como o combate de pragas por aves e roedores em sistemas agroflorestais, que combinam a agricultura com a preservação de matas.

Já a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) diz que os agrotóxicos (que chama de produtos fitossanitários) são imprescindíveis para proteger a agricultura tropical de pragas e ervas daninhas, assim como para aumentar a produtividade das lavouras.

Cabo de guerra

Pesquisadores e o MPF também querem maior rigor dos órgãos que analisam pedidos de liberação de agrotóxicos e transgênicos.

A liberação de agrotóxicos exige aprovação da Anvisa (que analisa efeitos do produto na saúde), do Ibama (mede danos ao ambiente) e do Ministério da Agricultura (avalia a eficiência das substâncias).

Cobrada de um lado por pesquisadores e médicos, a Anvisa é pressionada do outro por políticos ruralistas e fabricantes de agrotóxicos, que querem maior agilidade nas análises.

Ana Maria Vekic, gerente-geral de toxicologia da Anvisa, diz que há várias empresas, entre as quais chinesas e indianas, à espera de entrar no mercado brasileiro de agrotóxicos.

Ela diz que a falta de profissionais na Anvisa dificulta as tarefas da agência. A irritação dos ruralistas tem ainda outro motivo: a decisão da agência de reavaliar as licenças de alguns produtos.

As reavaliações, explica Vekic, ocorrem quando novos estudos indicam riscos ligados aos agrotóxicos – alguns dos quais são vendidos no Brasil há décadas, antes da criação da Anvisa, em 1999.

“Quando começamos a rediscutir produtos, passamos a ser um calo para os ruralistas”, ela diz à BBC Brasil.

Instatisfeitos, os representantes do agronegócio têm tentado aprovar leis que reduzem os poderes da Anvisa na regulamentação de agrotóxicos.

“Fazemos o possível para nos blindar, mas a pressão é violenta”, diz Vekic.

Questionada sobre a polêmica em torno do 2,4-D, a CTNBio disse em nota que voltaria a discutir o assunto em fevereiro.

Segundo a comissão, o plantio de transgênicos não impede a produção de orgânicos ou de outras variedades de plantas.

A CTNBio disse ainda que não lhe compete avaliar os riscos de agrotóxicos associados a transgênicos, e sim a segurança dos Organismos Geneticamente Modificados.

Matéria de João Fellet, da BBC Brasil, reproduzida pelo EcoDebate, 13/01/2014


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