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Governo esvazia audiência pública sobre demarcação das terras indígenas

 

audiência pública sobre suspensão da demarcação das terras indígenas do Paraná
Brasília, 15/08/2013 – A Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, realiza audiência pública sobre suspensão da demarcação das terras indígenas do Paraná, motivada por laudo produzido pela Embrapa. Foto: Wilson Dias/ABr

 

Patrícia Bonilha, de Brasília (DF), para o Cimi.

 

Gleisi Hoffmann, ministra-chefe da Casa Civil: ausente!

José Eduardo Cardoso, ministro da Justiça: ausente!

Maria Augusta Boulitreau Assirati, presidente da Funai: ausente!

Maurício Antônio Lopes, presidente da Embrapa: ausente!

Foi deste jeito, ausente, que o governo federal explicitou de que lado ele se posiciona diante das intensas tentativas de usurpação dos direitos constitucionais indígenas.

Convidados a participar da Audiência Pública sobre a “Suspensão da demarcação das terras indígenas no Paraná, motivada por laudo produzido pela Embrapa”, realizada na quinta-feira (15), na Câmara dos Deputados, os quatro representantes do governo federal não se dignaram a comparecer ao debate e esclarecer os nebulosos fatos sobre esta suspensão que envolve diretamente os órgãos públicos onde trabalham.

Por outro lado, cerca de 150 indígenas, de mais de vinte etnias, oriundos de diversas e distantes partes do país, lotaram o plenário da Câmara com o claro objetivo de manifestar suas demandas: demarcação das terras indígenas, como prevê a Constituição, e arquivamento de todas as propostas legislativas, executivas e judiciárias que retiram os seus direitos, duramente conquistados através de muita luta de seus povos.

Após fazerem o toré (ritual indígena para comemorações ou guerra) e entoarem seus cânticos tradicionais por mais de uma hora, enquanto esperavam os que não iriam chegar, no início da audiência, Neguinho Truká afirmou “Queremos manifestar aqui o nosso repúdio diante da ausência dos representantes do Estado brasileiro. A não vinda dos convidados explicita o desrespeito com os povos indígenas e demonstra que o Estado brasileiro tem se municiado para varrer os direitos indígenas do nosso país”. Neguinho questiona a própria existência deste “suposto relatório”, já que a própria Embrapa afirma em ofício que “não elaborou relatório sobre demarcações de terras indígenas no Paraná, porque demanda estudos e laudos antropológicos, atividades que esta Empresa não executa”.

Reação contundente

Covardia, desrespeito, falta de integridade, traição: os indígenas presentes não pouparam os ausentes representantes do governo federal. O Cacique Acauã afirmou que esta não é atitude de gente responsável, mas de gente covarde. “Como é que eles dão um recado [o da suspensão e alteração nos processos de demarcação], que pode mudar nossas vidas e, quando pedimos explicações, eles correm? Queremos ouvir o que a Embrapa tem a dizer. Queremos ouvir o que a Funai, o órgão indigenista, tem a dizer. Nós temos convicção do que queremos e não vamos ficar quietos enquanto nossas terras não forem demarcadas”, avisou.

Em uma sábia análise da conjuntura nacional, Joselito Maciel Pataxó, afirmou que o Brasil já foi todo indígena, de Norte a Sul e de Leste a Oeste, mesmo assim, atualmente, o governo só massacra os seus povos tradicionais. “É uma perversidade e uma grande falta de caráter tratar os povos indígenas com tamanho desrespeito e covardia. Estes covardes e ignorantes já fizeram a contabilidade de quantos anos eles precisam para nos exterminar. Mas isso não vai acontecer”, declara. Na sua perspectiva, a Embrapa seria muito bem utilizada se atuasse em parceria com os povos indígenas no sentido de impedir, por exemplo, o envenenamento das terras, dos rios e dos peixes pela utilização desmedida de agrotóxicos, como vem ocorrendo em todo o país. “Mas a Embrapa só está favorecendo as corporações e os ruralistas, que não têm nenhum amor pela terra e só enxergam nela meios de enriquecer”, lamentou.

Os deputados presentes também foram bastante duros ao criticar a postura do governo. “A Embrapa não vem porque o governo federal não autoriza”, afirmou Domingos Dutra (PT-MA). Já o deputado Padre Ton (PT-RO) lembrou que a ministra Gleisi sempre comparece quando os ruralistas a chamam, como na audiência pública realizada no dia 8 de maio, um dia após ela ter solicitado ao Ministério da Justiça a suspensão das demarcações de terras indígenas no seu estado natal, o Paraná. Segundo ele, a presidente da Funai também havia confirmado que receberia os integrantes da Comissão de Integração Nacional e Amazônia ainda ontem. “Esta Comissão também está cheia de ruralistas”, garante ele, que afirmou ainda que o ministro da Justiça também tem que atender os convites dos diferentes setores.

Chico Alencar (PSOL-RJ) disse que os deputados que causam apreensão e angústia por suas posições anti indígenas não têm participado dos debates para discussão dos temas referentes às causas indígenas. “Após a ocupação histórica do plenário da Câmara pelos indígenas, em abril, a construção do Grupo de Trabalho foi feita para promover este debate entre as partes e conseguirmos avançar em encaminhamentos. No entanto, eles nunca participam e não propõem nada. Eles são o silêncio. Mas querem impor a aprovação de propostas sem nenhuma discussão”, avalia.

Comparecer ou comparecer

Considerando que o governo tem impedido a Embrapa de comparecer nos eventos em que é convidada, o deputado Sarney Filho pretende apresentar requerimento convocando o presidente da empresa a comparecer na Câmara para apresentar o relatório e explicar os critérios do estudo sobre demarcação de terras indígenas. Ele sugeriu que o requerimento seja conjunto das comissões de Legislação Participativa e de Meio Ambiente. “Como é que as demarcações podem ser suspensas a partir de um relatório fantasma que ninguém nunca viu?”, questionou ele. Sarney Filho afirmou ainda que foi justamente para evitar a convocação de ministros para dar explicações na Câmara que o Executivo articulou um acordo com os ruralistas sobre o PLP 227.

“Este Projeto de Lei 227 teve a solicitação de urgência assinada pelos líderes dos partidos e foi quase aprovado na calada da noite como uma moeda de troca entre a Câmara e o Executivo. O governo não queria mais a convocação de ministros pelos parlamentares e os ruralistas queriam fechar o semestre dando este golpe nos indígenas, então, foi como se trocassem ‘favores’. O PLP 227 junta tudo o que tem de ruim nas PECs 215, 038, 237 e na Portaria 303”, afirmou Sonia Guajajara.

No entanto, talvez porque a informação deste acordo tenha “vazado”, talvez porque nem sempre os acordos são cumpridos, dependendo de quem se compromete com eles, na última quarta-feira (14), a Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia aprovou uma convocação da ministra-chefe da Casa Civil , Gleisi Hoffmann, para justamente falar sobre o malfadado estudo da Embrapa. O requerimento foi apresentado pelo líder das minorias, Nilson Leitão (PSDB-MT) e a data da convocação da ministra ainda será definida.

E, assim, os fatos vão ficando cada vez mais claros, sem muito espaço para dúvidas, que acompanharam os atores da sociedade civil e movimentos indígenas na última década, sobre qual a dança que enleva nossos representantes no Congresso e, principalmente, na Esplanada e palácios do Planalto Central.

Descontinuidade da ocupação

Único integrante da mesa, além de Neguinho Truká e de Lincoln Portela (PR-MG), presidente da Comissão de Legislação Participativa, o antropólogo e professor da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGO), Levi Pereira, afirmou que é preciso fazer um profundo estudo da terra para definir se ela é de ocupação indígena ou não. “Não basta olhar para a ocupação realizada nos últimos anos”, considera ele.

Segundo o professor, a titulação das terras ao longo da história não levou em conta a presença indígena, que só era percebida quando a área passava a ser produtiva, o que podia ocorrer após várias décadas. “Essa terra era requerida, titulada, legalizada junto ao Estado e, a partir do momento que era valorizada, era vendida. Então, muitas vezes, os índios iam tomar consciência de que aquela posse estava ameaçada, de que aquela terra não pertencia mais a eles, no momento da ocupação efetiva da terra com atividades agropecuárias”, afirmou o antropólogo.

Informe do CIMI – Conselho Indigenista Missionário, publicado pelo EcoDebate, 19/08/2013


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