Artigo aborda relação entre raça e saúde
A edição de julho de 2013 da revista Cadernos de Saúde Pública traz, na seção Perspectivas, a questão da raça relacionada à saúde. Para debater o tema, a pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) Dora Chor escreveu o artigo Desigualdades em saúde no Brasil: é preciso ter raça. O tema raça e saúde no Brasil, diz a autora, é algo controverso. Profissionais e alunos, ela complementa, já questionaram sobre os motivos pelos quais alguns pesquisadores brasileiros são contrários a estudos de saúde com recorte racial. “Estou convencida de sua importância em função da escassez de estudos empíricos que investiguem a magnitude e influência das desigualdades raciais no adoecimento. Não se trata de discutir a hierarquia dos condicionantes das desigualdades em saúde no Brasil. Penso ser consenso que a origem é social. No entanto, em um mundo em que o pensamento conservador avança, é preciso conjugar o universal e o particular incluindo evidências empíricas sobre discriminação, racismo, raça e saúde no Brasil”, aponta Dora. A edição pode ser lida aqui.
Quando questionada sobre os motivos pelos quais alguns pesquisadores brasileiros são contrários a estudos de saúde com recorte racial, Dora explica que nunca conseguiu responder a essa pergunta de forma direta. De acordo com ela, a discussão foi acalorada nos anos 2000, e o tema foi apresentado em uma mesa-redonda no 6º Congresso Brasileiro de Epidemiologia, ocorrido em 2004, que teve suas palestras publicadas, no ano seguinte, nos Cadernos de Saúde Pública. “As evidências disponíveis atualmente mostram que as desigualdades de saúde refletem as desigualdades mais abrangentes na sociedade. Raça, posição socioeconômica e gênero influenciam a saúde dos brasileiros por meio de diferentes relações e com magnitudes diversas a depender da pergunta que se deseja responder”.
No texto, a pesquisadora cita o exemplo de uma matéria publicada na imprensa sobre racismo. A matéria diz que a mortalidade por doenças infecciosas é 43% maior entre crianças negras do que entre brancas. Dora questiona, entre outros aspectos, se a assistência à saúde é ou não permeada pela discriminação. “Não, o SUS não é racista, como apontam alguns autores. Ao contrário, seu ideário é o da universalidade, igualdade entre todos os brasileiros. No entanto, não podemos achar que, em função desse ideário, tratamentos racistas ocorrem somente em outras instituições”, destaca.
Segundo Dora, há resultados de investigações brasileiras que fornecem evidências de iniquidades (porque são injustas e evitáveis) raciais em saúde. Em Pelotas (RS), a taxa de mortalidade infantil de filhos de mães brancas em 1982 (30 por 1 mil nascidos vivos) só foi alcançada por filhos de pretas e pardas em 2004. Nesse ano, a taxa de mortalidade infantil dos filhos de mães brancas já estava no patamar de países de alta renda (13,9 por 1 mil nascidos vivos). Investigando a realização de mamografia na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2008), constatou-se que a prevalência do rastreamento era maior para mulheres brancas, de maior renda, de maior escolaridade ou que moravam em regiões metropolitanas de melhor padrão socioeconômico.
“A literatura internacional sobre desigualdades sociais em saúde é volumosa, não descarta a influência da raça e a relaciona com as condições socioeconômicas, apontando a complexidade e desafios desse entrecruzamento. É necessário aprofundar esse esforço no campo da saúde pública brasileira”, enfatiza Dora. Ainda de acordo com a pesquisadora, as resultados dos estudos nacionais, assim como a comparação com a literatura internacional, reforçam a hipótese de que, também no Brasil, o eixo da desigualdade racial, além do socioeconômico e o de gênero, merece investigação na área da saúde. Esses três eixos podem atuar juntos, criando grupos especialmente expostos a riscos. Em muitos casos, a adversidade econômica será a explicação mais importante. Em outros, esse eixo não será suficiente, e a compreensão do papel da raça e do gênero será indispensável para explicar o desfecho e contribuir para a elaboração de políticas públicas.
As evidências disponíveis, explica Dora ao término do artigo, indicam que as desigualdades de saúde refletem as desigualdades mais abrangentes na sociedade. Raça, posição socioeconômica e gênero influenciam a saúde dos brasileiros por meio de diferentes relações e com magnitudes diversas, dependendo da pergunta que se deseja responder. Para ela, o estudo de exposições que se encontram mais próximas do desfecho na cadeia de causalidade não é incompatível com a investigação de fatores distais, entre os quais se encontra a raça.
“Não é prudente criar barreiras a essa linha de pesquisa sem investigações empíricas suficientes. O aparente consenso – não explicitado – de que estudar as desigualdades raciais em saúde cria divisões sociais no Brasil, ao invés de expô-las, pode reforçar o determinismo biológico, distorce a abrangência de outros aspectos da discriminação ou não ajuda a compreender as origens das desigualdades sociais em nosso país parece ser tão polarizado quanto restringir a discussão à criação de programas de saúde específicos voltados exclusivamente para pardos e pretos. O fundamental é que, acima de tudo, se amplie esse debate”, conclui Dora.
Informe Ensp / Agência Fiocruz de Notícias, publicado pelo EcoDebate, 02/08/2013
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