Talidomida continua a fazer vítimas no Brasil
Proibida na maior parte do mundo, droga ainda gera legião de bebês com deformidades no Brasil.
Um estudo ao qual a BBC teve acesso exclusivo mostra que o uso da talidomida continua a causar defeitos físicos em bebês nascidos no Brasil.
A polêmica droga é distribuída na rede pública para tratar pessoas com hanseníase – doença antigamente chamada de lepra, causada pelo bacilo de Hansen, o Mycobacterium leprae, que ataca nervos periféricos e a pele.
Mas algumas mulheres, por desconhecerem seus riscos, têm tomado o medicamento no Brasil durante a gestação.
Novas vítimas
Alan: vítima da nova geração no Brasil; país tem cem casos similares identificados por pesquisa feita pela UFRGS entre 2005 e 2010.
A talidomida foi introduzida, no final dos anos 1950, como um sedativo. A droga era dada às mulheres grávidas para combater os sintomas do enjoo matinal.
Mas o uso durante a gestação restringiu o crescimento dos membros dos bebês, que nasceram com má formação nas pernas e braços.
Em torno de 10 mil bebês nasceram com defeitos físicos em todo o mundo até que a droga fosse tirada de circulação em 1962.
Na maioria dos países, os bebês vítimas da talidomida se tornaram adultos, hoje com cerca de 50 anos de idade, e não houveram mais novos casos registrados.
Mas no Brasil a droga foi reintroduzida em 1965 como tratamento das lesões da pele, uma das complicações da hanseníase.
Os casos de hanseníase no Brasil são mais recorrentes do que em qualquer outra parte do mundo, exceto a Índia. Mais de 30 mil casos são diagnosticados todos os anos – com milhões de pílulas de talidomida sendo distribuídas para tratar a doença.
Mas pesquisadores dizem que atualmente existem cem casos de crianças com defeitos físicos exatamente como os causados pela talidomida nos anos 1950.
“Uma tragédia está ocorrendo no Brasil… Esta é uma síndrome completamente evitável”, afirma Lavinia Schuler-Faccini, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Hanseníase no Brasil
O Brasil tem o segundo maior índice de ocorrência da hanseníase em todo o mundo, ficando atrás apenas da Índia. Todos os anos, são mais de 30 mil casos diagnosticados.
Mas as pessoas a favor do uso da talidomida para tratamento da hanseníase dizem que a droga é vital para estas pessoas. Eles acreditam que os benefícios ultrapassam os riscos.
A professora Lavinia Schuler-Faccini e outros pesquisadores da UFRGS investigaram os registros de nascimento de 17,5 milhões de bebês entre 2005 e 2010.
“Nós investigamos todos os defeitos de membros que tinham características parecidas com os causados pela talidomida”, afirma Schuler-Faccini.
“Nós comparamos a distribuição das pílulas de talidomida com o número de defeitos de membros, o que tinha uma correlação direta”.
“Quanto maior o número de pílulas em cada Estado, maior o número de defeitos nos membros (dos bebês)”, explica a pesquisadora.
No mesmo período de 2005-2010, cerca de 5,8 milhões de pílulas de talidomida foram distribuídas em todo o Brasil.
“Nós tivemos cerca de cem casos nestes seis anos similares ao da síndrome da talidomida”
Fernanda Viana, pesquisadora da UFRGS, em Porto Alegre
“Nós tivemos cerca de cem casos nestes seis anos similares ao da síndrome da talidomida”, explica Fernanda Vianna, outra pesquisadora da UFRGS participante do estudo.
Para a pesquisadora, falta de educação para a saúde e o hábito generalizado de dividir medicamentos com outras pessoas contribuiem para o problema.
Isto é o que parece ter acontecido com Alan, criança que vive numa pequena cidade de uma área central do Brasil.
Tamanho é o tabu em torno de sua deficiência, que sua família pediu para não ser identificada.
Ele nasceu em 2005, sem braços e pernas. Suas mãos começam logo abaixo dos ombros, e os pés são ligados diretamente às coxas.
O menino sorri muito e parece adorar jogar no computador com seus irmãos.
Alan rola o próprio corpo para se movimentar pela casa e, quando precisa ir mais longe, é colocado numa cadeira de rodas.
Ele é bem cuidado pela família, e tem aulas individuais na escola, mas precisa viajar duas horas de ônibus a cada semana para a sua sessão de fisioterapia.
Sua mãe Gilvane tomou talidomida por acidente. O remédio foi prescrito a seu marido para tratar de uma hanseníase, mas as pílulas foram guardadas junto com outras.
“Eu tomei as pílulas quando eu estava passando mal, então fui até a caixa de remédios e tomei. Eu já havia tomado remédios como paracetamol, para fazer com que eu me sentisse melhor, sem saber que eu estava grávida”.
“O pai dele disse que o médico não o alertou de que mulheres não poderiam tomar o remédio. Ele disse que não falaram nada sobre isso a ele”.
Regulamentação
No Brasil, há uma regulamentação bastante restrita para o uso da talidomida. Ela pode ser prescrita apenas para mulheres que estiverem utilizando duas formas de contraceptivo e concordarem em fazer testes regulares de gravidez.
Alerta
Mulheres que recebem prescrição de talidomida no Brasil são orientadas a utilizar duas formas de contracepção. Elas também passam por testes regulares de gravidez.
Existem alertas bem claros nas embalagens do remédio, como uma imagem de um bebê nascido com deficiências.
Mas a hanseníase é uma doença das populações mais pobres, em áreas em que o cuidado com a saúde é ruim e a educação é inadequada.
Defensores
Muitos pessoas no Brasil acreditam que o medicamento deve continuar a ser utilzado.
“Atualmente, existe um mito sobre a talidomida”, afirma Mariana Jankunas, coordenadora de produção da Funed (Fundação Ezequiel Dias), instituição governamental que mantém uma fábrica de medicamentos genéricos.
“Eu acho que com informação e publicidade sobre os benefícios que a talidomida traz aos pacientes este mito pode ser vencido, porque os benefícios ultrapassam os riscos”, defende Jankunas.
“Eu acho que com informação e publicidade sobre os benefícios que a talidomida traz aos pacientes este mito pode ser vencido, porque os benefícios ultrapassam os riscos”
Mariana Jankunas, coordenadora de produção da Funed, que fabrica a droga
“Essa é a melhor droga”, afirma Francisco Reis, da clínica de hanseníase do hospital Curupaiti, perto do Rio de Janeiro.
Quando confrontado sobre o fato de que muitas pessoas ficariam chocadas com seu comentário, ele responde: “você tem os fantasmas da talidomida dos anos 1950, mas você deveria se esquecer desses fantasmas”.
Ele apresenta uma de suas pacientes, Tainah, que mostra como a medicação reduziu as lesões da hanseníase nos seus braços.
“Eu sei que eu preciso desse remédio”, diz a garota.
Ela disse que entende que se não tomar pílulas contra a gravidez, ela poderia engravidar e dar à luz a uma criança com defeito físico.
Causas
O Brasil é um país de enorme desigualdade social, onde cerca de 20% da população está abaixo da linha da pobreza – de acordo com a ONU, pessoas que vivem com menos de 1 US$ por dia.
Moradias super habitadas, e falta de programas de saúde pública são comuns em áreas rurais e favelas urbanas – locais onde o índice de hanseníase é alto.
Onde a hanseníase é mais comum, a talidomida continuará a ser prescrita e o risco de bebês nascerem com defeitos físicos continuará.
Artur Custodio, do Morhan (Movimento de Reintegração das Pessoas Atigindas pela Hanseníase), reconhece que a talidomida é perigosa, mas afirma que carros causam mais acidentes com vítimas que se tornam deficientes físicos no Brasil do que o medicamento.
“Nós não falamos sobre banir o uso de carros, nos dizemos que deveríamos ensinar as pessoas a dirigir com responsabilidade”, afirma.
“É a mesma coisa para a talidomida”.
Matéria de Angus Crawford, da BBC Newsnight/BBC Brasil, reproduzida pelo EcoDebate, 29/07/2013
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É absolutamente assustador ler e (ouvir) as opiniões dessas (?)pessoas entrevistadas. Só mereceriam perdão se não houvesse nenhuma droga substituta à talodomida.Existe?
Caso exista,é caso de polícia mesmo, para a ganância desenfreada.Como tratar as feridas pode ser um benefício maior que ter um ser humano (por que não se trata apenas de um bebê romântico) sem braços e sem pernas?
Cadê o Ministério Público?
O site está com algum defeito ou os comentários não mais serão publicados?
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Tudo é questão de informação. Esse medicamento como foi citado, é essencial para o tratamento da hanseníase, e a pessoa atingida deve ser bem orientada independentemente de ser homem ou mulher, para que no período de tratamento evite a gravidez( que não é impossível, ao contrario é bem simples) É só uma questão de cuidado seguido por uma boa orientação e acompanhamento médico. O principal problema é que infelizmente a deficiência é grande quando se fala da saúde pública.
A matemática é muito simples. Tratar as feridas de 30.000 pessoas por ano, que podem evoluir para orelhas, narizes, dedos, e até pernas e braços CAINDO (lembra das aulas de história, do que falavam sobre a lepra? Do por que o preconceito era tão grande contra a doença? Do quão deformadas as pessoas ficavam?) é mais benéfico do que evitar que 100 bebês por ano nasçam deformados. Evitar a deformidade em 30.000 pessoas é mais benéfico do que evitar a deformidade em 100.
Ainda mais que esses 100 poderiam ser zero se as próprias pessoas envolvidas (não os bebês, mas os pais) fossem cautelosos.
O caso citado na reportagem é bem elucidativo: o bebê nasceu deformado porque a mãe tomou o remédio que não era para ela, só porque estava na gaveta >_<