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‘O sistema de transporte público não pode ser indutor de custo social’, entrevista com Fernando Macdowell

 

Em meio a manifestações de todo o país, várias cidades voltaram atrás no reajuste do preço das passagens e a presidente Dilma Roussef prometeu mais investimento na área. Nesta entrevista, Fernando Macdowell, engenheiro de transportes e ex-diretor do Metr ô Rio, analisa a situação do transporte no Brasil. Além de concordar que as condições são péssimas, ele garante: a saída para baixar as tarifas não é criar mais subsídios, mas fazer o controle público e diminuir o lucro das empresas.

Como você avalia a promessa da presidente Dilma de ampliar metrô, VLT e corredor de ônibus?

É muito importante que saber utilizar da melhor maneira possível a tecnologia em um determinado corredor, que seja compatível. Não pode se repetir o que está acontecendo no Rio de Janeiro, em que o BRT já nasce morto, porque apresenta uma demanda muito alta que não é compatível com o sistema de transporte. É a mesma coisa de amanhã você colocar um metrô e não ter ninguém para usar. É preciso estudar o que é melhor para cada cidade, para cada demanda, não ser partidário de nenhum sistema de transporte, examinar cada corredor, o perfil da população, sem interesses maiores que não sejam esses. A presidente não pode defender certos modelos antes desta preparação. Precisamos pensar em respostas consistentes a fim de resolver o problema da população, porque ela já está nas ruas.

Se houver dinheiro do governo federal, público, ele deve examinar e controlar o projeto que está sendo utilizado para determinado corredor. O que está acontecendo hoje é que as pessoas estão decidindo independentemente de qualquer coisa. Hoje o país tem duas tecnologias usuais: o ônibus e, mais sofisticadamente, o BRT, que é de baixa capacidade; e você tem o metrô, que é de alta capacidade. Nesse meio de campo, entre o BRT e o metrô, existe um vazio enorme que poderia ser atendido com o aeromóvel, um sistema brasileiro que há 24 anos está operando na Indonésia. Já transportou mais de 100 milhões de pessoas sem nenhum acidente, nenhum descarrilamento, nenhuma posição contrária. É muito importante que cada sistema de transporte se desenvolva também induzindo o crescimento urbanístico das regiões para achatar o pico do horário, que é o grande problema de custo, e que vai refletir na tarifa. A concentração acaba exigindo, por exemplo, um determinado número de trabalhadores, já que, fora daquele horário, tem ociosidade.

As pessoas estão sendo transportadas com muita dificuldade, com seis a sete pessoas por metro quadrado. Isso é um problema de saúde pública, de estresse, por exemplo. Existe um estudo desenvolvido na Europa e nos Estados Unidos que mostra o limite fisiológico do homem dentro de um transporte. Neste estudo, é possível perceber que se tiver um grupo de quatro pessoas no mesmo metro quadrado, ele só consegue suportar 25 minutos sem se sentir mal. A partir de determinado momento, um ou outro apresenta algum problema. E isso não está sendo respeitado. Quando se põem seis pessoas por metro quadrado, só são permitidos dois minutos. Em São Paulo você encontra dez pessoas por metro quadrado, no Rio de Janeiro encontramos oito. Portanto, as pessoas desmaiam, se sentem male isso vai rebater na saúde pública.

O sistema de transporte público não pode ser indutor de custo social. Isso, hoje, é uma realidade. Os ônibus não obedecem a ninguém, a prefeitura não toma conhecimento se o repasse está sendo feito; recebem subsídios exorbitantes da prefeitura, mas essas propostas de desonerações não param de acontecer.

As desonerações são o melhor caminho para financiar o transporte?

A desoneração não tem que ser feita. O governo está sempre tentando fazer coisas para resolver o problema do lucro das empresas e elas não dão nada em contrapartida. Uma proposta já apresentada é colocar GPS nos ônibus para saber quantos ônibus estão parados, quantos ônibus com ar-condicionado estão rodando. É preciso um controle melhor. Hoje o controle dos ônibus é feito única e exclusivamente pelas empresas. Outra proposta é que todo o sistema de passagens deveria ser online para se ter o controle real do faturamento das empresas. Desta forma, não haveria o problema de subsídio, de custo operacional etc. A resposta dos prefeitos foi tirar o dinheiro da saúde e da educação. Por que não analisam o custo operacional, como sempre foi feito no passado?

O BRT é um grande exemplo disso. Ele é um transporte de ônibus mais racional, que tem estações e opera semelhantemente ao metrô. Essa é a ideia. Uma faixa exclusiva, cobrança nas estações. Desta forma, você consegue aumentar a velocidade do ônibus, não pega congestionamento… Em Bogotá, quando foi implementado, o custo do serviço baixou em 32%. Já aqui no Brasil o custo operacional com o BRT subiu. Há necessidade de isentar as empresas de PIS, Cofins? Há necessidade de tirar dinheiro da saúde? O que há necessidade é de controle desses serviços. Na Colômbia, essa baixa no custo foi repassada para a tarifa, aqui nós aumentamos o valor da tarifa. O governo tem 95% dos investimentos em BRT, fora BNDES, fora o INSS que as empresas não pagam – eu pago, você paga.

Ninguém fala que eles podem lucrar menos, que essa pode ser uma solução?

Se existisse a modelagem de engenharia financeira, como as concessionárias rodoviárias e ferroviárias têm, o cenário seria diferente. Hoje é possível discutir com as concessionárias rodoviárias e ferroviárias todos os detalhes. Eu não vejo por que com o ônibus a gente não pode fazer nada. Eu acho que a presidenta tem que entrar para valer. Tem que entrar com técnica. Você repara só toda essa discussão feita sobre os R$ 0,20: na verdade, a tarifa está muito mais alta do que se pensa, não são apenas os R$ 0,20. O problema é que essa tarifa vem vindo muito cara, porque ninguém está estudando isso como deveria. Outra coisa, por que os ônibus não são híbridos, aproveitando o gás que nós estamos jogando fora, em vez do diesel? O Brasil hoje é um exportador de ônibus híbridos, mas nós não usamos aqui. Hoje você não tem uma política de transporte. As secretarias de transporte estão totalmente sem expressão.

Como o sr. analisa esse Conselho Nacional do Transporte Público que a presidente propôs?

Olha, eu só acredito nisso com gente competente. Porque de gente incompetente, é melhor não criar mais nada. As pessoas têm que estar no lugar correto, porque no lugar da profissão dele, ele é reconhecido, e não vai sair dali para ser deputado, que é o que acontece hoje. Ela tem tudo para poder bater a mão na mesa e dizer que vai ter que ser dessa forma. Se não, o que vai acontecer? Daqui a pouco estão os partidos disputando se o Conselho é de cada um e colocando pessoas que não têm nada a ver com a área. O que está acontecendo surpreendeu o país todo. As pessoas precisam entender isso como uma virada de página em um país agora mais correto, mais sério, em que político que não se enquadrar vai ter que sair mesmo. E viva a democracia. Agora, com as pessoas corretas nos lugares certos.

O sr. falou que não adianta investir sem um plano e objetivos concretos para mudar a política de transporte que temos hoje. A presidente disse que vai destinar R$ 50 bilhões para investir em obras de mobilidade urbana. Isso pode cair no mesmo problema?

Exatamente. O que a gente precisa é evitar uma Valec [empresa pública de engenharia, construções e ferrovias vinculada ao Ministério dos Transportes] da vida, que agora está correndo atrás porque não tem trilho, não fizeram o desvio. Agora a Valec está tentando arrumar uma casa que está há 15 anos desorganizada. A gente precisa parar de acomodar pessoas. O transporte vem vindo mal há muito tempo. Escrevi um trabalho dez anos atrás analisando o transporte dez anos antes e apontando o que se precisava fazer para frente. Parece que foi escrito ontem. Porque as coisas não aconteceram. Nos Jogos Pan-americanos conseguimos fazer alguma coisa de transporte? Não, não conseguimos fazer nada. Não deixamos legado nenhum. As olimpíadas não deixarão legados, no máximo, deixarão ônibus. E por aí vai. O dinheiro tem que ser contado. Existem normas para isso.

Entrevista concedida à Viviane Tavares – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)
EcoDebate, 01/07/2013


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