Consumo sustentável de peixe ainda engatinha no Brasil
Boa parte dos peixes das peixarias brasileiras é vendido sem atender critérios de sustentabilidade
O governo federal lança nesta quarta-feira o Plano Nacional de Combate à Pesca Ilegal, uma iniciativa de R$ 40 milhões que envolverá, durante os próximos quatro meses, campanhas públicas de esclarecimento, operações de fiscalização e a entrega de “selos de pesca legal” a donos de embarcações pesqueiras regularizadas.
As autoridades acreditam que a pesca ilegal possa chegar a 5 milhões de toneladas por ano, comprometendo a manutenção dos estoques pesqueiros e a fauna marinha em geral.
Entretanto, não apenas a pesca ilegal, mas a própria falta de conhecimento dos consumidores e a pouca oferta de produtos certificados então entre as causas atribuídas no Brasil ao consumo de pescado de forma não sustentável, ou seja, sem preservar os limites impostos pela própria natureza.
Embora tenha 7.373 quilômetros de costa, o Brasil ocupava em 2011 apenas a 19ª posição no ranking mundial de produção de pescados. Explorando o potencial do país, a indústria pesqueira nacional vem ampliando sua produção – segundo um levantamento também de 2011, a produção brasileira legalizada foi de cerca de 1,432 milhão de toneladas, o que representou um aumento de 13,2% em relação ao ano anterior.
A maior parte do peixe capturado no país em 2011, 38,7%, veio da pesca extrativa marinha, que, para ser sustentável, deveria seguir precauções que visam preservar os estoques de peixe, evitando assim a sobrepesca de espécies que estão desaparecendo na natureza.
Mas, apesar de existirem medidas voltadas a proteger os peixes mais ameaçados, a realidade mostra que consumidores, empresários e até mesmo formuladores de políticas públicas desconhecem a situação atual dos estoques pesqueiros na costa brasileira.
Além disso, quase não há campanhas de esclarecimento sobre quais espécies devem ser preferidas, por serem mais abundantes, ou quais devem ser evitadas.
Reforçando o problema, a pesca certificada, que representa um caminho para garantir a oferta sustentável de espécies comerciais, está dando apenas seus primeiros passos no país, enquanto que a aquicultura ainda abrange principalmente espécies de água doce.
Gosto e preço
O Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) não tem estatísticas consolidadas sobre as espécies de peixes mais consumidas no Brasil. Um levantamento divulgado pelo ministério, porém, revela que, das dez espécies de pescado mais consumidas pelos brasileiros na última Semana Santa, apenas duas (tilápia e pacu) eram de água doce.
A espécie mais consumida foi a sardinha, seguida pela corvina, pela cavalinha, pelo cação e pela tilápia.
Mas, de acordo com um Clique guia pioneiro no Brasil, lançado em 2009 com o objetivo de orientar o consumo responsável de pescado, os consumidores deveriam consumir com moderação tanto sardinhas quanto corvinas, e deveriam evitar o consumo de cação, devido à sobrepesca.
Para Cintia Miyaji, bióloga e uma das responsáveis pelo manual, o fato de o consumo sustentável de peixe ser ainda no Brasil uma questão pouco conhecida se deve em parte às características dos próprios brasileiros.
“O brasileiro mal sabe qual é o peixe que está comendo. Não tem o hábito nem o paladar refinado o suficiente para questionar qual o peixe que está consumindo”, opina, indicando que, em comparação com pessoas em outros países, o brasileiro em geral teria pouco conhecimento da diversidade de espécies e seus sabores específicos.
“O brasileiro escolhe o peixe pelo gosto ou, então, pelo preço.”
“Temos um fenômeno complicador que é a disseminação do hábito de consumir sushi e sashimi. Virou febre mundial, sinônimo de alimentação saudável, mas sem qualquer questionamento sobre a sustentabilidade”, conclui.
Clique Leia mais: Sem informações, consumidores priorizam preço e gosto ao comprar pescado
Governo
Por outro lado, Cintia diz não ver nenhum esforço do governo no sentido de tentar conscientizar os consumidores quanto à questão, apenas ações que atingem pescadores e armadores de pesca, tentando impor a sustentabilidade pela vida da oferta, não da demanda.
Ela cita como exemplo a Semana do Peixe, evento realizado com o apoio do MPA geralmente em setembro e que, de acordo com a cientista, incentiva o consumo sem critérios de sustentabilidade.
Guilherme Dutra, diretor do programa marinho da ONG Conservação Internacional, reforça a crítica.
“O governo está fazendo muito pouco neste sentido (de promover o consumo sustentável). A campanha que existe hoje é para que as pessoas consumam mais pescado, mas não menciona origem ou qualidade,” afirma.
Outra crítica feita às autoridades diz respeito ao monitoramento dos estoques pesqueiros, uma condição para o estabelecimento de uma política de sustentabilidade. Em 2006, o governo publicou um vasto levantamento sobre as principais espécies nos oceanos e como elas estavam sendo exploradas.
O estudo, chamado Revizee, avaliou 152 espécies marinhas, sendo que 33% delas foram consideradas sobreexploradas (com pesca além do limite sustentável). Outras 28%, embora citadas no levantamento, não puderam ser analisadas conclusivamente.
Desde então, o governo se comprometeu em dar prosseguimento aos estudos por meio de uma ação coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) chamada Revimar. A ação permitirá saber mais sobre algumas dessas espécies pescadas, mas que permanecem sem dados, assim como atualizar as informações sobre espécies já avaliadas.
Procurado pelo BBC Brasil, o ministério informou que a meta do Revimar de estabelecer um programa de monitoramento das espécies marinhas “ainda depende de desdobramentos internos em elaboração no MMA”.
“Não temos como afirmar com segurança que um estoque está sendo explorado de forma sustentável “, diz Dutra.
O MPA nega as críticas. A assessoria do ministério alega que uma das secretarias da pasta é justamente voltada para o monitoramento da pesca, e que foram firmados convênios com instituições especializadas para o levantamento de estoques.
Além de estar lançando agora um Plano Nacional para combater a pesca ilegal e assim recuperar os estoques pesqueiros, o MPA diz que já mantinha, juntamente outros órgãos do governo, operações de fiscalização, zelando para que pescadores respeitem o período de defeso (época em que a pesca de determinadas espécies é proibida) e outras restrições impostas para preservar os peixes mais ameaçados, como o mero (cuja pesca e venda está proibida desde 2002).
Quando a conscientizar o consumidor, o Ministério diz que ainda em 2008 – quando a pasta era uma secretaria vinculada à Presidência da República – participou uma de suas primeiras campanhas, voltada ao consumo responsável da lagosta.
Certificação e aquicultura
Um dos caminhos mais fáceis para estimular o consumo sustentável é oferecer ao consumidor produtos com selos de certificação, uma tendência que está chegando ao Brasil.
A certificação da ONG italiana Friend of the Sea é concedida atualmente para produtos de três empresas no Brasil (outras três estão com a certificação vencida). Isso significa que o programa de certificação da ONG atestou que essas companhias seguem práticas sustentáveis.
Por sua vez, a entidade sem fins lucrativos britânica MSC (Marine Stewardship Council, ou “Conselho de Manejo Marinho”), que mantém um respeitado programa de certificação, ainda não concedeu seu selo a nenhuma pescaria (nesse caso, o nome se refere a áreas geográficas onde é realizada a pesca, podendo abranger mais de uma espécie de pescado) no país, apesar de mais de 20 seguirem seu programa e estarem a caminho de conseguir o rótulo.
“Os próximos dois ou três anos serão importantes. Estamos vivendo dias de pioneirismo”, diz Laurent Viguie, gerente da MSC no Brasil.
Embora reconheça que “há pouca conscientização sobre temas de sustentabilidade de pescarias entre consumidores do Brasil no momento”, ele lembra que o mesmo ocorria em todo o Ocidente “até cinco anos atrás”.
“Com o crescimento da classe média no Brasil, e o aumento da estabilidade econômica, isso irá mudar. O site da MSC em português já recebe mais de 500 visitas por semana e eu respondo cada vez mais perguntas de consumidores todos os dias”, diz Viguie.
Além da certificação, a aquicultura também se mostra promissora para ampliar o consumo sustentável – ainda que, para que isso possa ocorrer, a prática tenha que seguir rigorosas normas de controle.
Em 2011, a aquicultura marinha já respondia por 6% da produção de pescados nacional – muito pouco se comparado com a aquicultura continental (piscicultura), que respondia por 38%, quase o mesmo que a pesca extrativa marinha.
De qualquer forma, para Viguie e Dutra, mesmo o desenvolvimento da aquicultura e o aumento das certificações não devem provocar alterações no mercado de pesca no Brasil se não houver uma mudança de mentalidade dos compradores de peixe.
“O consumidor é quem vai de fato criar o estímulo para que os produtos sustentáveis se tornem realidade, valorizando o pescado capturado de forma responsável e criando o ambiente adequado para as mudanças no setor”, diz Dutra.
O que significa “consumo sustentável de pescado”?
Significa consumir apenas as espécies cujos estoques (quantidade de peixes, em número de indivíduos ou peso) estejam em níveis que garantam a sua estabilidade, ou seja, haja quantidade suficiente de adultos em idade reprodutiva para garantir a reposição do estoque pela reprodução e crescimento. De maneira simplificada, significa consumir apenas as espécies que não estejam ameaçadas de extinção. Fonte: Cintia Miyaji, Unimonte
Matéria de Rafael Gomez, da BBC Brasil, reproduzida pelo EcoDebate, 05/12/2013
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Na falta de um selo de sustentabilidade da pesca no seu peixeiro do dia a dia, o consumidor final tem um jeito simples de garantir que sua compra de peixe não esteja fazendo mal à natureza: consumir espécies invasoras.
Além da pressão de pesca, o estabelecimento de espécies invasoras nos nossos rios dizimou as populações de peixes nativos. Muitas espécies invasoras foram introduzidas nos nossos rios por aquicultura feita de forma errada (algumas vezes acidente, mas incompetência, ignorância e malícia causaram mais problemas que a má sorte), pois não basta o peixe ser criado em cativeiro para estar tudo bem.
Um dos motivos pelos quais as invasoras têm tanto sucesso e destróem as populações nativas de peixe é por terem poucos predadores no meio natural, pelo menos por aqui. O predador que pode existir, para elas, é o ser humano. Se não houver consumo humano dessas espécies, as coisas podem piorar ainda mais.
E escolher uma espécie invasora para o almoço é fácil.
Aqui em Sampa (dentro da Bacia do Paraná) a lista é essa:
Tilápia (Oreochromis spp. e Tilapia spp.) – sim, comam mais tilápia. Não tenham dó, pois ela não tem dó dos nossos peixinhos, alevinos e ovas nativos. É ótimo vê-la como um dos peixes mais consumidos no Brasil. Esse bicho é africano e extremamente destrutivo para outras espécies de peixe, então em qualquer lugar do Brasil, Tilápia é uma ótima escolha.
Tucunaré (Cichla spp.) – não vale se você estiver na Amazônia. Mas na bacia do Paraná o Tucunaré é invasor, e um invasor do pior tipo. Já houve estudos mostrando que a introdução de Tucunarés em um rio fez diminuir em 28% o número de espécies de peixes naquele rio. Comam esses tucunarés!
Apaiari ou Oscar (Astronotus ocelatus) – outro amazônico. É invasor nas Bacias do sul, e como é um piscívoro bastante voraz, também faz seu estrago.
bagre-africano (Clarias sp.); invasor vindo, como o nome diz, da África. Peçam em qualquer lugar do Brasil.
black-bass (Micropterus sp.); este é gringo, e adeptos da pesca esportiva costumam gostar dele. Também boa pedida onde quer que se esteja no Brasil.
carpa (todas as espécies); são asiáticas. De primeiro momento, pode parecer que um bicho herbívoro que gosta de água fria não faria muito estrago por aqui, mas carpas adoram revolver o fundo de rios e lagos, e essa turbulência é danosa para parte dos nossos bichos nativos.
corvina (Plagioscion squamosissimus) – ela é nativa da bacia Amazônica, mas na do Paraná é considerada invasora.
E se estiver no Nordeste, não esqueça de saborear um Camarão gigante da Malásia (Macrobrachium rosenbergii) ou um Camarão – pintado (Metapenaeus monoceros).
Não que sejam apenas essas as espécies invasoras por aqui, mas são as mais fáceis de serem encontradas no cardápio. Escolham esses peixes, e não há erro, nossos rios vão agradecer.
Esqueci de comentar sobre a corvina (Plagioscion squamosissimus) – essa é a corvina de rio, não a corvina marinha.