Violência fora de controle, artigo de Montserrat Martins
Imagem: Freepik / FreeVectors.net
[EcoDebate] O que leva alguém a estragar a própria vida, pelo desejo de atingir a outrem? Crimes chocantes se sucedem nos noticiários, de diversos tipos e em várias partes do país. A mãe morta com o filho nos braços e o menino morto pelo padrasto são duas dessas tragédias causadas por autores com mentes doentias.
A revolta popular contra os assassinos é justa, mas costuma vir acompanhada da simplificação midiática de que tudo é causado pela “impunidade”. Antes fosse, com leis mais duras estaria tudo resolvido. Mas há pessoas em desequilíbrio emocional que – mesmo que não sejam percebidas por nós como psicóticas ou como “psicopatas” – não consideram quaisquer consequências dos seus crimes, estão mesmo fora de controle.
Existe um “perfil” das pessoas capazes de cometer loucuras violentas, detectável antes, como alguns livros muitos vendidos sugerem, tipo identifique se seu vizinho é um “psicopata”? Sim e não, são duas partes essenciais de uma resposta séria a essa questão. O “sim” porque alguns fatores estão presentes em maior grau nas pessoas capazes de cometer homicídio, em comparação à população em geral. O “não” porque mesmo todos esses fatores somados não significam que uma pessoa vá cometer um crime, pois isso depende também de outros tantos fatores (capacidade de autocrítica, vínculos de suporte emocional, grau de resiliência), além do próprio livre arbítrio, relacionado aos valores humanos de cada um.
Aumenta o risco de violência ter sofrido maus tratos na infância, abandono paterno, baixa escolaridade, uso de drogas (álcool incluído, pois não depende de ilicitude), privações materiais e outros fatores que cumulativamente induzam estados de estresse e/ou frustrações emocionais. Ao contrário do mito vigente no “senso comum” de que mentes doentias se criam em ambientes com limites de menos, o que se pode dizer é que se criam em ambientes com frustrações demais.
Uma experiência com animais mostrou o que gera condutas violentas. Cachorros foram divididos em dois grupos, um dos quais foi muito bem tratado (com alimentos, temperatura ideal, atenção) e outro maltratado (com privações materiais e maus tratos dos cuidadores). Era uma pesquisa científica sobre dor, cujo resultado foi o de que os cães bem tratados não registravam a dor quando cortavam seu rabo, só registrando uma experiência de dor após o 7º corte do rabo. Já os maltratados sentiam dores e tinham reações raivosas desde o primeiro corte.
Quer dizer, existe um limite de agressão (física e moral, psicológica) que cada animal (humanos incluídos) pode suportar. Os mais agredidos cronicamente já ficam com o “estopim menor” para explosões de raiva. Esse tipo de experiência hoje está na mira da defesa dos direitos dos animais, são métodos cruéis de pesquisa, mesmo. Nos atendo aos resultados da pesquisa, ela mostra que a violência não decorre primariamente da “falta de limites”, mas de privações excessivas.
O que nos diferencia dos outros animais são nossos valores abstratos, pois além das condições materiais atribuímos valor a aspectos emocionais, subjetivos. Podemos nos sentir humilhados pelo modo como nos tratam e até “tomar as dores” de pessoas das quais gostamos. Os fatores geradores de violência nos humanos, então, são mais amplos, já que nos sentimos ofendidos, agredidos, mesmo sem ameaça física. Como já disse Nelson Rodrigues, “o que mais dói na bofetada é o som”.
Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.
EcoDebate, 05/12/2013
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