Pecuária ainda predomina, mas cresce número de casos de trabalho escravo urbano na ‘lista suja’
Por Stefano Wrobleski, da Agência de Notícias Repórter Brasil
Presença do setor têxtil e da construção civil alavanca casos de trabalho escravo nas cidades incluídos na relação, composta majoritariamente por flagrantes no meio rural
Apesar de a pecuária continuar como atividade predominante dentre os nomes que compõem a última atualização da “lista suja” do trabalho escravo, as formas urbanas de escravidão têm cada vez mais presença. Das 110 inclusões do cadastro, cuja atualização foi divulgada na última segunda-feira, 30 de dezembro, dez são de empresas ou pessoas que exploraram em meio urbano – um total de 120 trabalhadores submetidos a pelo menos um dos quatro elementos definidos no artigo 149 do Código Penal como caracterizantes de condições análogas às de escravos.
O aumento de casos urbanos já era esperado. De acordo com Renato Bignami, auditor fiscal do trabalho em São Paulo, “percebe-se cada vez mais que as situações descritas no artigo 149 do Código Penal ocorrem com maior frequência em atividades urbanas do que se imaginava e o trabalho dos auditores fiscais vem demonstrando essa tendência”. Ele acredita que os resgates devem acontecer “majoritariamente no meio urbano” no futuro.
A “lista suja” é uma das principais ferramentas no Brasil para o combate do trabalho escravo contemporâneo. Mantida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), os nomes incluídos permanecem pelo menos dois anos na relação e são acrescidos após análise minuciosa de cada caso pelo MTE. Uma vez no cadastro, as pessoas e empresas da “lista suja” são impossibilitadas de receber financiamentos públicos e de diversos bancos privados, além de não conseguirem fazer negócios com as empresas signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.
Setor têxtil
Entre as empresas de confecção da mais recente atualização da “lista suja” está a marca 775, flagrada explorando duas trabalhadoras bolivianas que eram mantidas em condições degradantes e submetidas a jornadas exaustivas sob ameaças e assédio em Carapicuíba, município da região metropolitana de São Paulo. A libertação aconteceu em 2010 e foi a primeira libertação do país a envolver imigrantes. Entre as ameaças a que eram submetidas, o empregador dizia constantemente às vítimas que as denunciaria à Polícia Federal para que fossem deportadas à Bolívia. O caso motivou o Conselho Nacional de Imigração a editar, quatro meses depois, a Resolução Normativa nº 93, que prevê a concessão de vistos para “estrangeiros que estejam no país em situação de vulnerabilidade”.
Oficina da marca 775 em condições degradantes de trabalho (Foto: MTE)
A grife feminina Talita Kume é outra empresa do setor a ser incluída na relação. Também em São Paulo, nove bolivianos – incluindo um adolescente – foram resgatados em junho de 2012. Eles recebiam somente R$ 1 por peça produzida e, com o dinheiro, tiveram de pagar os custos da viagem ao Brasil. O emprego era mediado por um casal que mantinha contratos com a Talita Kume há cinco anos.
Funcionários da grife Talita Kume foram vítimas de servidão por dívida (Foto: Bianca Pyl)
A empresa é mantida pela mesma família do ministério evangélico “Livres”, criado em 2006 com o objetivo de apoiar financeiramente um projeto de combate ao tráfico e escravidão sexual infantil no Nepal, conforme informações em seu site. A grife também apoiava financeiramente um abrigo do mesmo grupo para crianças e jovens carentes. Depois que o resgate foi noticiado pela Repórter Brasil, as referências ao grupo evangélico foram removidas da página da Talita Kume na internet, mas podem ser conferidas através de uma versão de arquivo do site mantida pelo projeto “Wayback Machine”.
De maneira inédita, essa atualização da “lista suja” inclui um caso de trabalho escravo no setor têxtil fora de São Paulo. A Mod Griff, nome fantasia da Dilma Figueiredo da Silva ME, foi autuada em março deste ano pelo resgate de sete trabalhadores em uma oficina de costura terceirizada no município de Toritama, no interior de Pernambuco.
Construção civil
Pelo resgate de 46 trabalhadores nas obras de um conjunto habitacional em Bofete, interior de São Paulo, a Construtora Croma é uma das três empresas do setor da construção civil a entrar na “lista suja” do trabalho escravo na nova atualização. O caso aconteceu no início de 2012 e a construtora havia sido contratada pela estatal Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), responsável por executar programas habitacionais no Estado para famílias que ganham até dez salários mínimos. De acordo com a fiscalização, as vítimas ficaram sem receber salários por dois meses, sofriam com jornadas exaustivas de trabalho e estavam alojadas em casa superlotadas.
Em outro caso que está sendo incluído na “lista suja”, uma fiscalização em obras do hotel de luxo Santa Rita, na capital fluminense, resgatou seis trabalhadores contratados pela empreiteira Alcap em março deste ano. Na época, o auditor fiscal Cláudio Secchin, que acompanhou a operação, disse à Repórter Brasil que “o alojamento era um cortiço sem possibilidade de habitação e oferecia riscos aos trabalhadores. Pelo chão, havia sujeira, ratos, e a comida guarnecida estava apodrecendo”.
Local em que os trabalhadores realizavam as obras do Hotel Santa Teresa oferecia riscos, como a quantidade de valetas e paredes frágeis (Foto: MPT)
Redes de descanso
Três dos empregadores que estão entrando na “lista suja” foram flagrados em dois municípios do Rio de Janeiro superexplorando trabalhadores aliciados no interior da Paraíba para a venda de redes de descanso. Kevio Armenio Monteiro Silva e Manuel Gomes Xavier foram flagrados em setembro de 2006 no bairro de Bangu, na capital. Juntamente com Norlandio Souza Azevedo, eles mantiveram 44 trabalhadores em alojamentos precários e presos a um esquema de servidão por dívida, obrigando-os a pagar pelas viagens à Paraíba. A atualização da “lista suja”, no entanto, inclui na relação somente Kevio e Manuel, apontados como responsáveis por 26 das vítimas.
Já em novembro de 2007, 49 trabalhadores foram resgatados em Pacarambi em condições semelhantes aos de Bangu. Eles viajaram os mais de 2 mil quilômetros que separam Pombal, na Paraíba, do município fluminense dentro de caminhões baú com fundo falso para driblar a fiscalização rodoviária. Manoel Trigueiro dos Santos Filho, que está entrando na “lista suja” por conta do caso, responde por 11 das vítimas. Outro empregador apontado como responsável é José Gomes dos Santos Neto, que consta do cadastro do MTE desde dezembro de 2011. Além deles, estavam envolvidos no crime Adriano Almeida de Souza e Agnaldo José da Nóbrega, mas os dois não foram incluídos na mais recente atualização da “lista suja”.
Fundo falso do caminhão, onde trabalhadores escravizados no Rio de Janeiro viajavam por até três dias (Fotos: MTE)
A reportagem tentou ouvir todos os citados no texto, entrando em contato por telefone e e-mail sempre que possível. Um representante da Talita Kume afirmou que a empresa não conseguiria emitir um posicionamento a tempo. Ninguém atendeu aos telefones na Alcap Empreiteira, Construtora Croma e 775. Kevio Armenio Monteiro Silva, Manuel Gomes Xavier, Manoel Trigueiro dos Santos Filho e a empresa Mod Griff não foram localizados.
*Colaboraram Daniel Santini, Hélen Freitas e Igor Ojeda
Confira quem entrou e quem saiu da “lista suja” nesta atualização semestral:
Inclusões:
Empregador CNPJ/CPF
Alcap Empreiteira Ltda 01.519.235/0001-57
Alex Faria Costa 071.740.096-46
Alonso Souza da Rocha 011.216.002-63
Aloysio Santos Erthal 092.802.607-82
Alrino Pereira da Rocha 515.680.711-91
Altino Cândido Pereira 040.979.316-79
Alvir Ferreira de Mello 310.889.109-04
Ângelo Augusto da Silva 734.781.806-00
Antônio Carlos Lima 618.190.851-04
Antônio Carlos Pereira 377.262.002-78
Antônio Erisvaldo Sousa Silva 848.437.303-78
Antônio Evaldo de Macedo 056.439.963-91
Antônio Pereira Vieira 619.369.957-00
Aparecido Albergoni 279.168.808-06
Belmiro Catelan 162.911.150-34
Berquó Brom Advogados Sociedade Civil e Outros 01.207.512/0001-96
Carlos Gilberto de Oliveira Barreto 061.129.601-25
Carlos Rodrigues Oliveira 590.075.832-04
Carvoeira Carvão Nativo Ltda 14.227.279/0001-55
Casamassima Indústria e Comércio Ltda 86.390.234/0001-08
Cícero Araújo Lins 145.963.184-68
Cláudio Roberto Martin 046.893.649-15
Cledemilton Araújo Silva 394.260.502-30
Confecções Talita Kume Ltda 06.103.904/0001-29
Construtora Croma Ltda 62.601.000/0001-02
Dario Pereira Ruis 145.922.902-91
Dilma Figueredo da Silva 06.005.121/0001-02
Dirceu do Carmo Baptistella 528.035.547-04
Divino Carlos Gomes 120.713.742-15
Ecotrat Tratamento de Madeiras Ltda 08.438.981/0001-65
Edésio Severiano Vieira 339.990.315-49
Eliza Maria Dantas Bortolusso Rodrigues & Cia Ltda 14.056.591/0001-23
Elizeu Martinez Júnior 590.087.763-91
Embraforte Segurança e Transporte de Valores Ltda. 05.444.648/0001-70
Eurípedes José Goulart 196.271.221-49
Fergubel – Ferro Gusa Bela Vista Ltda 06.368.447/0001-02
Fernando Ferreira Moraes 608.145.002-34
Flora Viveiro e Reflorestamento Ltda 86.989.712/0001-09
Francisco Alves do Nascimento 087.341.352-00
Francisco das Chagas Pedroza 015.328.202-91
Gilberto Andrade 032.316.072-72
Guido José Rehder Junior 310.179.948-11
Guy de Ferran Correa da Costa 919.349.587-00
Indústria e Comércio de Pedras Rola Ltda 32.343.816/0001-04
JAP I Empreendimentos e Participações Ltda 13.291.556/0001-26
João Bertin Filho 711.616.358-15
João de Oliveira Guimarães Neto 005.717.148-38
Jomar Antônio de Mesquita Teixeira 301.305.067-53
Jorcelino Tiago de Queiroz 974.443.328-00
Jorge Luiz da Silva Costa 206.952.413-20
José Ardson Firmiano da Silva 344.314.113-72
José Carlos Izidoro de Souza 735.116.508-44
José de Alencar Queiroz Menezes 044.989.088-05
José Firmino da Costa Neto 731.725.963-20
José Lopes 009.150.172-53
José Lopes Junior 683.958.842-49
José Soares Cordeiro 041.927.536-34
Jovino Luiz Ferri 316.638.772-20
Kelma da Silva Ribeiro 775.775.312-00
Kevio Romênio Monterio da Silva 056.675.827-08
Laginha Agro Industrial S/A 12.274.379/0001-07
Laurinho Caetano da Silva 066.012.192-15
Luiz Augusto Rebouças 238.102.549-91
Luiz Pedro Serafin 246.364.369-20
Madeireira Ipiranga Ltda 79.537.932/0001-28
Magnon Coelho de Carvalho 160.224.086-87
Manoel Ernesto Lima Alvim Soares Filho 024.194.134-23
Manoel Trigueiro dos Santos Filho 840.302.754-00
Manuel Gomes Xavier 545.186.794-15
Marco Antônio Lima e Arantes 554.787.356-04
Mário Biernaski 356.145.289-20
Milton Martins da Costa 129.420.657-53
Moacir Murilo Fernandes 480.665.679-87
Newton Oliveira 025.135.951-49
Nilson Erwino Lottermann 280.547.681-68
Onofre Marques de Melo 050.043.141-87
Organização Verdemar Ltda 65.124.307/0001-40
Orlando Barbosa de Souza 040.704.616-04
Oscar Antônio Rossato 208.997.420-68
Osmar Antônio Daghetti 928.751.061-04
Osmar Ramos Gomes 385.737.501-97
Osvaldo Marcelino de Mendonça 008.592.656-68
Parecis Energia S/A 07.655.520/0001-81
Paulo Roberto Elias Cardoso 288.882.516-34
Pedro Elias de Martins 682.058.057-68
Pedro Lourenço Montes 003.136.148-06
Quatro Irmãos Pedras Ltda ME 00.901.527/0001-97
Rita de Cássia de Oliveira Andrade ME 10.354.179/0001-39
Rogério Arioli Silva 337.702.800-59
Rogério Lopes da Rocha 042.089.907-32
Rubens Francisco Miranda da Silva 143.338.139-72
Samuel Kabacznik 000.572.822-34
Sávio Domingos de Oliveira 884.471.701-87
Sebastião Pinto de Almeida 197.655.681-34
Sebastião Rodrigues de Souza 031.030.566-72
Sete Sete Cinco Confecções Ltda 48.687.248/0001-07
Sidney Gonçalves de Jesus 403.986.502-25
Usina Salgado S.A. 10.383.750/0001-43
Usina Siderúrgica de Marabá S.A. 01.577.304/0001-89
Valber Falquetto 248.463.173-15
Valdecir Brás Luchi 574.861.317-49
Valdecir Brás Luchi 574.861.317-49
Valdemir Machado Cordeiro 474.871.867-68
Vicente Araújo Soares 718.131.526-96
Vicente Paulo Lourenço Lima 670.716.942-49
Vinícius Vancin Frozza 03.469.592/0001-83
Walder Machado 050.156.187-00
Walderez Fernando Resende Barbosa 039.609.516-04
Walter Machado Pereira 236.519.706-04
Zihuatanejo do Brasil Açúcar e Álcool S.A. 03.794.600/0004-00
Exclusões:
Empregador CNPJ/CPF
Antônio Fernando Bezerra 054.263.594-15
Antônio Sabino Rodrigues 542.529.626-68
Carlos Augusto de Freitas 173.008.601-25
Clézio Oliveira Naves 841.635.001-97
Estrela Agroflorestal Ltda. 79.441.168/0001-92
Fernando Jorge Peralta e Outros 017.518.598-00
Francisco Costa da Silva 154.167.984-91
Francisco Silva Cavalcante 040.486.522-49
José Palmiro da Silva Filho 111.577.121-34
Lauro de Freitas Lemes 460.714.076-72
Lidenor de Freitas Façanha Júnior 253.380.723-00
Luiz Carlos Brioschi 379.675.257-87
Manoel Marchetti Ind. e Com. Ltda 84.148.436/0005-46
Marizete Alves Silveira Araraquara ME 03.335.501/0001-17
Osmar Briochi 752.194.507-78
Osmar Richter 277.821.079-20
Reniuton Souza de Moraes 248.452.561-34
Confira a “lista suja” completa ou faça consultas em português, inglês, francês e alemão.
E veja também o histórico de entradas e saídas e reportagens sobre atualizações nos anos anteriores.
EcoDebate, 03/01/2014
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Não é nenhuma novidade para quem observa, sem viés ideológico, que o trabalho escravo no meio urbano é muito maior, numericamente, do que no meio rural. Só que a fiscalização de tal comportamento ficou, por muito tempo, concentrada no campo. Agora o que estava esquecido começa a aparecer. Começamos a ficar estarrecidos com o que acontece, não nos rincões da pátria, mas bem ao alcance dos nossos olhos. Nós urbanos começamos a vestir a carapuça que andava esquecida em algum canto de nossa displicência ou mania de mandar para bem longe tudo aquilo que poderia nos incomodar, estando por perto.