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Regulação da propaganda de bebidas e alimentos: relação conflituosa entre economia e saúde

 

alimentação

 

Professora-pesquisadora da EPSJV analisa matéria sobre campanha de conscientização pública contra o excesso de açúcar em refrigerantes no México, país onde a diabetes e a obesidade são problemas sérios de saúde pública.

Guerra contra refrigerantes ameaça Coca-Cola no México
Por: Amy Guthrie
(The Wall Street Journal, 29 de agosto de 2013)

A batalha contra os refrigerantes açucarados, salientada na tentativa fracassada do prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, de proibir refrigerantes grandes, se espalhou agora para o México, há muito um dos principais mercados da Coca-Cola Co.

Durante essa temporada de verão no hemisfério norte, uma campanha de conscientização pública espalhou anúncios por ônibus e outdoors pela Cidade do México, mostrando uma pilha com 12 colheres cheias de açúcar ao lado de uma garrafa de 600 mililitros de refrigerante. Os anúncios perguntam: “Você comeria 12 colheres de açúcar? Por que você bebe refrigerante?”. (Leia a matéria na íntegra )

ANÁLISE

Por Ana Beatriz de Noronha, professora-pesquisadora da EPSJV/Fiocruz

Essa matéria trata de uma grande variedade de temas de interesse da saúde, abordando questões nutricionais e de insegurança alimentar, a relação entre obesidade e diabetes, e até mesmo alguns aspectos interessantes que reforçam a necessidade de se regular a propaganda de alimentos e bebidas, ambos os produtos sujeitos à vigilância sanitária. O texto, no entanto, não fala apenas sobre saúde, ele mostra, em várias passagens, que a relação entre economia e saúde é quase sempre conflituosa e que, geralmente, a grande perdedora nessa batalha é a saúde. O título da matéria – ‘Guerra contra refrigerantes ameaça Coca-Cola no México’ – é bastante alarmante e um pouco exagerado, uma vez que ainda estamos muito longe de, em nome da saúde e do respeito à vida, conseguir abalar o poder que a indústria de alimentos e bebidas detém.

Para entender o problema

O relatório ‘O estado dos alimentos e da agricultura – 2013: sistemas alimentares para melhoria da nutrição’, lançado recentemente pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), afirma que 32,8% dos mexicanos estão obesos e que o país ultrapassou os Estados Unidos na prevalência de obesidade. Mas isso não é tudo: o mesmo documento diz que 70% da população mexicana apresenta sobrepeso. E, se em 1988, a obesidade atingia menos de 10% dos mexicanos, hoje o quadro se transformou num enorme problema de saúde pública.

As causas para esse crescimento acelerado dos casos de obesidade são inúmeras e é realmente impossível, como afirma, na matéria, o diretor da associação de engarrafadores de refrigerantes do México, Emilio Herrera, “apontar um único produto como causa desse problema”. O relatório da FAO, no entanto, afirma que não há dúvidas de que o resultado alcançado pelo país se deve à adoção, pela população sedentária, de uma dieta baseada em bebidas açucaradas, alimentos industrializados e fast food, em detrimento do consumo diário de grãos e vegetais frescos.  O relatório também ressalta o fato de o México ter que lutar contra a obesidade ao mesmo tempo em que ainda necessita combater a fome e a desnutrição, causada muitas vezes pela ingestão de uma dieta pobre em micronutrientes, especialmente entre a população mais pobre e os jovens.

Segundo a FAO, as causas imediatas da má nutrição – desnutrição, carências de nutrientes, sobrepeso e obesidade – são complexas e multidimensionais. Elas envolvem, entre outras coisas, a indisponibilidade de uma quantidade suficiente de alimentos inócuos, variados e nutritivos, ou a falta de acesso a eles; a falta de acesso à agua potável, ao saneamento e à atenção sanitária; ou ainda a alimentação inapropriada de crianças e adultos. Por outro lado, as causas fundamentais da má nutrição são ainda mais complexas, como aponta o relatório, estando relacionadas a questões econômicas, sociais, políticas, culturais e físicas mais amplas.

O enfrentamento eficaz das questões ligadas à má nutrição depende, portanto, de medidas integradas e intervenções que envolvem a agricultura e o sistema alimentar em geral, a saúde pública e a educação. Além disso, é necessário apoio político de alto nível que permita coordenar a atuação dos diferentes setores.

O que a matéria em questão classifica como uma “guerra contra os refrigerantes” são apenas algumas medidas propostas pelo governo e pela sociedade mexicana no âmbito da chamada “Estratégia Nacional para a Prevenção e o Combate à Obesidade e ao Diabetes”, cujo objetivo é permitir que o país reverta uma situação que resulta em custos econômicos e sociais inaceitáveis.

É interessante observar que a possibilidade de se impor um imposto sobre os refrigerantes açucarados, vinculando o uso dos recursos obtidos ao aumento do acesso da população, especialmente dos mais pobres, à água potável parece ser bastante coerente, já que isso é condição fundamental para a construção de um contexto de segurança alimentar no país.  O problema, como reclamam as associações de consumidores do México, é que as indústrias também foram chamadas para participar desse processo regulatório e que “não se pode esperar que uma regulação acordada com a indústria seja efetiva”. “A Estratégia Nacional contra a Obesidade deve estar livre de conflito de interesses”, justificam os ativistas (leia mais em: Por interferencia de empresas peligra estrategia antiobesidad ).

Regulação da propaganda: um eterno tabu

Para serem considerados saudáveis, os alimentos devem, entre outras coisas, ser naturais e ter alto valor nutritivo, ou seja, devem fornecer ao nosso organismo, ao menos alguns dos nutrientes necessários à manutenção da nossa saúde: proteínas, gorduras, carboidratos, vitaminas e minerais. Pela rotulagem nutricional da Coca-Cola, no entanto, fica claro que a bebida só fornece aos seus consumidores os carboidratos vindos do açúcar, não tendo, portanto, nenhum valor nutritivo. Uma latinha da bebida (350ml) fornece ao nosso corpo quase 150 calorias “vazias”, muitas substâncias artificiais e mais nada, o que faz cair no ridículo a afirmação da porta voz da empresa no México, de que a companhia só fabrica produtos saudáveis.

A campanha publicitária, ou como preferem os especialistas no assunto “estratégia de marketing”, que no Brasil levou o nome de ‘Energia Positiva’ e que no México foi lançada com o slogan “149 calorías de felicidad”, busca associar o consumo de refrigerante a uma vida ativa e saudável, o que parece ser uma grande contradição. Isso ainda se torna pior quando a empresa alega assumir um compromisso com a informação nutricional transparente e com o marketing responsável para crianças. No México, a campanha da Coca-Cola foi duramente criticada (veja em ‘Crónica de una campaña engañosa’) e esteve prestes a ser tirada do ar, quando a empresa teria deliberadamente encerrado sua veiculação, a fim de evitar o efeito negativo de uma possível proibição.

Isso aconteceu com a Coca-Cola no México, mas o fato é que, cada vez mais, no mundo todo, as empresas de bebidas e alimentos considerados não saudáveis buscam associar sua imagem às questões de saúde, ecologia e sustentabilidade, sem que quase nada possa ser feito pelas autoridades sanitárias. Qualquer tentativa de se regular a propaganda do setor esbarra no uso equivocado da defesa da “liberdade de expressão” e do “direito à informação”, como mostra a fala do presidente da subsidiária da Coca-Cola no México, Francisco Crespo: “Somos transparentes com os consumidores e oferecemos informações claras e completas sobre as nossas bebidas, então eles podem tomar decisões conscientes”.

Os fabricantes de refrigerantes alegam ter a seu favor a inexistência de provas científicas que comprovem a relação direta entre o consumo dessas bebidas e a obesidade e o diabetes (veja ‘O uso de refrigerantes e a saúde humana‘). O caso é que também não há estudo que comprove algum benefício da ingestão dessas bebidas por adultos ou crianças e muitos chegam a mostrar indícios de prováveis malefícios. Sendo assim, cabe perguntar se não seria adequado basear futuras discussões sobre esse tema no chamado Princípio da Precaução, segundo o qual a ausência da certeza científica formal sobre a existência de risco de um dano sério ou irreversível à vida requer a implementação de medidas que possam prever este dano. Proposto formalmente na Conferência RIO 92, o Princípio da Precaução tem uma clara e decisiva utilização na Bioética pode ser entendido como uma garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados.

Análise socializada pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) e publicada pelo EcoDebate, 06/09/2013


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