Não podemos aceitar a naturalização da violência e dos impactos das Mudanças Climáticas
Professor-pesquisador da EPSJV analisa divulgação de pesquisa científico que associa a violência a mudanças climáticas.
Tempo de violência
Por: Cesar Baima
(O Globo, 2 de agosto de 2013)
O aquecimento global também deverá deixar as pessoas com a cabeça mais quente, aumentando o número de conflitos sociais em todo mundo. A previsão é de pesquisa publicada na edição desta semana na revista “Science”, que congregou dados de 60 estudos realizados nos últimos anos em busca de ligações entre períodos de mudanças climáticas e eventos meteorológicos extremos com casos de violência, abrangendo desde brigas domésticas na Índia e Austrália a assaltos, assassinatos e estupros nos EUA e Tanzânia, brutalidade policial na Holanda, invasões de terras no Brasil, guerras civis na África ou mesmo o colapso da civilização Maia no primeiro milênio depois de Cristo. (Leia a matéria na íntegra )
ANÁLISE
Por André Burigo, professor-pesquisador da EPSJV/Fiocruz
O texto do caderno Ciência, do O Globo, de 2 de agosto de 2013, busca comunicar ao leitor do jornal uma relação entre Mudanças Climáticas e as palavras guerra, violência e conflitos sociais. Essa mensagem fica clara nas três frases de chamada da matéria no topo da página. A matéria de página inteira ainda tem três figuras: uma grande foto com centenas de pessoas sobre um trilho de trem que,segundo a legenda, são integrantes do MST, embora não haja na foto qualquer bandeira do Movimento e nem texto faça qualquer citação à foto; — e outros dois mapas planos do mundo, que tratam do tema das mudanças climáticas mas também não recebem qualquer comentário no texto. Para os muitos leitores de jornal impresso que não se detêm ao texto, mas optam por uma leitura mais superficial, lendo somente as manchetes e as imagens, gráficos ou quadros, pode ficar estabelecida uma relação entre violência e MST, e que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra existe porque há Mudanças Climáticas.
Para estabelecer a relação entre Mudanças Climáticas e Violência, O Globo escolheu um estudo quantitativo publicado na revista Science, que buscou estabelecer relação estatística entre 60 outros diferentes estudos quantitativos sobre mudanças climáticas, eventos meteorológicos extremos e casos de violência de várias regiões do mundo, contabilizando desde brigas domésticas, assassinatos e estupros, passando por brutalidade policial, conflitos agrários, guerras civis e até colapso civilizatório. Não nos dedicaremos nessa analise ao estudo, mas à matéria do jornal. Mesmo assim, pelas informações da pesquisa revelada em O Globo, trata-se de um estudo audacioso, de conclusões matemáticas possíveis, porém de interpretações limitadas, sujeitas a manipulações. Os autores do estudo concluem que as alterações do clima têm impacto signifativo no comportamento violento da sociedade e na eclosão de conflitos, apesar de os pesquisadores reconhecerem que essa ligação entre clima e violência não é a única ou principal causa dos conflitos.
Apresento três críticas mais gerais a esta matéria. A primeira delas é que as limitações do estudo (reconhecidas pelos autores) só aparecem nas últimas linhas do texto (ocupa menos de 10% do seu conteúdo). Desta forma, mesmo apresentando a informação para o leitor que leu toda a matéria (só para este leitor), no seu conjunto, prevalece a informação de que são as mudanças climáticas responsáveis pela violência na sociedade.
A segunda crítica mais geral é sobre a escolha do estudo. Ao escolher essa pesquisa e não outra, O Globo optou por passar para seus leitores a ideia de que os conflitos sociais são decorrentes de fenômenos do clima. Para deixar mais clara essa crítica, apresento como contraponto parte dos resultados de um outro artigo científico, também quantitativo e de pesquisadores da mesma Universidade da Califórnia, EUA, em Berkeley.
Publicado na revista EcoHealth em 2007, com o título Climate Change and Global Health: Quantifying a Growing Ethical Crisis (Mudança Climática e Saúde Global: quantificando o crescimento da Crise ética), o estudo de Patz e colaboradores compara as emissões acumuladas de dióxido de carbono (CO2) por país entre 1950-2000 com a estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) em quatro resultados na saúde: malária, desnutrição, diarreia e mortes relacionadas a inundações fluviais e costeiras.
O CO2 é considerado o princial gás responsável pelo efeito estufa e foi contabilizado no estudo pegando as informações de emissão acumulada para cada país (tonelada/habitante/ano) durante a segunda metade do século XX. A estimativa de crescimento de doenças atribuíveis ao aumento da temperatura da OMS leva em consideração o período entre 2000 e 2030, calculada pela mortalidade de milhões de pessoas.
O Cartograma ao lado apresenta uma distorção dos tamanhos dos países, no primeiro mapa identificando a contribuição nas emissões de CO2 e no segundo a estimativa do impacto sofrido em doenças sensíveis ao clima. Essa distorção revela de forma didática para o leitor do estudo o desequilíbrio entre as populações que mais sofrem de um aumento de doenças sensíveis ao clima contra as nações que mais causam o aquecimento global.
Segundo o estudo, em 2004 os Estados Unidos apresentavam emissões per capita próximas de 6 toneladas/ano. As emissões per capita dos países em desenvolvimento eram de aproximadamente de 0.6 tC/ano, e mais de 50 países apresentavam resultado abaixo de 0.2 tC/ano (ou 30 vezes menos que um americano médio). Os EUA têm sido tanto o contribuinte principal do mundo para gases de efeito estufa, como está entre os maiores consumidores de energia do mundo per capita, com o Canadá e a Austrália não muito atrás.
Por outro lado, as mesmas regiões ou populações que mais devem sofrer entre 2000 e 2030 com os impactos das mudanças climáticas já vêm apresentando um maior aumento de doenças atribuíveis ao aumento da temperatura nos últimos 30 anos. Por exemplo, a África, um continente onde se estima que de 70% a 80% da malária ocorre, tem algumas das mais baixas emissões per capita de gases de efeito estufa. De fato, a OMS mostra que 99% da carga de doença das mudanças climáticas que vêm ocorrendo nos países em desenvolvimento e 88% desses impactos ocorrem em crianças menores de 5 anos, sendo outro grande eixo da desigualdade.
Enquanto os países ricos acumulam os lucros do modelo de desenvolvimento que eles mesmos impoem ao mundo (altamente poluidor), sobre os países pobres que concentram as piores condições de infraestrutura e de acesso a políticas sociais (entre elas as de saúde como ações de cuidado e vigilância) recaem as maiores cargas dos impactos negativos. Esse tipo de violência tem elementos de uma situação que é chamada por alguns pesquisadores e organizações da sociedade civil internacional de Injustiça Ambiental.
Essa mesma Injustiça Ambiental apresentada acima entre países se manifesta nas diferentes regiões e dentro dos países, das cidades. A Injustiça Ambiental é caracterizada: a) pela concentração dos benefícios àqueles que já concentram poder e vivem em melhores condições; b) concentra os prejuízos, os principais impactos, aos povos empobrecidos, étnica e culturalmente vulnerabilizados na sociedade; c) pela violência que se expressa na própria falta de democracia: as comunidades afetadas não participam da tomada de decisão que resulta em sua realização, ainda que em nome do desenvolvimento; d) perpetua-se o acesso desigual aos recursos naturais e a desigual distribuição dos seus benefícios e impactos.
Nem todas das situações de Injustiça Ambiental estão relacionadas às mudanças climáticas, nem respondem por todos os tipos de violência. Por outro lado, ainda que os desatres naturais aumentem em função das mudanças climáticas, como vários estudos tem demonstrado, não podemos aceitar a naturalização da violência e dos impactos das Mudanças Climáticas.
Se o MST existe e está envolvido em conflitos sociais isso se deve muito mais a histórica e profunda concentração de terras no Brasil e aos impactos sociais e ambientais do agronegócio que se expande em nosso país desterritorializando comunidades camponesas, tradicionais e indígenas do que às mudanças climáticas.
Por fim, a terceira crítica, relacionada com a segunda, é de que outras categorias precisam ser contempladas para um estudo que pretende explicar a violência no mundo, ou seja, a violência sofre influências diversas, a depender do tipo de violência. Por exemplo, a violência relacionada a guerra civil provavelmente vai sofrer maior influência do acesso a armas do que propriamente das mudanças climáticas.
Nesse sentido, para agregar um último dado a esta analise apresento abaixo outro cartograma (Figura 2). Nele podemos encontrar a distorção dos tamanhos dos países de acordo com os gastos militares. As guerras são produção social, assim como a indústria bélica que também concentra poder e riqueza.
Em 2002, os gastos militares em todo o mundo foram estimados em 789 billões de dólares. Somente os Estados Unidos gastaram 45% desse valor, quase nove vezes mais do que o segundo maior gastador, o Japão. Este valor cobre os custos de pessoal militar, incluindo o recrutamento e treinamento, suprimentos, armas e equipamentos, e construção. Também está incluído os gastos com assistência militar a outros territórios.
Análise na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, publicada pelo EcoDebate, 23/08/2013
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Ainda que o autor do texto mantenha certa crença no aquecimento global provocado pelo homem, é prazeroso constatar que ainda existem profissionais capazes de desafiar a ortodoxia e ter senso crítico quanto as centenas ou milhares de estudos duvidosos, publicados com a finalidade de manter a humanidade em estado de medo permanente quanto ao assunto. Outros pegariam este artigo e, sem nenhuma crítica, seguiriam batendo tambores e talvez até extrapolariam para o Brasil, como fez o jornalista de O Globo. Este ainda fez pior: tentou linkar uma teoria fraca e duvidável com os conflitos pela terra no Brasil.
Como se, em uma análise simplista, os seculares problemas agrários do país agora podem ter uma outra explicação, que não a concentração de terras e a injustiça no campo.
De fato, mesmo a BBC, um dos HUBs da mídia que compartilha o alarmismo do aquecimento global não engoliu bem o artigo que visa linkar a violência com o clima.
Na matéria, a BBC ouviu outros especialistas no assunto, como o Dr Halvard Buhaug, do Peace Research Institute Oslo, autor de um estudo semelhante que liga os conflitos na África com outros fatores que não o climático (http://www.pnas.org/content/early/2010/08/30/1005739107). Conforme o Dr Bahaug, “Eu fiquei surpreso de não ver uma simples referência de um conflito no mundo real que pausivelmente não teria ocorrido na falta de extremos climáticos observados. Se os autores desejavam afirmar um forte link causal, prover alguma forma de caso de validação é crítico” (http://www.bbc.co.uk/news/science-environment-23538771).
Não só a BBC, mas outro tradicional HUB favorável ao aquecimento global também criticou ainda mais fortemente o referido artigo. Trechos da reportagem do Der Spiegel traduzidas para o ingles podem ser lidas aqui: (http://notrickszone.com/2013/08/02/hsiang-et-al-humiliated-top-experts-deem-paper-claiming-that-warming-leads-to-conflict-flawed-and-exaggerated/?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter)
O site cético mais proeminente (watts up with that ?)apenas publicou poucas linhas sobre o assunto, exibindo gráficos censitários que falseiam a afirmação central do estudo (http://wattsupwiththat.com/2013/08/02/about-that-warmer-temperatures-increase-violence-claim/).
Entretando, o autor do artigo falha ao tentar fazer o link da incidência da malária na África com as mudanças climáticas. Esta afirmação já foi falseada em estudos publicados recentemente pela Nature http://www.nature.com/news/global-warming-wilts-malaria-1.9695 e http://www.nature.com/nature/journal/v465/n7296/abs/nature09098.html
De qualquer forma, parabéns por tentar fazer um balanço entre fatos e mitos sobre este assunto tão espinhento. Sabemos que aqueles que manifestam posições contrárias ao “consenso” (que existe em política e em religião, mas que em ciência é inaceitável), podem passar por dificuldades em ter seus projetos aceitos.
E, sim, não podemos aceitar o clima como explicação para todos os fenômenos da sociedade. Isto é extremamente perigoso para nós e as futuras gerações. Uma “ditadura climática” é o sonho dos burocrátas, políticos e cientistas desonestos.
JFB