Junho 2013. Significados, inflexões e perspectivas do Outono Brasileiro
Manifestação na Avenida Paulista dia 20 de junho de 2013. Foto: Marcos Santos/USP Imagens
A análise da Conjuntura da Semana é uma (re) leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, parceiro estratégico do IHU, com sede em Curitiba-PR, e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias do Dia.
Sumário:
A potência das ruas
Tudo mudou nas últimas semanas
A recusa e o reconhecimento
Ruas pedem outro modelo
O precariado está nas ruas
Ética. Uma bandeira da direita?
Redes Sociais. Novo sujeito político?
O despreparo da vanguarda institucional
As reações de Dilma e do Congresso
Da Assembleia Nacional Constituinte ao Plebiscito
Junho 2013 em frases
Eis a análise.
A potência das ruas
Tudo mudou nas últimas semanas
Os acontecimentos de junho de 2013 – as grandes manifestações serpenteando as ruas das principais cidades brasileiras – colocaram o país no cenário mundial das multidões que tomaram as ruas e praças nesse início de século. Tahrir, Puerta do Sol e Taksim também acontece aqui. Por que o Brasil? Por que agora? Qual o significado dessas manifestações? Qual é a sua potência e o seu devir?
O assombro que virou o país de cabeça para baixo nas últimas semanas – e permanece – suscita mais perguntas do que respostas. Aqueles que já têm as respostas definitivas para o que está acontecendo também são aqueles que não previram o que iria acontecer. Assumir a condição da fragilidade na análise é a primeira condição para se aproximar dos acontecimentos. Como diz o historiador Lincoln Secco, “o movimento é uma esfinge, pede para ser decifrado”.
A condição de fragilidade na análise se faz ainda mais necessária quando se percebe que estamos diante de um novo tipo de movimento que não segue a estrutura dos movimentos tributários da sociedade industrial, fordistas em sua organização e compreensão de mundo. O viés conservador que inicialmente tomou conta das análises dos movimentos tradicionais – partidos, sindicatos, intelectuais e até mesmo do MST – que viam e veem riscos de despolitização e direitização nas ruas é resultante do desencaixe que esse movimento provoca.
Estamos diante de um tipo de movimento que não se enquadra nos manuais clássicos de análise – sem direção, sem organicidade, sem fundamentação teórica explícita, sem bandeiras, sem carro de som, etc. Os dois grandes movimentos de massa recentes no país – Diretas Já! (1984) e Fora Collor (1992) tiveram a hegemonia da esquerda que nesse momento foi pega de surpresa com o furor das ruas.
A novidade agora é que não há um centro. Como afirma Giuseppe Cocco, “o primeiro elemento é este [o movimento] têm uma dinâmica intempestiva, foge a qualquer modelo de organização política (não apenas os velhos partidos ou os sindicatos, mas também o terceiro setor, as ONGs) e afirmam uma democracia radical articulada entre as redes e as ruas”. Assiste-se a uma revolta plural, a uma polissemia de manifestações na manifestação. Assiste-se, como destaca Candido Grzybowski, um modo de ser e de fazer luta política na forma de uma “destruição criativa”.
Uma grande novidade do junho 2013 – absolutamente improvável, inimaginável e impensável – foi o encontro de Dilma Rousseff no Palácio do Planalto com representantes do Movimento Passe Livre – MPL. A interlocução com o que estava acontecendo nas ruas não foi feita com os partidos, as centrais sindicais, o MST, as ONGs, mas sim com jovens autonomistas.
Tudo mudou nas últimas semanas. Doravante, arrisca Vladimir Safatle, “não haverá mais política como conhecemos até agora. Daqui para a frente ela irá em direção aos extremos”.
Em poucos dias, viu-se um giro radical nas articulações, prioridades e estratégias no mundo da política. A agenda do Palácio do Planalto e do Congresso mudou proporcionalmente à força das ruas – voltaremos a falar sobre isso. Mas não foi apenas o executivo e o parlamento que se renderam às ruas, a grande imprensa também, que transitou da tentativa de criminalização e desqualificação do movimento das ruas para incensá-lo como manifestações do exercício da livre manifestação e da democracia.
Ainda mais. As ruas mexeram com os Movimentos Sociais e partidos. Perplexos, os partidos tiraram suas bandeiras dos armários e correram para as ruas para se somarem às multidões. Alguns não foram bem recebidos por uma minoria, o que empurrou muitos a uma análise conservadora do significado do que estava acontecendo.
Que movimento é esse que mudou tudo nas últimas semanas? Que inverteu as pautas de cabeça para baixo? Na sequencia, sugerimos “aproximações” de leitura sobre o que está acontecendo no Brasil, sem a pretensão de interpretações definitivas.
A recusa e o reconhecimento
Atônitos, perplexos, confusos e desorientados. Assim ficaram analistas, cientistas políticos, comentaristas e jornalistas com o vagalhão das manifestações que explodiram em todo o país a partir da violenta repressão contra a manifestação convocada pelo Movimento do Passe Livre – MPL no dia 13 de junho em São Paulo.
Onde encontrar a razão desse turbilhão? Procurar uma única razão como base e fundamento do movimento pode ser precipitado. Como afirma Giuseppe Cocco, “podemos logo começar dizendo que o que caracteriza essas manifestações é que elas não representam exatamente nada ao passo que, por um tempo mais ou menos longo, elas expressam e constituem tudo”.
Duas palavras chaves, entretanto, irrompem para a leitura das ruas: A recusa e o reconhecimento. Recusa pelo que está aí, reconhecimento pelo que se quer.
“O que acontece nessas manifestações é uma recusa”, afirma o sociólogo Luiz Werneck Vianna ao comentar a onda de protestos que se disseminou pelas principais capitais brasileiras: “Ao longo desses anos, essa geração cresceu vendo e se confrontando com uma situação em que os partidos e a classe política em geral se desmoralizavam a cada dia (…). Tudo isso foi distanciando a população, especialmente os jovens, da vida institucional”.
O mesmo analisa Tarso Genro para quem “a questão do país não é uma corrupção em abstrato. A questão do país é a corrupção concreta de um sistema político vencido e é um cansaço da democracia, que não ousa inovar-se”. Assiste-se a “uma forte negação do modo de fazer política no Brasil”, diz o sociólogo Sérgio Adorno.
Retomando a análise de Werneck Vianna, diz o professor da PUC-Rio: “Não há clubes, não há partidos. Estes (os partidos) vivem inteiramente orientados para sua reprodução política, eleitoral, não têm trabalho de consolidação, de nucleação. A própria Igreja Católica, que antes cumpria um papel muito importante nessa organização, hoje tem um papel muito pequeno. A sociedade está inteiramente isolada da esfera pública. São dois mundos que não se tocam. Por toda a parte viam-se faixas com os seguintes dizeres: ‘nós não acreditamos na representação que aí está’. Foi um movimento dirigido também contra essa política”.
Segundo ele, “temos que procurar as origens desse processo, que mal começou, nessa forma de relação entre Estado e sociedade, entre política e sociedade. Está evidente que temos que passar por reformas políticas importantes no sentido de que o sistema político se abra à participação”.
As ruas alertam: o “vocês me representam” foi substituído pelo “eu me represento”. Como afirma Tarso Genro, vemos agora o “salto do cidadão anônimo para a esfera pública, ele agora se exprime na sua pura singularidade, sem a necessidade de compartilhar publicamente para tornar-se influente”. As manifestações expressam, diz Leonardo Boff, que “cada cidadão, pode sair do anonimato, dizer sua palavra, encontrar seus interlocutores, organizar grupos e encontros, formular uma bandeira e sair à rua”.
Assiste-se a um esgotamento da representação política, diz Giuseppe Cocco. Segundo ele, “no Brasil, esse fenômeno foi totalmente subavaliado pela esquerda e, sobretudo, pelo PT porque não o entenderam (e não o entendem)”.
Segundo o professor da UFRJ, “no Brasil, o PT e seu governo (e sua coalizão) pensavam estar blindados pelos recentes sucessos eleitorais, por estar num ciclo econômico positivo e por ter achado que o sagrado graal do ‘novo modelo’ econômico seria, na realidade, reeditar o velho nacional-desenvolvimentismo, rebatizado de neodesenvolvimentismo. O que a esquerda como um todo, e o PT no Brasil não entenderam, é que a crise da representação é geral (mesmo que ela tenha sintomas e manifestações diferenciadas), e que os levantes da multidão no Egito, na Tunísia, na Espanha, na Turquia e agora no Brasil são a expressão, entre outras coisas, de uma recusa radical dessa maneira autorreferencial de pensar por parte dos governos e dos partidos políticos”.
Contrapondo-se ao esgotamento da democracia representativa, pede-se “reconhecimento político”. Trata-se do reconhecimento pela afirmação do “eu me represento” politicamente. Como diz Rudá Ricci, “não está em questão a necessidade de mediação social, de representação. A forma partidária, entretanto, se tornou anacrônica”.
A palavra de ordem nas manifestações “sem partido, sem partido”, significa que o movimento é apolítico? Ao contrário, expressa Giuseppe Cocco, “não estamos diante da falência da política, trata-se da persistência da política”, porém, de outra política.
A leitura de que o movimento é despolitizado, como muitos se apressaram a insinuar, e depois recuaram, é conservadora. “Os partidos (sobretudo aqueles que estão no governo) dizem que esses movimentos são limitados porque recusam os partidos, não são ‘orgânicos’, porque têm uma ‘ideologia’ que os recusa e, portanto, são potencialmente antidemocráticos. Obviamente, isso é correto. Só que, a afirmação correta esconde duas belas falsificações”, diz Giuseppe Cocco.
A primeira, diz ele, “os grupos que rezam por uma crítica fundamentalista da representação têm pouca consistência social e nenhuma capacidade de determinar, sequer influenciar, movimentos desse tamanho”. Segundo, “os partidos atribuem a crise da representação a um processo e a uma crítica que viria de fora, quando na realidade os maiores e únicos responsáveis dessa crise são eles”.
Há um cansaço da política do aliancismo, do clientelismo, do “aconchabrismo”, do “conchavismo”. “O movimento que nasceu com a luta contra o aumento recusa as dimensões autoritárias e arrogantes das coalizões e desses consensos que reúnem direita e esquerda na reprodução dos interesses de sempre”, diz Giuseppe Cocco.
Segundo Cocco, “é o Haddad que devia representar o novo e se apresenta junto ao Alckmin para juntos dizerem a mesma coisa: que a redução da tarifa terá um custo (sic!). É a coalizão conservadora que governa o estado e a prefeitura do Rio, e onde o PT planeja e executa remoções de pobres, desrespeitando a própria Lei Orgânica do Município – LOM. São as alianças espúrias com os ruralistas de um ministro de esquerda. É a condução autoritária das megaobras e dos megaeventos. É a entrega da Comissão de Direitos Humanos da Câmara a um fundamentalista que, exatamente no dia seguinte da grande manifestação da segunda-feira, fez votar o projeto de Lei que define a homossexualidade como uma doença”, afirma ele.
Na opinião de Cocco “na realidade, o apoio genérico dos jovens à palavra de ordem ‘sem partidos!’ não tem nenhuma significação linear e ainda menos ‘fascista’. Paradoxalmente, a recusa dos partidos, inclusive dos ‘radicais’ e de suas bandeiras, é a recusa – claro, confusa e contraditória – da homologação de direita e esquerda e uma demanda para uma ‘verdadeira esquerda’. Essa demanda não é idealista e não pode ser travada com linguagens e símbolos obsoletos (as bandeiras vermelhas, por exemplo). Para reerguer as bandeiras vermelhas, é preciso deixá-las em casa por um bom momento! A bandeira vermelha precisa abandonar sua dimensão ideal e transcendente (ou seja, vazia) e voltar a ser interna (imanente) às linguagens das lutas como eles são. Nesse terreno é possível e necessário construir outra representação e, sobretudo, reforçar a democracia”.
As ruas pedem uma autocrítica dos partidos, principalmente os da esquerda, porque eles fazem parte do problema. Na análise do sociólogo Rudá Ricci, “o governo Lula cometeu dois erros políticos. Primeiro, retirou os canais sociais por onde as demandas das ruas se organizavam e eram transformadas em pautas. Estou citando ONGs, pastorais sociais, sindicatos, entidades de representação e mobilização social. Todas ingressaram na estrutura de Estado ou passaram a terceirizar serviços públicos através de convênios. Na prática, aquele canal por onde a população tinha sua insatisfação acolhida foi interditado. O segundo erro foi abdicar do papel histórico dos governos de esquerda, que é sua ação pedagógica, o confronto com valores conservadores”.
Aqui diz ele, “Lula não enfrentou nenhuma agenda polêmica porque decidiu estabelecer a conciliação de interesses em sua gestão”. Algo já expressado por Werneck Vianna sobre o modus operandi lulista que neutralizou os movimentos, tal qual na Era Vargas: “Qual foi a operação que o Estado Novo getuliano fez? Exatamente esta: tudo o que era vivo na sociedade ele trouxe para si. Tal como agora. Trouxe para si e, de cima, formula políticas para a sociedade”, diz ele. Segundo o sociólogo, “um governo que absorve as representações corporativas de trabalhadores e empresários, com um chefe de Executivo carismático a mediar interesses conflitantes, fortalecido pela crescente centralização do Estado”.
Por outro lado, o movimento não é apenas de recusa, é também de busca de reconhecimento. “As pessoas querem ser reconhecidas, querem que sua dignidade e identidade sejam respeitadas, legitimadas”, diz o sociólogo Werneck Vianna. Ou ainda como afirma Manuel Castells trata-se de um movimento “em defesa da dignidade”.
O reconhecimento aqui assume uma tripla condição: Reconhecimento político, social e cultural. Ao lado do reconhecimento político (representação) e social (inclusão), tem-se a luta pelo reconhecimento cultural, ou seja, a luta não é apenas pela igualdade, também é uma luta pelo reconhecimento à diversidade nas condições e opções de gênero, mas não apenas, também raciais e étnicas.
Ruas pedem outro modelo
A luta pelo “reconhecimento” assumiu na expressão “inclusão social” uma de suas maiores potências. O modelo de inclusão via mercado de consumo – a aposta lulista/dilmista – se tornou insuficiente. Segundo Tales Ab’Sáber, “em termos históricos mais amplos, o que se anuncia nas ruas é o esgotamento do período de hegemonia do pacto social realizado pela política de Lula, incluindo aí o seu corpo, centrado na inclusão pelo consumo de superfície”.
O “milagre brasileiro está em pane”, anuncia manchete do jornal francês Le Monde. As ruas pedem um modelo de inclusão via resolução dos problemas estruturais. Transporte coletivo que funcione, moradia com acesso aos serviços públicos, educação e saúde de qualidade, trabalho decente.
De um twitter: “Dilma, imperdoável. Jamais uma palavra de apoio aos LGBT, índios, removidos, ribeirinhos, haitianos. Só carros, produção, consumo, energia”. Em outro twitter: “As cidades tão tendo seus dias de índio e de operário do PAC”. É evidente o esgotamento do modelo neodesenvolvimentista centrado em grandes obras – a Copa do Mundo aqui como simbologia maior do dinheiro público gasto de forma desmedida, vide cartazes: “Muito mais do que 20 centavos”; “Da Copa eu abro mão, eu quero mais dinheiro para a saúde e a educação”; “Seu filho está doente? Leve para um estádio da Fifa”.
Precariado nas ruas
Há ainda outro componente potente que vem das ruas e diz respeito àqueles que a ocupam e se anuncia como explosivo: o jovem precariado – conceito de Ruy Braga que diz respeito aos jovens que ao adentrar no mercado de trabalho se veem diante de empregos precários, alta rotatividade, baixa remuneração. A sociedade do “pleno emprego” brasileira esconde a superexploração no trabalho.
O professor de sociologia Marcelo Ridenti destaca que “embora muita gente tenha concluído o colegial e entrado na faculdade, o lugar para os jovens no mercado é muito restrito. E, quando conseguem uma colocação, acabam se sujeitando a condições de trabalho que não combinam com as promessas de ascensão social pelo estudo. Isso gera um desconforto que tem laços também éticos e existenciais”.
Algo similar diz o sociólogo Gabriel Cohn, para quem percebe-se na ruas certo mal-estar que reflete “uma insegurança dos jovens em relação a seu futuro”. A mesma intuição, de Ridenti: “É de que é menos a passagem de ônibus e mais a manifestação de desconforto dessa nova geração que não está encontrando um lugar muito claro na sociedade”.
Segundo Giuseppe Cocco, agora, o mundo do trabalho complexificou-se e não passa mais apenas pela prévia implementação na relação salarial tal qual no período fordista. Agora, afirma Cocco, “o trabalho dos incluídos enquanto excluídos é um trabalho de tipo diferente: ele é precarizado (do ponto de vista da relação de emprego); imaterial (do ponto de vista que depende da recomposição subjetiva e comunicativa do trabalho manual e intelectual) e terciário (do ponto de vista da cadeia produtiva, aquela dos serviços)”.
Segundo o professor da UFRJ, “a qualidade da inserção produtiva desse trabalho depende diretamente dos direitos prévios aos quais têm acesso e que, ao mesmo tempo, ele produz, como, por exemplo, poder circular pela metrópole. É exatamente essa composição técnica e social do trabalho metropolitano o que constitui a outra face da ‘nova classe média’ oriunda do período Lula. Ao mesmo tempo em que ela foi a base eleitoral das sucessivas derrotas do neoliberalismo, ela é também hoje, na sua recomposição política, a oposição ao neodesenvolvimentismo. Para ela, a questão da mobilidade urbana tem a mesma dimensão que tinha o salário para os operários ao mesmo tempo em que o segmento estratégico é aquele dos serviços”.
Continua Cocco, “as cidades e metrópoles brasileiras – e não a reindustrialização – constituem o maior gargalo, ao mesmo tempo social, político e econômico. A ideologia e a coalizão de interesses que estão com a presidente Dilma não mostraram, até agora, a menor capacidade de enxergar esse dado. Mais do que isso, essa nova composição do trabalho imaterial e metropolitano produz, a partir de formas de vida, outras formas de vida. Por isso, o movimento do passe livre, como aquele de Istambul que defendia um parque, foi juntando todos os focos de resistência que existem nas metrópoles, até se espalhar – como está fazendo nesse momento, dramaticamente e assustadoramente – pelas periferias onde nunca teve manifestação de massa nenhuma”.
“O que esse ‘levante’ da multidão do trabalho imaterial nos mostra é que o ‘legado’ destes últimos dez anos de governo está em disputa, e que o mais interessante é ficar por dentro dessas alternativas, em vez de querer colocar uma ou outra bandeira. A política e os movimentos estão dentro e contra”, conclui Giuseppe Cocco.
A nova realidade e composição do mundo do trabalho lança um desafio ao movimento sindical. Não estariam as centrais sindicais indo às ruas no dia 11 de julho com bandeiras de lutas esmaecidas? Estão elas conectadas aos desejos e pulsões do novo precariado jovem que se faz a partir dessa nova composição técnica do trabalho imaterial das metrópoles?
Ética. Uma bandeira da direita?
Há outro aspecto que vem das ruas e não pode ser negligenciado. O tema da ética. Esse tema emergiu com força em todas as manifestações e uma de suas vítimas foi a PEC 37. Há uma leitura superestimada que sugere que o movimento nas ruas retoma a bandeira udenista da corrupção, ao gosto da direita. Nessa interpretação, o movimento corre o risco de ser instrumentalizado com o único objetivo de se desmontar os avanços sociais obtidos na Era Lula e preparar o terreno para o retorno da direita ao poder.
É inegável que a direita procura se apropriar desse discurso e usa o tema da corrupção, tendo ao fundo o ‘mensalão’, como um aríete para abalar a fortaleza em que se transformou o mito Lula. Deixar esse tema, entretanto, sob a hegemonia da direita é um equívoco. A ética é uma bandeira da esquerda. Validar o discurso do medo de que não se pode criticar o governo pelos equívocos cometidos, ou ainda porque isso significa jogar “água no moinho da direita” é recusar a legitimidade da importância estratégica desse tema num projeto de país.
Redes Sociais. Novo sujeito político?
Paralelamente e proporcionalmente ao desgaste dos partidos e da força das ruas, viu-se a emergência das redes sociais: “As redes estão cumprindo uma expectativa que já existia há algum tempo, de ser um canal onde as pessoas procuram manifestar frustrações que elas não conseguem há anos expressar na esfera política, expressar uma vontade de participar na esfera pública que o sistema político há anos deixou de conseguir canalizar. Isso é o mais importante que está acontecendo”, afirma Ronaldo Lemos.
Na opinião do pesquisador da FGV: “As redes sociais se tornaram o principal fórum para esse debate. As pessoas que participaram das manifestações ligam a TV e veem os mesmos comentaristas falando sobre o que aconteceu. Daí, vão para a internet e passam três, quatro horas checando o que seus amigos estão falando sobre a mesma questão no Twitter e no Facebook. As pessoas agora estão se dedicando a discutir e a analisar o que está acontecendo. Há um momento de reflexão. As pessoas estão fazendo um balanço sobre quais os limites e quais as garantias democráticas que não podem ser abaladas. Há uma busca por outras agendas que podem se tornar centrais. As pessoas estão buscando novas agendas que podem gerar consenso. Não acho que o papel das redes sociais se enfraquece”.
Segundo Pedro Abramovay, diretor de campanhas da Avaaz, “tinha gente que dizia: ‘olha só, isso é uma despolitização, isso se resume a sofá’. E não, as pessoas não perceberam que a internet hoje faz parte da vida das pessoas”. Em sua opinião, “quando as pessoas compartilhavam uma petição pelo Facebook, pelo Twitter, elas estavam assumindo posição política diante dos seus amigos. Aquilo foi criando um caldo novo de cultura política num ambiente no qual a política e a forma de se fazer política está muito envelhecida. Uma hora tinha que explodir. E acho que explodiu, foi para as ruas”, afirma.
Há um novo “sujeito político” – a internet e o seu impacto transformador. Sobre isso, a ex-senadora e ex-ministra do meio ambiente, Marina Silva, diz algo interessante: “Não sei porque as pessoas achavam que só a política ia ficar do mesmo jeito”, numa referência ao impacto transformar da internet nas outras áreas. A internet sempre esteve na política, agora, porém, como uma novidade, levou a política para as ruas.
As ruas relativizam ainda o propalado poder do império da mídia. A grande mídia procurou desqualificar e criminalizar o movimento, porém o movimento cresceu apesar da contrapropaganda da impressa. A “guerrilha” das redes sociais contrarrestam a mistificação do poder da mídia.
O impacto das manifestações e o despreparo da vanguarda institucional
Quando as manifestações nas ruas já ganhavam proporções inimagináveis, veio da boca do ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, a expressão mais significativa do estado em que políticos, partidos, sindicatos e movimentos sociais de vanguarda se encontravam. Segundo Carvalho, o país acompanhava tudo o que estava ocorrendo um pouco “atônito”. “Nós temos que entender isso, se não seremos atropelados pela história”, disse.
As redes sociais foram fundamentais para que todas essas manifestações chegassem até o ponto de se transformarem num fenômeno mundialmente conhecido e observado. O depoimento do fotógrafo Douglas Agostinho Teodoro, de 34 anos, é um bom exemplo do que significaram as redes sociais para a ampliação das manifestações: “Acho que eles (os políticos) ainda não entenderam o que está acontecendo”. Acrescentando: “Eles são de uma geração analógica, e nossa revolução é digital. Eles não entenderam que a gente não precisa mais esperar quatro anos para dar nossa opinião nas urnas. A gente dá nossa opinião a hora que quiser, na internet. O Brasil não funciona, mas o Facebook funciona”.
O economista Carlos Lessa considera que “o aumento das tarifas de transporte coletivo urbano foi a gota d’água que produziu uma metamorfose espetacular. Uma novíssima geração de brasileiros foi para as ruas protestar e se situar como sujeito que faz história. O paradigma das antigas mobilizações foi estruturalmente modificado com a rapidez do uso das redes sociais”.
Esse novo paradigma das mobilizações parece ter gerado insegurança e perturbação para as centrais sindicais, que tiveram que se justificar ressaltando que “a pautas ‘das ruas’ é basicamente a mesma do movimento sindical, mas precisa ser ‘organizada’ para que dê resultados”. “Nunca deixamos de pleitear concomitantemente recursos para educação, saúde e questões sociais”, disse Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT). Já Paulo Pereira da Silva (Paulinho), presidente da Força Sindical, enfatizou: “Nós estamos na rua há muito tempo, só que as nossas manifestações não têm a mesma cobertura”. Será mesmo?
O jornalista Ricardo Kotscho considera que as autoridades de todos os níveis “ficaram tanto tempo ilhadas em seus gabinetes, afastadas da interlocução com o movimento social e o empresariado, que agora não sabem nem por onde começar a conversa e que medidas tomar primeiro”. Também salientou que “os governos demoraram demais para perceber a mudança dos ventos e do humor das populações urbanas, sufocadas pela deterioração dos serviços públicos, que transformaram a vida nas cidades numa permanente gincana pela sobrevivência”. Kotscho citou uma das intervenções do senador petista Lindbergh Farias, do Rio de Janeiro, que reconheceu que partido político “virou coisa de eleição (…), deixou de ser instrumento de mobilização das ruas (…) Houve um afastamento principalmente desse contato com a juventude. (…). Um deslocamento de todos os governos de uma realidade e da vida das pessoas”.
Não por acaso, os partidos políticos, com seus exíguos militantes, padeceram diante da fúria de multidões apartidárias, indispostas, saturadas e desacreditas das bandeiras partidárias. A espontaneidade, horizontalidade e anarquia das massas preocupam as lideranças partidárias. Renato Simões, secretário nacional de Movimentos Populares e Políticas Setoriais do PT, chegou a mencionar a necessidade de separar o joio do trigo, ressaltando a importância da participação e disputa dos rumos do movimento. Diante da atual fragilidade do elo entre partidos e sociedade, seria esta a saída correta?
O fato do movimento não ser galvanizado pelas organizações e instituições mais ‘tradicionais’, não pode ser pretexto para deslegitimá-lo, nem desmerecê-lo. A militante do Movimento Passe Livre (MPL), Mayara Vivian, precisou esclarecer, ao longo do desdobramento das manifestações, que o movimento é apartidário, mas isto não significa que seja contra os partidos. O movimento é contra qualquer tipo de pauta conservadora representada por alguns manifestantes presentes nos atos. “O MPL é anticapitalista e contra qualquer forma de opressão”, disse.
Além disso, Mayrara também rebateu as críticas quanto ao uso da violência. Disse que os atos isolados de violência não os representam, sendo que a violência policial só instiga o apoio da sociedade ao movimento. “Qual violência é pior? Os jovens assassinados na periferia de São Paulo que ninguém está nem aí? Ou uma pessoa que bota fogo em um saco de lixo indignado por ter levado pancada da polícia?”, questionou Mayara.
As reações de Dilma e do Congresso
Após o momento inicial de letargia, a presidente Dilma Rousseff começou a agir. Na opinião de Lincoln Secco, professor de História Contemporânea na USP, em artigo publicado em conjunto com Antônio David, pós-graduando em filosofia, “a presidenta Dilma Rousseff parece ter feito dois movimentos ousados. O primeiro é legitimar nas manifestações os interlocutores de esquerda: o MPL, o qual de fato já foi ultrapassado pelas ruas, e o MTST [Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto]. O segundo movimento da presidente foi jogar as manifestações contra o Congresso e este já acusou o golpe e chamou a proposta de Constituinte exclusiva de autoritária”, o que já foi descartado pela presidente.
Dilma procurou interpretar as vozes que vinham das ruas, dando a entender que as manifestações contam com o seu aval. “Precisamos oxigenar o nosso velho sistema político. Encontrar mecanismos que tornem nossas instituições mais transparentes, mais resistentes aos malfeitos e, acima de tudo, mais permeáveis à influência da sociedade. É a cidadania, e não o poder econômico, que deve ser ouvida em primeiro lugar”, pronunciou em cadeia nacional.
Na segunda-feira, do dia 24 de junho, Dilma prontamente anunciou cinco medidas em resposta às manifestações nas ruas:
1. Responsabilidade fiscal para garantir a estabilidade da economia;
2. A convocação de um plebiscito sobre a reforma política e alteração na legislação para que o crime de corrupção se torne hediondo;
3. O pacto pela saúde, com a criação de novas vagas para médicos e a contratação de profissionais estrangeiros;
4. Investimento de 50 bilhões de reais em mobilidade urbana para transportes, com metrô e ônibus;
5. Mais recursos para a educação, repetindo a destinação de 100% dos recursos dos royalties do petróleo para a educação.
Somando-se a isto, desde que as manifestações mostraram toda a sua energia, Dilma iniciou um amplo leque de conversas com os mais diversos representantes dos manifestantes, estendendo o diálogo com os demais movimentos sociais e centrais sindicais.
Resta saber qual será o peso das últimas estratégias e embates políticos da presidente Dilma. Ela sabe que precisará agir com rapidez e astúcia. A última pesquisa realizada pelo Datafolha aponta que a avaliação positiva de seu governo recuou 27 pontos em três semanas, caindo de 57% para 30%.
E se as ruas estão reorientando as preocupações de Dilma Rousseff, também estão colocando o Congresso Nacional em ritmo frenético. Segundo reportagem de Raymundo Costa, pelo jornal Valor, “o Congresso só se move por pressão. E a rua tem um papel fundamental em suas decisões. Basta ver a derrota da PEC 37 (que limitaria poderes do Ministério Público Federal), uma espécie de musa da onda atual de protestos: os deputados não tiveram a menor dúvida em votar maciçamente com as ruas”.
Para que as coisas sejam bem encaminhadas, as negociações entre Dilma e o Congresso precisarão ser bem costuradas. Hylda Cavalcanti, em reportagem pela Rede Brasil Atual, menciona que o trabalho da presidente, neste momento, é o de “aparar arestas e desfazer o clima ruim com os partidos e parlamentares”, para conseguir avançar nas respostas às manifestações ocorridas nas ruas. Neste sentido, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, como bom mediador para o executivo, disse que no plebiscito sobre a reforma política “o Congresso é que tem a palavra final, a competência para estabelecer a lei partidária, a lei eleitoral. O plebiscito vai balizar e nortear as reformas, mas quem definirá tudo será o Congresso”. O assunto ainda renderá muitos debates e caberá aos brasileiros fazer valer o que já exigiram nas ruas.
Da Assembleia Nacional Constituinte ao Plebiscito da reforma política
Entre as primeiras propostas surgidas para dar uma resposta aos clamores por mudanças na ordem da política estava a da convocação de uma assembleia nacional constituinte exclusiva, para aprovar uma reforma política. A ideia era que, nas eleições de 2014, um grupo de pessoas seja eleito exclusivamente para discutir e aprovar uma reforma política. Os constituintes não precisariam ter filiação partidária e seriam eleitos para mandato de um ano. Essa constituinte exclusiva funcionaria paralelamente aos trabalhos da Câmara dos Deputados e do Senado.
A proposta da assembleia constituinte exclusiva foi defendida por parlamentares – os senadores Cristovam Buarque (PDT-DF), Pedro Taques (PDT-MT), Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) e Pedro Simon (PMDB-RS) e os deputados Chico Alencar (PSOL-RJ) e Miro Teixeira (PDT-RJ) –, pelo governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, e inclusive pela Presidente Dilma Rousseff, num primeiro momento.
Tarso Genro chegou a fazer uma veemente defesa desta proposta: “Um processo constituinte atípico para promover uma profunda reforma política, precedido de um plebiscito convocado segundo a Constituição, é uma oportunidade extraordinária para fazer avançar o sistema por dentro da democracia”.
As reações contrárias, no entanto, manifestando ora inconstitucionalidade, ora falta de clareza, mas sobretudo falta de vontade política, vieram de juristas, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional.
Dadas as dificuldades em torno desta proposta, a própria Dilma Rousseff, num segundo momento, propôs a realização de um plebiscito da reforma política. Seria algo mais tangível e que tem amplos apoios de parlamentares da base aliada do governo, de juristas, embora tenha resistências na oposição, que prefere um referendo.
A realização de um plebiscito com vistas a entrar em vigor na eleição de 2014, coloca também uma série de questões, em torno dos quais vai avançando o debate. O tempo é exíguo, uma vez que as mudanças devem ser aprovadas até o início de outubro próximo.
Outra frente de questões diz respeito às perguntas a serem submetidas à população e o seu número. Até o momento, três temas são apontados como obstáculos para modernização do sistema partidário e eleitoral. A ideia é que o plebiscito traga questões sobre o financiamento público de campanha, o modelo de eleição de parlamentares e de escolha de candidatos. Com outras palavras, os pontos principais deverão ser, a questão do financiamento de campanha – se poderá ser público, privado ou misto – e o sistema de votação – se proporcional, como é hoje, ou um sistema majoritário, o distrital, ou ainda um sistema distrital misto.
A campanha “Reforma Política Já”, iniciativa das mesmas entidades que se mobilizaram para a aprovação da Lei da Ficha Limpa, iniciou a coleta de 1,5 milhão de assinaturas para a apresentação de um projeto de lei de iniciativa popular. Entre as propostas defendidas, consta a mudança nas formas de financiamentos e de prestações de contas das campanhas e o estabelecimento de um sistema de dois turnos para a eleição proporcional. De acordo com a proposta, no primeiro turno, os eleitores votariam em partidos. No segundo, em candidatos. Essa mudança obrigaria os partidos a apresentarem seus programas e bandeiras.
Outras propostas foram apresentadas pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, que defende a candidatura avulsa e o ‘recall’, mecanismo pelo qual o mandato de um político pode ser revogado pelos próprios eleitores.
Junho 2013 em frases
Prá frente
“As manifestações provocadas pelas passagens de ônibus já trouxeram resultados muito além de sua motivação. A partir dos R$ 0,20 nas passagens, estamos discutindo questões institucionais complexas. Seja o que for que daí resulte, esses temas não terão recuo, deles só se irá adiante, mais cedo ou mais tarde. É difícil controlar as arruaças. Mas prejudicar, por isso, manifestações de interesse público seria manifestar-se também, mas em marcha a ré” – Jânio de Freitas, jornalista – Folha de S. Paulo, 30-06-2013.
A força do ronco
“Antes do ronco da rua o projeto do governo que destinava dinheiro do pré-sal para a educação se limitava a 75% dos lucros que o Tesouro obtivesse com aplicações de recursos. Era coisa de R$ 25,8 bilhões. Com o ronco, a Câmara dos Deputados fez com que a percentagem incidisse sobre todo o lucro do Tesouro, o que decuplicou o investimento em educação para R$ 285 bilhões” – Elio Gaspari,
jornalista – Folha de S. Paulo, 30-06-2013.
Criancinhas
“Com medo das ruas, a Câmara acelerou votações que estavam emperradas e enterrou a PEC 37, que antes dos protestos tinha apoio da maioria dos deputados. Na sessão de ontem, parecia que todos eram contra desde criancinhas” – Rosane de Oliveira, jornalista – Zero Hora, 26-06-2013.
Pressão
“O Congresso está dando a demonstração empírica de por que os protestos são importantes. Em poucas horas, foram resolvidas matérias cuja tramitação se arrastava havia anos, como a PEC 37, ou décadas, a exemplo das novas regras para o Fundo de Participação dos Estados. Nada como um pouco de pressão para fazer deputados e senadores esquecerem suas agendas pessoais e trabalharem” – Hélio Schwartsman, jornalista – Folha de S. Paulo, 28-06-2013.
Revolução possível
“Quando a gente olha as reivindicações, conclui que, embora sejam as mais variadas, fica clara a necessidade de mudar a forma de fazer política e o funcionamento dos poderes. A revolução que está em jogo não é na economia. A revolução possível é na política” – Cristovam Buarque, senador – PDT-DF – Valor, 24-06-2013.
Adivinhação
“Essa grande manifestação surgiu principalmente de um crescimento absolutamente inexplicável e inesperado do Movimento Passe Livre. Se você me perguntasse no primeiro dia, em que 200 pessoas se reuniram, se eu seria capaz de dizer que, uma semana depois, teríamos 300 mil pessoas na Candelária [no Centro do Rio de Janeiro], ninguém seria capaz de dizer. Inteligência não é adivinhação nem exercício de futurologia, é uma atividade técnica. Você trabalha com base em dados disponíveis” – Wilson Roberto Trezza, diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência – Abin – Valor, 28-06-2013.
Ninguém tá entendendo nada
“Sejamos francos, companheiros: ninguém tá entendendo nada. Nem a imprensa nem os políticos nem os manifestantes, muito menos este que vos escreve e vem, humilde ou pretensiosamente, expor sua perplexidade e ignorância” – Antonio Prata, escritor – Folha de S. Paulo, 19-06-2013.
Defasagem
“Parece não haver dúvida de que vivemos um tempo em que as instituições se mostram defasadas em relação às aspirações sociais. Excetuados os países mais ricos da América do Norte ou do Norte da Europa, onde problemas sociais são menos agudos, e países fechados politicamente, autoritários – a China é o exemplo mais forte -, o panorama em toda parte só desperta aflições. E o que se anuncia para o Brasil não parece ainda mudar o panorama” – Washington Novaes, jornalista – O Estado de S. Paulo, 27-06-2013.
Blindagem
“(O sistema político) Não entendeu nem podia entender o que acontecia. Ao longo de 20 anos, esse sistema cuidou tão bem de se blindar contra a força das ruas que não podia entender como as ruas o tinham invadido com tanta sem cerimônia” – Marcos Nobre, filósofo, professor da Unicamp – Folha de S. Paulo, 27-06-2013
Sem saída
“Não só aqui no Brasil, o partido moderno surgido da experiência das grandes revoluções está totalmente superado e não tem saída” – Tarso Genro, governador do Rio Grande do Sul – PT – Folha de S. Paulo, 27-06-2013.
Fim
“É o fim da política moderna” – Michel Maffesoli, sociólogo – O Globo, 22-06-2013.
Racional x emocional
“Vemos que há uma saturação, um tipo de indiferença, esses jovens não se reconhecem mais num programa, num partido ou sindicato. Não é mais programático, mas, sim, emocional. A modernidade é racional, e a pós-modernidade é emocional. Com o que ocorre no Brasil temos uma boa ilustração disso” – Michel Maffesoli, sociólogo – O Globo, 22-06-2013.
Sentido da vida
“Segundo Manuel Castells, esses movimentos são mais voltados para explorar o sentido da vida do que para conquistar o Estado capitalista” – Fernando Gabeira, jornalista – O Estado de S. Paulo, 21-06-2013.
Busca do sentido
“Essa observação é, para mim, curiosa. Nos anos 60, alguns, como eu, transitaram do existencialismo para o marxismo. Agora, o existencialismo parece estar de volta. De novo, uma parcela da juventude sai em busca do sentido: conectar as mentes, criar significados, contestar o poder é a frase que Castells utilizou para sintetizar o programa dessas redes” – Fernando Gabeira, jornalista – O Estado de S. Paulo, 21-06-2013.
Laboratório
“Vejo o Brasil como um laboratório da pós-modernidade” – Michel Maffesoli, sociólogo – O Globo, 22-06-2013.
Mudou tudo
“Não podemos tentar compreender o que está acontecendo hoje com base em teorias e classificações de 20, 30 anos atrás. A internet mudou tudo” – Ivar Alberto Hartmann, professor do Centro de Justiça e Sociedade da Fundação Getulio Vargas Direito Rio – Zero Hora, 23-06-2013.
Che… com skate
“Os caras esperavam uma revolução tipo Che Guevara, com um luta armada. Só que eu não carrego armas, só carrego o meu skate. Eles não têm a menor ideia do que está acontecendo, porque não sabem nem ligar o Facebook” – Douglas Agostinho Teodoro, 34 anos, fotógrafo – O Estado de S. Paulo, 21-06-2013.
Pós-Lula
“Existe uma ansiedade da juventude que está nas ruas de ser sujeito do processo histórico. É uma juventude pós-Lula, pós-Dilma. Uma juventude que foi beneficiada por avanços de um crescimento econômico, distribuição de renda. Portanto, se beneficiou por ganhos materiais que são históricos e relevantes. Mas eles querem mais. Não se satisfazem apenas com ganhos materiais. Querem participar do processo político” – Edinho Silva, presidente do PT-SP – O Estado de S. Paulo, 21-06-2013.
Envelhecimento
“Nossos partidos não refletem mais o que o povo precisa com seus representantes, nem do ponto de vista do conteúdo, nem do ponto de vista da forma. Nosso discurso e nossas propostas ficaram velhos” – Cristovam Buarque, senador – PDT-DF – Valor, 24-06-2013.
Base popular
“Aquele jovem de 17 ou 18 anos, que está entrando em uma universidade, está irritado com as instituições, com os governos, com as prioridades tomadas. Quando vê uma Copa das Confederações, essa grande festa, esse Brasil do cartão postal’, ele chama para o Brasil real. Esse movimento está com base popular. Tem uma coisa diferente da minha época” – Lindbergh Farias, ex-líder dos caras-pintadas que em 1992 ajudou a pressionar pelo impeachment do então presidente Fernando Collor, senador – PT-RJ – Folha de S. Paulo, 24-06-2013.
Duas cores
“Na minha época, da juventude do movimento do impeachment [do então presidente Collor], era mais de juventude de classe média. Eu queria que não tivesse sido. Queria que tivesse lá a juventude da periferia… Mas foi muito da classe média. Agora, acho que tem duas cores: e classe média e juventude de periferia “que é essa nova classe média” – Lindbergh Farias, ex-líder dos caras-pintadas que em 1992 ajudou a pressionar pelo impeachment do então presidente Fernando Collor, senador – PT-RJ – Folha de S. Paulo, 24-06-2013.
Gota-d’água
“O fato é que o povo se encheu e a gota-d’água apareceu também na suntuosidade de estádios pagos com o seu dinheiro, dinheiro que a cartolagem e os políticos, além das empreiteiras, querem só para superfaturar. Mas querem que a patuleia pague e cale” – Juca Kfouri, jornalista – Folha de S. Paulo, 19-06-2013.
Violência?
“Nós, os anarquistas, não consideramos a destruição de bens materiais como um ato de violência. A violência ocorre contra a pessoa. Destruir um banco que apoia Belo Monte e atinge os índios, por exemplo, é ação de combate à violência” – Vagner Luis (o nome, sugerido por ele, é fictício), integrante dos Black Blocks – O Estado de S. Paulo, 15-06-2013.
Peculiaridade 1
“Nenhuma manifestação teve discurso” – Elio Gaspari, jornalista – Correio do Povo, 23-06-2013.
Peculiaridade 2
“Qualquer comparação com o movimento das multidões destes dias com as da campanha das Diretas-Já, dos anos 80, tem um vício de origem. Nas Diretas os governadores oposicionistas do Rio e de São Paulo cacifaram a infraestrutura dos comícios, com metrôs grátis, palanques, som e até mesmo ônibus. Agora, pelo menos na mobilização, a Viúva não gastou um ceitil” – Elio Gaspari, jornalista – Correio do Povo, 23-06-2013.
Peculiaridade 3
“A rua de 2013 não teve celebridades” – Elio Gaspari, jornalista – Correio do Povo, 23-06-2013.
Nunca antes
“Nunca antes na História deste país houve manifestação de protesto tão ampla e espontânea como a que estamos presenciando” – José Murilo de Carvalho, historiador e membro da ABL – O Globo, 23-06-2013.
Temerário
“Ninguém previu a erupção do movimento. Quem pretender prever seu futuro é um temerário” – José Murilo de Carvalho, historiador e membro da ABL – O Globo, 23-06-2013.
Novo ciclo
“Um novo ciclo deve começar agora. Neste futuro próximo, o legado destes dias deve se manifestar em múltiplas ações voltadas para a busca de direitos específicos por meio de negociações descentralizadas” – Regina Novaes, cientista social – UFRJ – O Globo, 23-06-2013.
Só o começo
“Quaisquer que sejam os desdobramentos desses movimentos, o país não será mais o mesmo. Estamos só começando” – Ricardo Antunes, professor titular de sociologia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – Folha de S. Paulo, 20-06-2013.
Ágora
“A desmoralização da ágora – eis a pior herança do lulopetismo. O governo Lula cooptou os movimentos sociais, convertendo-os em marionetes de suas ambições eleitorais, e reforçou os grilhões que prendem o movimento sindical ao poder de Estado” – Demétrio Magnoli, sociólogo e doutor em Geografia – O Estado de S. Paulo, 20-06-2013.
Extrema-direita
“Como jornalista, militante político de esquerda e cidadão, já firmei uma convicção a respeito do que está acontecendo. Uma multidão cuja direção (rumo) passou a ser atacar instituições públicas, sem representantes, sequestrada por grupos de extrema-direita, que rejeita partidos políticos e hostiliza manifestantes de esquerda, não só não me representa como passa a ser algo a ser combatido politicamente. Ou alguém acha que setores das forças armadas e da direita brasileira estão assistindo a tudo isso de braços cruzados?” – Marco Weissheimer, jornalista – Viomundo, 22-06-2013.
Constituinte não resistiu nem 24 horas
“A pressa mostrou-se má conselheira da presidente Dilma Rousseff. No calor das manifestações populares, Dilma anunciou uma Constituinte exclusiva para fazer a reforma política que o Congresso não consegue aprovar, e incluiu um plebiscito, ideia recebida com entusiasmo pelos defensores da democracia direta. Em menos de 24 horas, o governo foi convencido de que a iniciativa era inoportuna e o balão murchou” – Rosane de Oliveira, jornalista – Zero Hora, 26-06-2013.
Recorde
“Em nenhum período da história do Brasil desde março de 1986, quando há o primeiro registro de pesquisa de avaliação presidencial, um governante do País perdeu tantos pontos de popularidade em tão poucos dias. É um recorde” – José Roberto Toledo, jornalista – O Estado de S. Paulo, 30-06-2013.
Catarse temporária
“Essa pesquisa tem o valor de uma vaia em estádio: não passa de catarse temporária. Redobro a aposta: Dilma ganha no 1º turno” – João Santana, marqueteiro de Dilma Rousseff, sobre a pesquisa Datafolha que mostra uma queda de 21 pontos da presidente e aponta para um 2º turno – Folha de S. Paulo, 01-07-2013.
Popularidade de Dilma
“Fazer uma enquete no calor dos últimos acontecimentos é o equivalente à seleção brasileira perder de 3 a 0 para o Taiti e, na saída do jogo, perguntar aos torcedores o que eles acham do Felipão” – Leonilson Suppi, São Paulo, SP – Painel do Leitor – Folha de S. Paulo, 30-06-2013.
Porta para fora
“A presidente relatou na quinta-feira que todos estão satisfeitos da porta para dentro de casa; mas, da porta para fora, a situação piorou. A saúde piorou, a segurança piorou, o transporte piorou” – Arlindo Chinaglia, líder do governo na Câmara – PT – Folha de S. Paulo, 30-06-2013.
Copa
“Estou aqui porque investiram na Copa, e não investiram em educação e saúde (…) para tirar Renan Calheiros [presidente do Senado], abaixar os impostos e por mais saúde e educação” – Osvaldo de Oliveira, 26 anos, analista de sistema, ao participar da manifestação em São Paulo – Folha de S. Paulo, 21-06-2013.
Padrão Fifa
“Exigimos escolas, hospitais e segurança pública no padrão Fifa” – manifesto lançado pela ONG Rio de Paz numa petição on-line – O Globo, 18-06-2013.
Ironia
“Em uma ironia maior da história, o PT ouve das ruas a radicalidade de propostas que ele construiu, mas que não tem mais coragem de assumir” – Vladimir Safatle, professor de Filosofia – Folha de S. Paulo, 18-06-2013.
Cidades paradas
“E é um tema [transporte coletivo] que urge, as nossas cidades estão paradas por causa dos carros. Se não houver medidas concretas para modificar a lógica do transporte, a gente não vai conseguir ultrapassar essa crise que vai acontecer em breve. Todas as cidades vão ficar paradas, além das pessoas que não conseguem se locomover porque não podem pagar a tarifa” – Leila Saraiva, 25 anos, uma das representantes do MPL presentes à reunião com Dilma Rousseff – Valor, 25-06-2013.
Copa
“É ecoante o cartaz que apareceu numa das passeatas: “Quando teu filho fica doente, tu levas ele a um estádio?” – Paulo Sant’Ana, jornalista – Zero Hora, 27-06-2013.
O retorno
“Em todas as intervenções, havia comparações com o governo Lula, lembrando que, “naquele tempo”, as coisas eram “diferentes”. Após a reunião, um grão-petista diz que, se for feita uma consulta secreta na bancada hoje, 90% votariam pela volta de Lula em 2014″ – Vera Magalhães, jornalista – Folha de S. Paulo, 27-06-2013.
Na berlinda
“Os ministros mais criticados, além de Ideli, foram Paulo Bernardo (Comunicações), Gleisi Hoffmann (Casa Civil), Aloizio Mercadante (Educação) e até a discreta Izabella Teixeira (Meio Ambiente). À exceção de Izabella, todos são filiados ao PT, mesmo partido dos deputados rebelados” – Vera Magalhães, jornalista – Folha de S. Paulo, 27-06-2013.
Sozinha
“O clima político em Brasília é de tocaia. Governadores, prefeitos e congressistas estão com má vontade. Mas eles fingem bem. Dilma tem estado mais sozinha do que nunca” – Fernando Rodrigues, jornalista – Folha de S. Paulo, 26-06-2013.
Bombeiro
“Parlamentares que estiveram no Jaburu contam que o ministro da Educação passou todo o dia de ontem tentando aplacar a insatisfação dos aliados” – Vera Magalhães, jornalista – Zero Hora, 26-06-2013.
Pega-ratão
“Voto em lista, não esqueçam brasileiros, é um pega-ratão. É uma tramoia, um estratagema de alguns políticos para favorecer a nata partidária que domina as siglas” – Paulo Sant’Ana, jornalista – Zero Hora, 30-06-2013.
Pesado
“A inesperada explosão de descontentamento que se vê nas cidades mostra que alguma coisa precisa mudar no jornalismo tradicional. Como ninguém percebeu que o clima estava tão pesado?” – Susana Singer, jornalista e ombusdman – Folha de S. Paulo, 30-06-2013.
Ausência de protocolo
“Ficou claro que as forças policiais têm agido pouco profissionalmente. Eles reagem muito à provocação. É fácil provocar um policial e ele sair atirando. Esse tipo de baixo grau de treinamento, de erro operacional, denota ausência de um protocolo de ação” – Claudio Beato, diretor do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Valor, 24-06-2013.
Inveja inglesa
“No diário “The Guardian”, o colunista Simon Jenkins afirma que os brasileiros estão fazendo o que os britânicos não tiveram coragem de fazer durante os preparativos das Olimpíadas: “Parabéns aos brasileiros por dizer o que o Reino Unido no ano passado não teve coragem: que algumas vezes, há um limite.”– Ancelmo Gois, jornalista – O Globo, 24-06-2013.
O medo se espalha
“É cedo para saber os reflexos dos protestos na vinda de peregrinos para a Jornada Mundial da Juventude. Mas o medo destes confrontos pode estar por trás da decisão de um grupo de australianos que cancelou a viagem” – Ancelmo Gois, jornalista – O Globo, 30-06-2013.
Imagina na Copa
“Três coisas das quais não vou sentir nenhuma saudade no Brasil: telefonia, internet e aeroportos” – Colin Udoh, jornalista nigeriano, que veio acompanhar a seleção de seu país na Copa das Confederações, sobre o país-sede da Copa de 2014 – O Globo, 20-06-2013.
O pau come!
“Olha esta placa bilíngue da Fifa: “O pau tá comendo! The dick is eating!” – José Simão, humorista – Folha de S. Paulo, 20-06-2013.
Herança maldita
“Um leitor mandou perguntar pra Dilma: “A Copa é a herança maldita do Lula?!” – José Simão, humorista – Folha de S. Paulo, 20-06-2013.
(Ecodebate, 03/07/2013) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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