Um terço de terras de exploração comercial em países emergentes afeta áreas indígenas
Estudo tenta criar modelos que permitam avaliar o risco de investimento em áreas rurais de 12 países emergentes, com ênfase em conflitos de terra. Argentina lidera lista de problemas.
Um terço de todas as terras concedidas pelos governos de países emergentes para a exploração comercial – seja mineração, corte de madeira ou mesmo agricultura – pertence a áreas demarcadas como reservas indígenas.
Os números foram apresentados nesta quinta-feira (19/09) pela organização americana Rights and Resources Initiative, em uma conferência na Suíça que discute direitos territoriais. O Brasil também está citado no documento, com dados detalhados sobre Mato Grosso do Sul: dos 42.097 hectares de cultivo de soja na região de Takuara, por exemplo, 7.640 estão sobre áreas indígenas.
O documento propõe uma análise de mercado, mas levanta aspectos controversos. A pesquisa tenta criar modelos que permitam avaliar o risco de investimento em áreas rurais de 12 países emergentes, com ênfase em conflitos de terra. O relatório alerta que empresas que negligenciaram pendências em demarcações ou a ocupação histórica de áreas tiveram seus custos de implantação aumentados em até 29 vezes, inviabilizando os negócios.
A Argentina aparece no topo da lista dos conflitos de interesse: no país vizinho ao Brasil, 86% de todas as áreas de terra concedidas para o cultivo da soja são reclamadas por povos nativos. No Chile, Colômbia e nas Filipinas, 30,5% das prospecções de mineração coincidem com territórios indígenas.
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A advogada brasileira Fernanda Almeida, membro da equipe responsável pela produção do documento, destaca a importância do diálogo antes da instalação de qualquer empreendimento. “Queremos deixar claro que também é de interesse do investidor que as pessoas que vivem nessas áreas tenham seus direitos previamente reconhecidos”, destaca.
De acordo com ela, a presença de empreendimentos em terras demarcadas – ou reivindicadas – por povos nativos é considerada invasão, independente dos contratos firmados com os governos.
Embora o documento restrinja a avaliação do cenário brasileiro ao setor agrícola, esse conflito se expande também ao setor energético, como pontua Márcio Santilli, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA) e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) na década de 90. O plano de expansão do setor, especialmente com a construção de barragens, coincide com áreas ocupadas por índios, como Belo Monte.
Ameaça da mineração
A disputa por áreas de mineração também tem gerado prejuízos. Um dos mais representativos seria o conflito das minas de Tampakan, nas Filipinas, onde um investimento de 5,9 bilhões de dólares está inserido em uma disputa territorial, conforme diz o relatório. “Conflitos pela posse da terra raramente beneficiam qualquer das partes envolvidas”, enfatiza Lou Munden, um dos autores do estudo.
No Brasil, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) é taxativo em afirmar que não existem concessões para a mineração em terras indígenas. Informações do instituto dão conta que, embora a Constituição contemple essa possibilidade, ela exige lei específica para regulamentar as atividades. Diferentes textos e propostas tramitaram pelo Congresso em diferentes momentos, mas nenhum foi aprovado. No entanto, índios fazem a denúncia constante de garimpos ilegais em terras demarcadas.
O trâmite de novas regras para o modelo de mineração do Brasil pode incluir cláusulas de exceção que permitam a mineração em áreas demarcadas, salienta Santilli. O Ministério Púlico Federal (MPF) tenta blindar uma possível corrida exploratória a áreas demarcadas e ajuizou 14 ações civis para salvaguardar direitos indígenas em diferentes estados.
No DNPM tramitam mais de 500 requerimentos para a exploração mineral de terras indígenas somente do estado do Amapá, conforme dados do próprio MPF. A entidade pediu o cancelamento de qualquer cadastro ou autorização nesse sentido, mesmo que apenas para estudos.
Para a advogada, coautora do estudo de sobreposição de terras, o cenário ideal seria o de não interferência dos interesses comerciais em espaços ocupados por nativos, mas na prática isso não existe. Para ela, o desafio é que o diálogo proporcione formas benéficas para todas as partes envolvidas.
O diretor do ISA também entende que, teoricamente, poderiam ser implementados modelos de exploração com baixo impacto, mas a experiência em outros setores não é animadora. “As atividades seriam desenvolvidas pelas mesmas empresas que já não têm responsabilidade sócio ambiental nos investimentos que fazem fora das áreas demarcadas”, afirma.
Matéria de Ivana Ebel, na Agência Deutsche Welle, DW, publicada pelo EcoDebate, 24/09/2013
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