Atletas velejam em meio ao lixo na Baía de Guanabara
A 30 meses da Olimpíada do Rio, apenas 34% do esgoto produzido na região da baía é tratado; governo garante que Olimpíada não terá problemas.
Enquanto brasileiros batalham seus lugares na equipe olímpica na Copa Brasil de Vela, realizada nesta semana em Niterói, velejadores estrangeiros buscam dominar as águas da Baía de Guanabara – e aprender a driblar seus obstáculos.
As equipes olímpicas internacionais estão buscando se acostumar com uma realidade que seus adversários locais já conhecem de longa data: o alto índice de poluição da sede das competições de vela em 2016.
Muitos têm ficado chocados com a quantidade de objetos flutuantes na água – de eletrodomésticos a animais mortos – e temem não só pelas competições, como também por sua saúde.
O britânico Alain Sign ficou doente logo antes do Natal. “Pode ter sido porque o barco virou, ou pode ter sido algo que eu comi. Mas acho que ninguém quer beber dessa água”, diz ele antes de uma das regatas do evento, realizada na Praia de São Fransico, em Niterói.
Ao fundo está o belo cenário das montanhas do Rio, a água da baía refletindo o céu azul. Mas dali a pouco Sign entra com o barco na água até a cintura, que quebra em ondas marrons cheias de sacos plásticos e deixa pedaços de lixo na areia.
O governo do Rio se comprometeu a alcançar 80% de saneamento do esgoto que desagua na baía até 2016. As autoridades prometem entregar ainda obras importantes e garantem que a competição de vela ocorrerá sem problemas na baia durante a Olimpíada.
Mas, a 30 meses do evento, muitos estão céticos quanto à promessa. Hoje, apenas 34% do esgoto produzido na região é tratado.
Esgoto e vitaminas
Dos 18 mil litros de esgoto produzidos por segundo pela população, 12 mil são lançados in natura na baía e no mar.
A medalhista Isabel Swan – que na candidatura do Rio para a Olimpíada falou de seu amor pela baía, onde aprendeu a velejar – vê com bons olhos os esforços implementados, mas considera a meta “bem ousada”.
“A promessa de 80% é difícil de ser alcançada. Mas temos que cobrar agora, porque é a grande chance que temos. Sem a Olimpíada, mudar a situação da baía vai ser impossível.”
Dylan Fletcher, dupla de Alain Sign no 49er, diz que a equipe britânica foi vacinada contra hepatite A e reforçou o consumo de vitaminas para evitar doenças.
“Estamos fazendo o maior esforço possível para não engolir água e não ficar doente. Na dúvida, tomamos uma Coca-Cola depois do treino. Pode ser um mito, mas dizem que ajuda,” diz.
Para ele, o maior problema são objetos flutuantes – os grandes perigam rasgar o casco do barco, e um pequeno saco plástico no leme pode acabar com uma regata.
“Essa é a parte mais frustrante – quando você vê que está realmente perdendo posições. A gente tenta desviar, mas às vezes não consegue.”
Paliativas?
Quatro anos após o anúncio da Olimpíada no Rio, o governo estadual anunciou no ano passado o plano Guanabara Limpa. São 12 ações para melhorar a qualidade das águas na baía até 2016.
O plano inclui a instalação de sete unidades de tratamento de rio – para tratar o esgoto e conter o lixo antes de os rios desembocarem na baía –, a ampliação de “ecobarreiras” para bloquear lixo flutuante nos rios e os chamados ecoboats, dez barcos para “pescar” lixo da água, que entraram em operação nesta semana.
Muitos consideram as medidas paliativas e dizem que não atacam a raiz do problema, cobrando a ampliação da rede de coleta e tratamento de esgoto.
O biólogo Mario Moscatelli concorda que as unidades de tratamento de rio podem melhorar a qualidade das águas na baía no curto prazo. Mas se pergunta: por que tanta demora?
“Das sete unidades de tratamento de rio prometidas, só uma foi instalada, e isso a 30 meses dos jogos. O que eu não consigo entender é como as autoridades, sabendo da data dos jogos e conhecendo o passivo ambiental na baía, estão atrasando tanto a implementação de medidas já selecionadas.”
De pé sobre uma montanha de lixo no manguezal que busca recuperar no Canal do Fundão – próximo ao Complexo da Maré, onde milhares de famílias vivem sem saneamento – Moscatelli diz que o cenário resume a situação da baía.
“Todos os rios que chegam à baía estão mortos e foram transformados em grandes valões de lixo e esgoto. A carga poluente é lançada na baía e vem para as áreas de mangue.”
“Depois de 20 anos e de ter recebido US$ 1,2 bilhão, a baía continua uma grande latrina e uma grande lata de lixo”, lamenta.
O biólogo se refere aos investimentos do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, anunciados durante a ECO-92.
Cronograma
O Rio recebeu recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Japão, mas os investimentos surtiram poucos efeitos, com grandes projetos deixados pela metade.
Gelson Serva, subsecretário de Economia Verde da secretaria estadual do Ambiente, diz que o governo vai concluir obras importantes, como a estação de tratamento de esgoto da Alegria – que hoje opera muito abaixo de sua capacidade pela falta de troncos coletores para levar o esgoto até lá.
Ele diz que o governo precisou de tempo para planejar as ações e recuperar sua capacidade de investimento.
“Agora estamos executando as ações. Temos uma carteira de projetos de R$ 2 bilhões em obras de saneamento, e as licitações estão nas ruas”, diz.
O cronograma de grande parte das obras ainda é incerto. As seis unidades de tratamento de rio previstas até 2016 ainda estão sendo licitadas.
Serva diz que o governo tem um compromisso com a população e está “mudando o jogo”.
Mas uma reportagem publicada ontem no jornal O Globo mostrou que o governo do estado gastou apenas 17% dos recursos previstos em seu orçamento para saneamento no ano passado.
De acordo com Serva, as provas olímpicas poderão acontecer sem problemas na baía. Medidas específicas sendo tomadas para reduzir a quantidade de lixo flutuante na água.
Mas impedir que o esgoto da cidade chegue aos rios e desague na Guanabara ainda parece um sonho distante, mesmo com as Olimpíadas se aproximando no horizonte.
Matéria de Júlia Dias Carneiro, da BBC Brasil, reproduzida pelo EcoDebate, 13/01/2014
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