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Artigo

Juventude que conta, artigo de Marcelo Neri

 

Juventude que conta
Foto: Marcos Santos/USP Imagem

 

[Ipea/SAE]  Na visão da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR), não há melhor preditor disponível do futuro do país que o universo das crianças e dos jovens de hoje. Aí incluindo as suas respectivas tendências demográficas tratadas em detalhe na presente pesquisa. A SAE acaba de assumir a presidência da Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD), indicando Ricardo Paes de Barros para liderar os trabalhos. A pesquisa aqui apresentada é a primeira realizada pela SAE após a criação da CNPD, tratando, não por coincidência, de demografia e escolhendo o que talvez seja o tema populacional mais intrigante de nosso tempo: a chamada onda jovem.

Pororoca Jovem – A pesquisa revela que o tamanho da população jovem brasileira nunca foi, e nunca será, tão grande quanto o de hoje, correspondendo a cerca de 50 milhões de pessoas na faixa entre 15 e 29 anos de idade, cerca de 26% de nossa população, proporção muito próxima à média mundial. Na verdade, estes 50 milhões de jovens brasileiros em ação correspondem a um “platô populacional” que começou em 2003 e, por força de mudanças demográficas diversas atuando em direções opostas, prolongará a onda até 2022, em formato de pororoca jovem. Depois de celebrarmos o bicentenário de nossa independência, o processo refluirá e a população jovem no Brasil cairá a uma velocidade mais alta que a dos demais países, com exceção da China. O Brasil precisa aproveitar ao máximo a longa duração da pororoca jovem para impulsionar suas transformações sociais e econômicas nas direções desejadas. Mas quais são as direções desejadas?

Não basta contar os mais jovens. Temos de fazer com que os jovens contem mais. É necessário que a juventude nos conte o que pensa e o que quer. A fim de empoderar na prática a juventude, ouvir é preciso. Não só para atender os anseios da juventude de hoje, mas a fim de decifrar os principais desafios ainda por vir do país. Os jovens são a principal porta de entrada de inovações nos valores e nas aspirações de cada sociedade, permitindo antecipar no tempo a formação do pensamento geral da nação. Exploro aqui um pouco as mensagens dos jovens brasileiros através de trailer de pesquisa sobre aspirações e valores da juventude.

Prioridades – Deciframos as principais prioridades em pesquisa domiciliar do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que foi a campo em maio de 2013, consultando mais de 10 mil pessoas numa amostra representativa do país como um todo, e pediu para cada entrevistado escolher, entre 16 temas, quais são suas seis – e apenas seis – maiores prioridades. O modelo de perguntas utilizado vem da pesquisa Meu Mundo (My World), levada a cabo por agência das Nações Unidas em diversas partes do globo, o que permite comparabilidade internacional dos nossos resultados. O objetivo é subsidiar a definição das novas Metas do Milênio (Post-2015 Development Goals).

A mais alta prioridade dos jovens brasileiros é a educação de qualidade: 85,2% dos brasileiros de 15 a 29 anos elencaram esta opção entre as seis mais importantes dos 16 temas apresentados. Serviços de saúde (82,7%) foram a segunda opção mais apontada. Na população adulta não jovem, isto é, aqueles como 30 anos ou mais de idade, as duas maiores prioridades são as mesmas, mas em ordem invertida: saúde (86,6%), seguida de educação (80,5%). Na pesquisa mundial feita na internet pelas Nações Unidas, a ordem de prioridades se conforma com a dos jovens brasileiros.

Na sequência dos jovens, temos alimentação de qualidade (70,1%) como terceira menção mais frequente, fechando o pódio das prioridades da juventude brasileira. Incidentalmente, esses três elementos representam, no campo das políticas públicas, os três componentes do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU. Governo honesto e atuante aparece como a quarta prioridade dos jovens no Brasil, com 63,5%. Na população global consultada na internet, esta é a terceira prioridade, seguida de oportunidades de trabalho, que, num certo sentido, desempenha a função de renda do IDH – no sentido de geração de renda, ao passo que alimentação de qualidade representa a prioridade de gasto da mesma renda.

Agenda Jovem – No fundo, as agendas jovem e não jovem do país não estão tão desconectadas na escolha de prioridades. Utilizamos a pesquisa para contrastar quais são as prioridades dos jovens brasileiros vis-à-vis os adultos não jovens da sociedade. A chamada agenda jovem se refere àqueles elementos que são relativamente mais importantes para eles do que para aqueles com 30 anos ou mais. Note-se que não falamos do que é prioridade para os jovens, o que será tratado mais adiante, mas da dissonância entre a agenda elencada pelos jovens em relação à dos adultos não jovens. Esse contraste nos permite identificar possíveis conflitos de gerações e, portanto, possíveis razões para protestos juvenis.

Vamos à análise dos números: a maior diferença está na importância dada à educação de qualidade (4,7% mais naqueles entre 15 e 29 anos vis-à-vis aqueles com 30 anos ou mais), eliminação do preconceito e da discriminação (3,6 p.p. mais), melhoria nos transportes e estradas (3 p.p. mais), melhores oportunidades de trabalho (3 p.p. mais), liberdades políticas (2,4 p.p. mais), acesso a telefone e internet (1,8 p.p. mais) e proteção a florestas, rios e oceanos (0,9 p.p. mais). A maior importância atribuída pelos jovens à educação e às oportunidades de trabalho é natural nessa fase do ciclo de vida. Estudo, desemprego e busca de liberdade política são elementos marcantes dos jovens de muitas gerações. Elementos da nova geração – isto é, dos jovens de hoje, mas não necessariamente dos jovens de décadas passadas – são combate à discriminação, defesa do meio ambiente e acesso à internet. A ênfase dada a este último elemento, de conectividade digital, e à mobilidade urbana coincidem com o meio e o fim a partir dos quais os protestos de junho no Brasil inicialmente eclodiram.

Agenda Antiga – Similarmente, podemos elencar os principais pontos da agenda não jovem, isto é, elementos que pesam relativamente mais nas prioridades daqueles com 30 anos ou mais. Nesse caso, a agenda é acesso a alimentos de qualidade (6 p.p. menos para os jovens), melhoria dos serviços de saúde (4,7 p.p. menos), proteção contra o crime e a violência (3,4 p.p. menos), apoio às pessoas que não podem trabalhar (2,8 p.p. menos), governo honesto e atuante (2,2 p.p. menos), acesso à água potável e ao saneamento (1,2 p.p. menos) e igualdade entre homens e mulheres (0.8 p.p. menos).

Como diz a música dos Titãs, jovens não querem só comida, ao passo que saúde e aposentadoria são questões que afligem mais os mais velhos. Igualdade de gênero se destaca mais nas faixas etárias mais avançadas, em que a população feminina, mais longeva, supera especialmente a masculina. Outros integrantes da agenda mais antiga, talvez pela incapacidade de sucessivos governos endereçá-las, são violência, corrupção e saneamento básico.

 

Leia a publicação “Juventude Levada em Conta
EcoDebate, 23/07/2013


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