Incidentes com Tubarões em Recife – O que se pode fazer? artigo de Marcelo Szpilman
O governo de Pernambuco deve interditar áreas de praia com risco de ataque de tubarões até que sejam instaladas redes de proteção para os banhistas. A recomendação é do Ministério Público do estado: http://ebcnare.de/1biz72o (Nicholas Bittencourt/flickr/Creative Commons)
[EcoDebate] Mais uma vez, o triste episódio da morte de uma menina de 18 anos, provocada pelo ataque de um tubarão em Recife, leva o tema às manchetes dos jornais e programas jornalísticos e suscita os mais variados comentários e discussões acerca do que se pode e o que se deve fazer, como o fechamento das praias e proibição do banho de mar, a colocação de redes ou telas de proteção e a captura de tubarões com fins de monitoramento e pesquisa.
Apesar de estarmos carecas de saber que foi o próprio homem quem provocou tudo isso, ao remodelar o litoral de Suape ao seu bel prazer no início da década de 1990, e que teremos que conviver com suas consequências – e a maior interação entre homem e tubarão, prevalecente fator causador dos incidentes, é a principal delas –, medidas precisam ser tomadas a fim de minimizar incidentes e mortes. Sobre isso não há dúvida. Mas fazer o que?
Educação, esclarecimento e prevenção da população– O trabalho realizado pelo Governo de Pernambuco, através do Cemit (Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões), desde 2004, com a implantação de campanhas de esclarecimento, distribuição de folderes educativos e a colocação de placas de alerta e prevenção nas praias, foi muito bem executado e surtiu o efeito esperado __ orientou surfistas e banhistas para evitar locais e horários de maior risco real e diminuiu efetivamente o número de incidentes com tubarões.
Entretanto, por mais que se esclareça e alerte, as pessoas (em especial os adolescentes) têm uma natural tendência a achar que com elas nada acontecerá. Para esses casos, não há medida mais eficaz do que estar preparado para dar o atendimento imediato e correto à vítima resgatada.
Qualidade e eficiência do primeiro-socorro à vítima – Os bombeiros guarda-vidas brasileiros estão entre os melhores no resgate e atendimento aos afogados. Fato inquestionável. E seus pares pernambucanos são, além disso, verdadeiros heróis ao se colocarem, sem hesitação, em risco pessoal para resgatar a vítima de ataque que está prestes a se afogar, como fez o soldado Figueiredo no caso da menina de 18 anos.
Afirmo, categoricamente, que é muito raro um tubarão atacar o ser humano com fins de alimentação. Mais de 90% dos ataques no mundo todo, inclusive em Recife, ocorrem por erro de identificação visual. Uma única mordida investigatória. Assim, caso a vítima não seja resgatada a tempo, a morte se dará por afogamento secundário advindo do choque hipovolêmico provocado pela hemorragia.
Então, se o resgate é apropriado, o que falta? Faltam equipamentos adequados (e treinamento especializado) para executar um eficiente primeiro-socorro e uma rápida remoção, fundamentais em muitos casos para definir se a vítima sobreviverá após ser resgata (tirada da água).
Essa, entre outras razões, explica por que o índice de fatalidade dos ataques de tubarões em Recife é o mais alto do mundo; 40%, enquanto a média internacional é 13%. Mesmo na África do Sul, a chamada “Costa dos Tubarões”, onde o grande tubarão branco está entre as espécies envolvidas nos incidentes, a taxa de fatalidade é de apenas 12%.
Tomemos o exemplo do estado da Flórida que, apesar de ter quase dez vezes mais incidentes com tubarões do que o estado de Pernambuco, apresenta somente 1% de fatalidade. É isso mesmo. Não escrevi errado. SOMENTE 1% de fatalidade. Lá, os guarda-vidas são alta e constantemente treinados para aplicar de forma correta e eficiente os primeiros-socorros nas vítimas de ataque de tubarão. E, para isso, tem à disposição uma caixa com os mais modernos insumos e equipamentos médicos. Enquanto dão o primeiro atendimento já na areia, imediatamente após o resgate, para conter a hemorragia e estabilizar as funções básicas, um helicóptero pousa ao lado e leva a vítima rapidamente para o hospital mais próximo.
Fechamento das praias e proibição do banho de mar– Todos sabem, há muitos anos, que não há risco de incidentes com tubarões nas áreas protegidas pelos arrecifes naturais (e são muitos). E sabem também que existem épocas do ano e horas do dia em que o banho de mar e as práticas esportivas devem ser evitadas nas áreas desprotegidas por representar maior risco de incidente. Além disso, há dezenas de placas de alerta nas praias sinalizando as áreas de maior perigo.
O número de mortes por atropelamento em Recife (como em todas as grandes cidades) é infinitamente maior. Mas ninguém, em sã consciência, decide fechar as ruas e proibir os pedestres de atravessá-las. Cabe ao estado, tanto no caso dos atropelamentos quanto na questão dos tubarões (como já vem fazendo), promover campanhas de educação, esclarecimento e alerta para que os cidadãos e turistas tenham consciência, discernimento e responsabilidade em seus atos.
A menina morta no ataque de tubarão foi avisada dos riscos por um bombeiro guarda-vidas e mesmo assim decidiu banhar-se na área desprotegida da praia de Boa Viagem. Mais do que isso, impossível.
Colocação de redes ou telas de proteção – Implantar essa medida de proteção tem o seguinte significado: para termos o livre arbítrio de não respeitar as regras e avisos acima descritos sacrificaremos milhares de animais marinhos inocentes todos os anos.
Redes ou telas de proteção, como demonstram experiências em outros países, prendem e matam peixes, tartarugas, golfinhos e outros tubarões que nada tem a ver com os incidentes provocados pelos tubarões das espécies cabeça-chata ou tubarão-tigre.
Fora o enorme custo ambiental, as redes ou telas de proteção exigirão altos custos de vistoria e manutenção que, se não forem bem feitos, poderão provocar a inusitada situação de ter um tubarão entrando na área protegida, através de prováveis buracos, e ali permanecer provocando incidentes.
Captura de tubarões com fins de monitoramento e pesquisa – A captura de tubarões com objetivo real e efetivo de monitoramento e pesquisa sempre foi e continua sendo realizada no mundo todo.
Essa prática é necessária e útil para os cientistas estudarem o comportamento e a movimentação das populações de tubarões. E obviamente, no caso de Recife, isso pode contribuir sobremaneira para prevenir e minimizar os riscos de incidentes.
No entanto, pescar tubarões com o simples objetivo de eliminar as espécies mais agressivas do litoral pernambucano, para com isso diminuir a frequência de incidentes, é um procedimento bastante controverso e vai contra todos os conceitos de sustentabilidade e preservação do meio ambiente.
É mais uma demonstração prepotente do ser humano em acreditar que pode desequilibrar a natureza e depois, com a pretensa tentativa de consertar o dano colateral provocado, sacrificar espécies “problemáticas” que apenas se comportam de acordo com seus instintos. Seria como admitir a eliminação de tigres e leões motivada simplesmente por eventuais ataques e mortes de invasores de seu ambiente natural.
Isto posto, e se me fosse possível definir ações para minimizar incidentes e mortes no litoral de Recife, em resposta à pergunta do título, definiria que o melhor caminho seria investir recursos consideráveis em duas áreas: 1 – Equipamentos e treinamento para os órgãos responsáveis atuarem de forma mais eficiente nos primeiro-socorros e na remoção; 2 – Pesquisas de longo prazo com o propósito de obter dados científicos seguros que permitam estabelecer intervenções mitigadoras sem grandes impactos no ambiente marinho local.
Para complementar as informações sobre as causas dos incidentes com tubarões, sugiro a visualização do recente programa “Encontro com Fátima Bernardes”, onde o assunto foi abordado.
*Marcelo Szpilman, biólogo marinho formado pela UFRJ, com Pós-graduação Executiva em Meio Ambiente (MBE) pela COPPE/UFRJ, é autor dos livros Guia Aqualung de Peixes (1991) e de sua versão ampliada em inglês Aqualung Guide to Fishes (1992), Seres Marinhos Perigosos (1998), Peixes Marinhos do Brasil (2000) e Tubarões no Brasil (2004). Por ser um dos maiores especialistas em peixes e tubarões e escritor de várias matérias e artigos sobre natureza, ecologia, evolução e fauna marinha publicados nos últimos anos em diversas revistas, jornais, blogs e sites, Marcelo Szpilman é muito requisitado para ministrar palestras, conceder entrevistas e dar consultoria técnica para diversos canais de TV. TV. Atualmente, é diretor do Instituto Ecológico Aqualung, diretor do Projeto Tubarões no Brasil, membro do Conselho da Cidade do Rio de Janeiro (área de Meio Ambiente e Sustentabilidade), membro e diretor do Sub Comitê do Sistema Lagunar da Lagoa Rodrigo de Freitas e colunista da Rádio SulAmérica Paradiso FM 95,7 com o boletim ECO PARADISO, em duas edições diárias sobre meio ambiente e sustentabilidade.
Projeto Tubarões no Brasil
Instituto Ecológico Aqualung
E-mail: instaqua@uol.com.br
Site: http://www.institutoaqualung.com.br
Nota do EcoDebate: sobre o mesmo tema sugerimos que leiam, também, a matéria “Destruição do habitat contribui para ataques de tubarões em Pernambuco, dizem especialistas”
EcoDebate, 31/07/2013
[ O conteúdo do EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, ao EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]
Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta clicar no LINK e preencher o formulário de inscrição. O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.
O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.
Remoção da lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Para cancelar a sua inscrição neste grupo, envie um e-mail para ecodebate@ecodebate.com.br. O seu e-mail será removido e você receberá uma mensagem confirmando a remoção. Observe que a remoção é automática mas não é instantânea.