Manifestação do Povo TAPEBA, no KM 14 da BR 222, município de Caucaia, Ceará
[Por Ronaldo de Queiroz Lima, para o EcoDebate] Esta semana teve início com a interdição da BR 222 pelo Povo Tapeba com a presença de lideranças e de não lideranças indígenas das 15 comunidades desse território. Além dessas pessoas, estão presentes grupos de parentes das seguintes etnias: Pitaguary, Jenipapo-Kanindé, Anacé e Tabajara, até o momento em que estivemos no local. Vale salientar que o ônibus que levava índios Pitaguary e os Tapeba de uma das comunidades foram retidos pela Polícia Rodoviária Federal sob a afirmação de ilegalidade dos respectivos veículos. Podemos pensar na probabilidade de outros veículos de outras etnias terem sido interceptados. Estiveram também, no período desta manhã, poucos não-índios no local da interdição e algumas pessoas de três mídias locais. apoiando a luta indígena pela demarcação do território Tapeba.
A manifestação visa pressionar a publicação da portaria declaratória que delimita o território indígena Tapeba, há trinta anos em processo de demarcação. Houve protesto registrado por uma faixa contra a ofensiva do Governo Federal contra os povos indígenas do Brasil em nome do “progresso”. O objetivo central é conseguir uma reunião de uma comissão de 15 lideranças Tapeba com o Governador do Estado. Essa é a condição defendida pelos índios para desocuparem esse trecho da rodovia federal que corta 9 km do território Tapeba. Todos os acessos foram fechados, tanto na principal, a rodovia, como nas secundárias.
O acampamento já foi montado dentro do território Tapeba, a rodovia foi obstruída com troncos de árvores e pneus incinerados. Não há previsão para a desobstrução, que segue com o toque, a dança e a música do Toré. A primeira vista percebemos um momento lúdico com essa manifestação cultural tradicional indígena, no entanto, ele reafirma a identidade dos povos indígenas que lá estão energizando o desejo legítimo de terem demarcada a terra com a qual vêm construindo toda a vida material e espiritual. A manifestação segue pacífica, desde as oito horas da manhã e não tem previsão para terminar. A via está guardada por guerreiros indígenas que mantêm a hegemonia dos Tapeba em seu território.
O artigo 231 da CF 1988 assegura o direito originário aos povos indígenas que tradicionalmente habitam uma determinada área. A terra Tapeba, assim como as das demais etnias do Estado do Ceará e pode-se dizer do Brasil, sofreram diminuições comprometedoras do crescimento populacional, pois os recursos naturais, com o passar do tempo, foram sendo reduzidos. Isso dificulta a sobrevivência desse povo, bem como dos índios brasileiros em geral, o que se agrava com a não demarcação da terra indígena Tapeba. Além disso, o mesmo artigo garante o reconhecimento dos povos indígenas, suas organizações, costumes, tradições, práticas de vida, os quais sofreram mudanças significativas pelo contato com a sociedade envolvente. A vida social é dinâmica e é ignorância pensar que povos indígenas correspondem ao imaginário folclórico do romantismo indigenista brasileiro.
Nós somos o outro, quando em meio aos índios, atentamente afirmou meu colega e amigo Rafael Viana, graduando de Ciências Sociais da UFC, certamente ressoando o pensamento antropológico brasileiro fundado no trabalho do grande antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira. A identidade étnica corresponde no auto reconhecimento do índio como tal não entre os próprios, mas diante da sociedade não indígena, a qual em lei já reconhece, mas o censo comum ainda mantém engessada a ideia fixa do índio do século XIX. Nesse período a ideologia do desaparecimento dos índios ganhou força a ponto de por declaração a Província do Ceará sancionar a extinção dessas pessoas.
Esse discurso ideologista ganhou novo fôlego com a ofensiva contra os direitos indígenas. Ora, a vida social indígena não está subjugada as leis ou as ideologias, quais quer que sejam, ainda mais do outro. A vida social indígena é bem maior do que as leis que a regulam por papel, ela é dinâmica e isso corresponde a forças profundamente vinculadas a cada indivíduo e ao coletivo no qual vive. Essas forças alimentam organizações sociais específicas segundo necessidades morais, étnicas, culturais, espirituais específicas.
Atualmente, os conflitos envolvendo povos indígenas no Brasil reascendem no cenário político nacional o movimento indígena, depois da emergência dele politicamente organizado na década de oitenta do século passado. Neste primeiro semestre aconteceram e ainda estão acontecendo manifestações que exigem do Estado brasileiro o cumprimento da legislação que assegura o direito a terra tradicionalmente ocupada, e que regulamenta todo o processo demarcatório. Esse é o caso do povo Tapeba que corresponde também às várias ocupações, manifestações do movimento indígena Nacional, os quais repudiam a violação dos seus direitos violentados desde o período colonial. A pesquisadora Manuela Carneiro da Cunha afirma que desde a colônia portuguesa havia direitos indígenas à terra que ocupavam, os quais foram, ao longo desses séculos, constantemente negados pela sociedade envolvente.
Em relação ao processo de demarcação de terra indígena (TI) o Decreto nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996 regulamenta sobre o processo administrativo para a regulamentação de TI e dá outras providências. Na realidade as manifestações que estamos acompanhando pela impressa nacional e local advém de uma voz que clama por direitos assegurados na legislação brasileira e estão sendo descumpridas pelo próprio Estado Brasileiro. É esse o caso dos Tapeba que interditaram nesta manhã a BR 222.
Hoje temos um quadro político que favorece ao cumprimento das leis que regulamentaram o Estado Democrático, após o período da ditadura militar. No caso dos povos indígenas do Brasil, o cumprimento da legislação indígena: Decreto 6.861/ 2009 (dispõe sobre a Educação Escolar Indígena), a Lei 6001/73 (Estatuto do Índio), a Lei 5371/67 (Criação da FUNAI), os artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988, Decreto 5051/04quePromulga a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre os Povos Indígenas e Tribais favorece ao reparo da dívida histórica com esses grupos étnicos, além de se estar construindo um país democrático de fato.
Ronaldo de Queiroz Lima é Bacharel em Ciências Sociais na Universidade Federal do Ceará, Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFC. Observatório dos Direitos Indígenas, Vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Étnicas GEPE/UFC
EcoDebate, 18/06/2013
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