Chapeuzinho e a Lobomania, artigo de Bruno Peron
por Zé Dassilva para o Humor Político
[EcoDebate] Tudo indica que os brasileiros reescrevem o capítulo da malversação de dinheiro público que causa prurido na enciclopédia da democracia no Brasil. Em sua sociedade altamente patriarcal e de troca de favores, o sistema equilibra-se através de um pacto que institucionaliza a corrupção, justifica o acúmulo de riquezas e prorroga qualquer forma de protesto. Esta via de manifestação não é a favorita dos brasileiros, que preferem a resignação e a zombaria, porém a mobilização de junho de 2013 traz uma lição de democracia para o país. Descobrimos que, quando provocados até o limite, a nossa fera interior fica indomável.
Os protestos que soergueram o Brasil em uníssono compõem as linhas de um novo capítulo na história da democracia e dos movimentos sociais na América do Sul. Seus irmãos próximos são a luta pela reforma educativa no Chile e a continuidade dos avanços sociais na Venezuela. O fator em comum é que o povo cansou das vias tradicionais de luta política: obrigatoriedade das eleições, crença nos partidos políticos e conformidade com a imprensa hegemônica. Os brasileiros organizaram-se nas redes sociais da Internet e foram às ruas.
A aparência de ingenuidade acendeu a labareda da carência profunda dos brasileiros.
A particularidade dos protestos no Brasil é que seus Lobos Maus deixaram cair moedas no valor total de R$ 0,20 no caminho à casa da Vovozinha. É a pista. Pensaram que R$ 0,20 não fizessem diferença. Mas Chapeuzinho coletou-as “pela estrada afora” que seguiu sozinha e começou a desconfiar da muito boa vontade do Lobo Mau de indicar-lhe um caminho alternativo. Embora estas moedas não prejudiquem o orçamento do Lobo Mau, elas moveram todo o país a cobrar-lhe prestação de outras contas. Caiu a ficha dos brasileiros.
Depois de uma jornada longa, Chapeuzinho bate na porta da casa da Vozozinha. Até então, tudo parecia normal. A Vovozinha espera sua neta, Chapeuzinho entra e faz algumas perguntas. A Vovozinha responde que seus olhos grandes são para enxergá-la melhor. Em seguida, a Vovozinha retruca que suas orelhas grandes são para escutá-la melhor.
E assim as Prefeituras baixam as tarifas de ônibus, legisladores prometem rever seus projetos polêmicos de lei, a presidente Dilma propõe um pacto com os governadores dos estados para atender as reivindicações populares, gestores da Copa das Confederações hesitam sobre a continuidade ou não dos jogos, e a imprensa mundial revê sua posição sobre o Brasil “emergente”. A culpa não é só de uma pessoa senão de uma matilha de Lobos Maus que corrompem a esperança dos brasileiros. O povo para as ruas em todo o Brasil. Só assim.
Outra particularidade dos protestos no Brasil é a sensação generalizada de que todos têm alguma reivindicação e, portanto, seu caráter apartidário e inclusivo. Todo brasileiro – inclusive integrantes da Polícia Militar que se escondem atrás dos escudos – sente-se parte dos protestos independentemente de qual foi seu candidato nas eleições últimas e dos transtornos que enfrenta (como o atraso em voos de Cumbica devido ao fechamento das avenidas em Guarulhos, a queima de pneus em Brasília e o saque de lojas no Rio de Janeiro).
A cultura política do brasileiro revela que a desconfiança acumulou até a paciência estourar numa manifestação autêntica de seus direitos democráticos. Esta rajada de reivindicações em todo o país orgulha o ser brasileiro malgrado os desvios minoritários de conduta que maculam os protestos, praticam a violência e destroem patrimônios públicos e privados. Estes não fazem mais que dificultar a tarefa dos lutadores dignos da democracia no país.
No entanto, só o enaltecimento da democracia não atende a demanda dos brasileiros. Os governos municipais concentraram suas medidas na redução das tarifas de ônibus, o governo federal enfatizou o avanço democrático e a televisão focalizou os atos de vandalismo. É preciso tomar cuidado para que nenhuma bandeira sectária se alce destes protestos. Não desviemos o rumo das mudanças vindouras. Não queremos só o almoço porque, mais tarde, teremos que jantar. Tampouco queremos que o governo nos faça aquilo que depende de nós.
Os brasileiros despertam-se depois de perguntar ao Lobo Mau para que serve sua boca.
Solicitamos uma prestação de contas sobre a estrada ínvia que o Lobo Mau nos sugeriu.
* Colaboração de Bruno Peron Loureiro, mestre em Estudos Latino-americanos pela Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM), para o EcoDebate, 27/06/2013
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